31/12/2015

Do Ano Velho para o Ano Novo, com afectos

Começo por agradecer as palavras de Boas Festas de que os cartões são mensageiros. 
Talvez seja vaidade mostrar alguns dos presentes que me tocaram; porém, o que me levou a fazê-lo foi a forma de agradecer o afecto e a lembrança. Começando da esquerda para a direita: nunca bebi um chá de jasmim tão bom; o calendário de Yara Kono tem ilustrações lindíssimas; o Porto de Resende tem o seu traço e cores inconfundíveis; 36 desenhos de Chagall chegaram com uma gaivota e nada mais é preciso dizer; seguem-se os lindíssimos menús reunidos numa "História das Artes de Servir à Mesa"; a que se juntam a "biografia de Ilse Losa" por quem tenho especial curiosidade e as "Dicas para tudo e mais alguma coisa" numa fabulosa edição retro. Para último, deixei de propósito duas figuras em miniatura oferecidas para a minha casa de bonecas. O anjinho, em particular, emocionou-me pois chegou o Natal à dita casa que um dia trarei aqui. 


Coloquei as peças ao lado da chávena para poder-se observar a escala

*
***
****

Este ano a minha árvore de Natal esteve quase sempre inclinada. As decorações foram caindo e não tentei acender as gambiarras. Porque será?



Desejo a todos 
um

FELIZ ANO NOVO

cheio de projectos

e alegria!


29/12/2015

Da ilusão

O sofá em frente ao estúdio.


Ilusão - Definição:

Do latim illudere. Engano dos sentidos perante determinada aparência da realidade. A ilusão constitui-se pela afectação e consequente manipulação dos sentidos, de forma a velar e/ou deturpar a realidade.

Dicionário de Estética,  (org: Carchia, Gianni e outro, col, Lexis),  Lisboa: Edições 70, 2003.

A ilusão da realidade é parte integrante da consciência e é a consciência que não permite que essa mesma ilusão destrua a verdadeira noção de realidade.

Edgar Morin,   O cinema ou o homem imaginário. Lisboa: Relógio d’ Água, 1997.

Partindo da etimologia da palavra até à filosofia do termo, duma abordagem mais técnica para uma abordagem literária e sensorial, é esta última que escolho:  "Construímos estátuas de neve e choramos ao ver que derretem" (Walter Scott).

Mea culpa, cria-se a ilusão, a ideia do inexistente, como se o mundo pudesse ser feito de desejos e moldado segundo a nossa vontade. 
Assim, nos campos não faltariam flores, a Primavera seria eterna, a chuva só duraria uns minutos, o sorriso seria imenso e o choro limitado. Não haveria medo, apenas confiança, as mãos não estariam vazias mas repletas de júbilo. Enfim, as estátuas de neve não derreteriam...


27/12/2015

Uma pequena roseira

Uma pequena roseira, uma porta verde, um candeeiro, um arranjo nada tradicional. Contudo, teve o condão de me tocar quando passeava pelas ruelas do castelo de Ourém. Parei, contemplei. A pequena roseira levou-me até ao livro que ando a ler. O livro é um relato de viagens, uma viagem à Ásia realizada por Maugham. Nele, o escritor foca uma personagem que regressa a sua casa em Inglaterra, a um jardim com rosas.
O meu pequeno passeio nada tem a ver com a viagem ao Oriente mas é também uma viagem; a coincidência entre a viagem à paisagem circundante e ao interior de nós próprios é um acaso feliz. 
A vida acaba por ser isto um conjunto de acasos, coincidências, desvios, caminhos percorridos, uns felizes, outros menos felizes... 


«Muito havia para dizer a mim mesmo sobre a arte e a vida, mas as minhas ideias estavam todas misturadas, como os objectos de uma velha loja de quinquilharias, e nunca sabia onde encontrá-las quando precisava delas. Estavam nos recantos da minha cabeça como bugigangas arrumadas no fundo das gavetas de uma cómoda, e eu sabia apenas que elas lá se encontravam. (...) Seria agradável limpar o pó, arrumar tudo em prateleiras, ordenado e catalogado de modo que eu soubesse em que consistiam as minhas existências. Decidi que, enquanto percorria aquela região, faria uma limpeza profunda de todas as minhas ideias.»

Somerset Maugham, Um Gentleman na Ásia, Relato de uma Viagem de Rangum a Haiphong [editado. 1930], (trad. Raquel Mouta). Lisboa: Tinta da China, 2013, p. 64-65.



A todos agradeço o afecto que deixaram nesta quadra Natalícia.

23/12/2015

Estrela de Natal !

A escultura de F. Marques torna-se num presépio humano, escultórico, com a colocação da estrela que marca o caminho para visitar o Menino.  Em França o Menino Jesus só é colocado no dia de Natal.

Feliz Natal!

Vista parcial da escultura de F. Marques, Ao Povo de Ourém, 800 anos de História, 1982
Jardim de Plessis-Trévise,  Ourém



Coro do King's College, Cambridge

21/12/2015

Palavras para quê?

Ourém, Castelo de Ourém,intramuros

Inunda-se de alegria o coração
como se a Primavera estivesse a despontar.
A chuva parece distante...
e o sol apesar de fraco
emana uma luz intensa e quente.
Palavras para quê?


19/12/2015

Religiosidade

Sagrada Família


A figura mais perfeita e mais capaz de quantas inventou a natureza e conhece a geometria é o círculo. Circular é o globo da terra, circulares as esferas celestes, circular toda esta máquina do universo, que por isso se chama orbe, e até o mesmo Deus, se sendo espírito pudera ter figura, não havia de ter outra, senão a circular.

Padre António Vieira, "Sermão de Nossa Senhora do Ó Na Igreja de Nosssa Senhora da Ajuda, Bahia (1640)", in Obras Completas, Sermões, vol. II - tomos IV, V e VI, Porto, Lello &; Irmão, 1959, págs. 435 – 450.

14/12/2015

A beleza será então a fuga possível.

Por vezes precisamos simplesmente da beleza para esquecer os momentos que nos entristecem: como o terrorismo, a violência ou o a imposição pelo medo - o poder dos cobardes.
O cansaço também leva à procura da beleza.
A beleza será então a fuga possível.


Autor desconhecido, detalhe, Devaneio, século XIX




12/12/2015

O POEMA É UM CUBO...




O POEMA É UM CUBO DE GRANITO

O poema é um cubo de granito,
Mal talhado, rugoso, devorante.
Roço com ele a pele e o negro da pupila,
E sei que por diante
Tenho um rasto de sangue à minha espera
No caminho dos cães
Em vez da primavera.

 José Saramago, Provavelmente Alegria, Lisboa: Caminho, 1985.


Uma caixinha de música sempre me fez lembrar um cubo mágico
daí o trocadilho: Flauta Mágica, ouça-se e veja-se Papagena, Papageno.

09/12/2015

A mesa junto à janela

A mesa junto à janela



A mesa junto à janela é muitas vezes companheira de reflexão. O mármore branco de forma hexagonal infere alguma pureza ao conjunto de estilo holandês, pesado e sóbrio.
Dois candelabros jogam no espaço cénico a verticalidade dos sentidos. A luz é a grande vencedora, projecta as sombras, dilui os pensamentos. 
O sabor do café solitário, o olhar vazio para a rua iluminada leva a pensamentos cruzados, à informação partilhada. 
Um grito mudo de impotência. A desordem nascida do improvável, a derrota dos frágeis, incoerência anunciada, a queda de Ícaro num campo sem flores.
A barca é pequena e o homem do leme perde as referências básicas, perde o nome que encerra em si.
Perde-se...
O nó desata-se, o fio desfia-se, o tear desconhece a mão que vagarosamente quer tecer o fio.



Em re-re-reposição.

05/12/2015

O que tentam dizer as árvores





Árvores

O que tentam dizer as árvores
No seu silêncio lento e nos seus vagos rumores,
o sentido que têm no lugar onde estão,
a reverência, a ressonância, a transparência,
e os acentos claros e sombrios de uma frase aérea.
E as sombras e as folhas são a inocência de uma ideia
que entre a água e o espaço se tornou uma leve
integridade.
Sob o mágico sopro da luz são barcos transparentes.
Não sei se é o ar se é o sangue que brota dos seus
ramos.
Ouço a espuma finíssima das suas gargantas verdes.
Não estou, nunca estarei longe desta água pura
e destas lâmpadas antigas de obscuras ilhas.
Que pura serenidade da memória, que horizontes
em torno do poço silencioso! É um canto num sono
e o vento e a luz são o hálito de uma criança
que sobre um ramo de árvore abraça o mundo.


António Ramos Rosa, Cada árvore é um ser para ser em nós, 2002


03/12/2015

"como câmara de eco"

Talbot Hughes, ECHO, 1900, daqui


Ninguém espera de nós a solução de um problema, o consolo de um bom conselho, a conclusão feita da experiência. Todos nos querem usar como câmara de eco da sua completa solidão e ouvi-los é apenas estar ali como uma espécie de espelho que lhes devolve o movimento dos lábios, mas não o som que eles emitem.A vida é um filme mudo, às vezes a cores, mas mudo, irremediavelmente mudo.

António Mega Ferreira, A Blusa Romena. Lisboa: Sextante, 2008, p 212.

 

01/12/2015

É possível que todos os livros sejam inúteis...


Leituras e livros  em homenagem ao poeta maior:

80 Anos da morte de Fernando Pessoa, dia  30 de Novembro de 2015

A escultura “Hommage a Pessoa”, de Jean-Michel Folon, foi inaugurada no 120º aniversário de nascimento do poeta, Largo Teatro S. Carlos


É possível que todos os livros sejam inúteis, se lemos para nos esquecermos de nós, para debelarmos a ferida de existir. Se formos previdentes, os livros também nunca nos magoam. Salvem-se de ler Kafka de madrugada, ou Virgínia Woolf se estiverem internados com uma prancreatite. As pesssoas, sim, essas magoam-nos: são uma dádiva mas também agravam a nossa ferida, escarafuncham nela e fazem-na sangrar.


[sublinhado por mim].

João Tordo, O Paraíso Segundo Lars D. Lisboa: Companhia das Letras, 2015, p. 15


Comecei a ler o Paraíso Segundo Lars D. de João Tordo sem ler duas obras que a antecedem: Biografia involuntária dos amantes e Luto de Elias Gro
Talvez fosse importante ter lido os outros livros mas estou a ter um imenso prazer e deleite na leitura deste Paraíso. 
Como primeiro livro que leio não sinto a falta dos outros. A narrativa prende, as palavras tocam-me profundamente porque são cheias de conteúdo. As ideias não são novas mas estão escritas pela primeira vez como súmula categórica.

João Tordo é filho do cantor Fernando Tordo, é licenciado em Filosofia e estudou escrita criativa em Londres e Nova Iorque. Venceu o Prémio Literário José Saramago (2008) com a obra: "Três Vidas".

Vou ler mais livros deste escritor pois estou a gostar da amostra. 





1º de Dezembro - outrora era feriado em nome dos 40 conjurados que restauraram a independência nos idos de 1640.
Recorde-se assim, a data mesmo sem festa. 

28/11/2015

As primeiras camélias

A Natureza é absolutamente surpreendente. Enquanto o Outono prossegue com as folhas mortas na maior parte das árvores, outras há que se renovam e brotam com vigor e pujança numa beleza irrepreensível. A árvore da camélia, na sua maioria, ainda verde, salpicada por rosa aqui e acolá revela os ciclos habituais seguindo a ordem das coisas. No jardim ocre, amarelo e castanho o rejuvenescimento pontual faz acreditar na vida.



26/11/2015

O dia declina

Há muito tempo que ando para partilhar um livro de poesia escrito por uma amiga. Tive o feliz acaso de transportar para o lançamento do livro duas pessoas que lhe eram muito queridas. É uma Mulher com M grande, tomou o caminho e foi "para além da curva da estrada" como o belo poema de Alberto Caeiro. Equacionou a sua existência e para ser coerente consigo própria teve que fazer escolhas muito difíceis. É destemida, mas não sem temor, decidida, mas não sem dúvidas, forte, mas não sem fragilidades, ela avança hoje, devagar, devagarinho, amanhã, mais depressa, mas neste corre-corre do dia-a-dia publicou o seu primeiro livro de poesia: um objectivo que tinha na vida.
Parabéns Gracinha!



O dia declina

O dia declina
A selva escurece pouco a pouco
Os contornos das árvores
Assemelham-se a monstros
Os gritos selvagens dos bichos
Ecoam por toda a parte
Luta-se pela sobrevivência
e no fundo do coração da terra
Abre-se uma caverna inimaginável
Onde reina o silêncio
Vem de lá o mistério insondável
Que nos sústém o alento
A sorte é haver nevoeiro
No meio dos bichos
A ponte interminável para chegar à caverna
É a imaginação.

Graça Alves, Cores do Silêncio. Coimbra: Palimage, 2015, p. 57.




24/11/2015

Café

Café Central, Ourém

O café Central de Ourém nasceu por volta de 1928. 
(Informação do blog do café)




No silêncio calmo do café quase vazio,
as cadeiras e as mesas convidam ao repouso. 
O caderno de capas pretas ocupa parte da mesa circular.
O lápis de carvão inerte não capta a luz do momento.

No janelão os vasos de plantas verdes 
cortam a monotonia cromática.
Na rua as pessoas passam apressadamente, 
ninguém olha para o velho café.

Duas mesas à frente está sentada uma mulher,  
cuja idade é difícil de calcular;
o seu rosto vazio revela as marcas do desemprego. 

O som da máquina corta o silêncio,
 chega o café quente, cremoso, a chamar para a realidade.
A alma aquece e ilumina o pensamento. 



21/11/2015

Para a Sandra

Vitamina C em forma de sol 
e umas violetas
com os votos de um dia muito feliz.


Muitos Parabéns!

Depois de ter visto no Prosimetron aqui está a minha surpresa.
Uma mulher portuguesa que admiro, pois partiu porque o nosso país não é para jovens.
Já tive ocasião de dizer isto à Sandra que vive na Holanda, um país onde o sol não tem tanta força como no nosso, mas que acolhe jovens especializados e lhes dá valor.

[Não arranjei um vídeo do teu ano],

20/11/2015

Verão de 2012

O Verão de 2012 é um livro que foca o confronto entre a vida e a morte.

 Isaac Whood (1688-89–1752) Two Boys with Greyhounds

http://bjws.blogspot.pt/2015_07_31_archive.html

Há muita gente que não gosta de animais nem de pessoas, o que é compreensível; há gente que gosta de animais mas não de pessoas, o que é lógico; mas não há ninguém que não goste de animais e goste de pessoas, esta última hipótese não pode verificar-se, porque quem não consegue experimentar o amor sem causa não pode encontrar em parte alguma causa  bastante para o amor.

 Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012. Lisboa: Tinta da China, 2014, p. 52.


Conhecer com mais precisão a fatalidade da morte é um acto de solidão. 
Julgo que o autor do livro está a vencer a doença. 


Conheci Paulo Varela Gomes em Goa, na Fundação Oriente. Pouco privei com ele mas parecia-me uma pessoa com sensibilidade. Acolheu-me muito bem. 
A especialidade dele é História da Arquitectura e das Artes.

18/11/2015

Livros


Um dos últimos livros de poesia que li começa com uma dedicatória também ela um verdadeiro poema. Transcrevi parcialmente, pois não coloquei os nomes. Apesar de ser uma homenagem pública, não quis transpor as fronteiras da  
privacidade gravada no livro. Os nomes são nomes e esses são intocáveis.

São quatro os livros que escoram a biblioteca que
tenho dentro da cabeça. São os meus livros mais 
valiosos.
Nas suas folhas sempre abertas deposito alguns
farrapos de nuvens e a máquina frágil do meu coração.

[aos pais]
por todas as palavras e pela aprendizagem do silêncio

[aos avós]
pelas janelas abertas para os quintais e pelas
raízes que as suportam.


Livro IV
Os lírios são livros

Os livros lêem-se com o tronco
inclinado sobre as mãos. Descem as mãos sobre 
as palavras  só depois poisamos sobre o poema. São 
dois movimentos sucessivos no movimento
circular do mundo

sobre o livro fechado
                                          e sobre o livro aberto.
Para subir depois ao cume das palavras o
movimento deve ser contrário: de cima                                    Rick Beerhorst *

para baixo. Também a noite declina para ascender
à luz e todos os rios descem em direção à primeira
nascente. E os corpos também se movem

sempre se moveram
                                 em espirais descendentes
para subir as torrentes de lava que os atravessam.

Lê-se então o livro com a lenta respiração das
mãos. No tremor das mãos sibila o interior do 
mundo. Também os lírios são livros

que se abrem à luz de todas as manhãs, perfumes
brancos densos vapores que se elevam da terra
escura. E vamos devagar por dentro da raiz das
coisas

e vamos devagar porque o tempo não conta

                                é tempo transmutado em luz
e o que é eterno desconta nos cálculos do tabelião
da morte.

Depois de fechar o livro lê-se o livro por mais três
meses seguidos. Espera-se que chegue a magia do
esquecimento. Espera-se que acordem as divinas
criaturas e

derramem lágrimas e leite

e que os homens ponham a funcionar as líquidas
máquinas circulares.

Dos livros brotarão lírios
                                    e dos lírios brotarão livros 

e sabe-se que em toda a sua glória nunca salomão
se vestiu assim: do mais puro metal das palavras,
do ouro das coisas mais puras, do fulgor dos rios
eternos, dos luzentes rios

                    que ligam o céu e a terra.

Rui Miguel Fragas, Não sei se o Vento.Óbidos: Poética Edições, 2015, p. 73-74

*Daqui


16/11/2015

Para o João Menéres

Parabéns e um dia muito Feliz. :))

Este desenho foi realizado, tanto quanto soube, por um pintor amigo do João para o livro de curso. A fotografia é do João mas eu recortei-a pois não estava em destaque; estava sim, no seu escritório antes da mudança. 
Julgo que agora tem um novo espaço, onde desejo seja muito feliz e tire o melhor partido dele.




À eterna juventude!

O João é um homem generoso, de ideias convictas, com uma energia fabulosa, com bom gosto e sensibilidade. Como o seu signo refere que não gosta de bajulação aqui ficam os possíveis defeitos: poderá ser teimoso (mas qualquer ser exigente o é) e ainda, poderá não gostar de perder um debate, mas quem gosta?

Não sei qual é a fonte donde se abastece mas a água é excelente e fresca. :))

Conte-nos o seu segredo.

Mil parabéns.

Cortesia do Google (a sua Callas)

15/11/2015

A voz do mar

Nem o mar ao longe, nem as árvores serenas,
acalmaram a tarde de Outono, quebrada pela notícias francesas do atentado islâmico.



Foto de Thibault Camus/AP
Em honra das vítimas do atentado, Cafetaria Carillon, Paris

Homem se emociona diante de objetos de tributo deixados em frente à cafeteria Carillon, em Paris, onde um dos ataques terroristas ocorreu (Foto: Thibault Camus/AP)

O lançamento do livro de poesia : Não sei se o Vento de Rui Miguel Fragas, um amigo, na Biblioteca Municipal da Figueira da Foz.



A voz do mar 

pertence ao mar. E o  canto dos pássaros não te
pertence. Ouve os pássaros e ouve o mar e o vento
que sopra ao longe. Escuta os sinos da tua voz, lá
dentro do teu peito: há em tudo o que escutas

o mesmo rumor.

Mesmo que seja só uma promessa de sílaba uma
vogal apenas ou o rasto de uma vogal. Mesmo que
não chegue para dizer o teu nome, mesmo

que não chegue para me chamar.

O que está dentro do teu peito é mais do que tu: e o
que ouves é sempre mais

do que és capaz de dizer. A demora da luz e os
rituais da distância têm voz

mas não têm nome.

Só o rosário do silêncio me chama e ainda sou
capaz de ouvir as baleias do outro lado do mundo.
Só sei responder ao vento: por isso se me chamares

não te responderei.

Não queiras mais nada para além dessa sílaba
adiada, dessa vogal ou eco e do eco dessa vogal.

O teu nome é um nebuloso sussurro: vem de longe
e vai para longe, para lá de todas as luas de 
saturno. És uma invocação sem apelo.

não tens nome quando te chamo.

 Rui Miguel Fragas, Não sei se o Vento.Óbidos: Poética Edições, 2015, p. 61.

Na apresentação do livro, o Rui disse que o mundo é em si poesia.
Respondo só o é para quem a vê. Poucos são os que a vêem, perdoem-me a arrogância.
A escolha do poema inscreve-se no nome anónimo dos que morreram no atentado  em França. O mar é agora a sua liberdade, mas pagaram-na bem cara.

A minha homenagem às vítimas do atentado de sexta-feira 13 em Paris: que a vida não seja apenas as folhas mortas que caem...,
na voz de Yves Montant



14/11/2015

La Mer

(Por vezes não há fronteiras entre o mar e o céu a não ser uma linha ténue no horizonte. )


Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. 

Clarice Lispector, A Hora da Estrela. Lisboa: Relógio de Água, 2002, p. 13.



11/11/2015

Castanhas trazem - a saudade

Castanhas em dia de S. Martinho. Tenho algumas saudades do magusto que se fazia quando andávamos na escola. A risada, a correria, a inconsciência e, talvez, também, a preocupação em não falhar ou a consciência da responsabilidade, mas acima de tudo, a brincadeira. As caras sujas de cinza, a bata suja, o ralhete da mãe, o cheiro a caruma, as castanhas boas e quentinhas, a festa da escola, sim porque era dia de festa na escola.


José Ferraz de Almeida Júnior, detalhe, Saudade, 1899
Pinacoteca do Estado de São Paulo
(Wikimédia)

Nunca fora capaz de lhe ensinar o significado da palavra saudade e, mesmo que o tivesse feito, isso de pouco lhe valia: a saudade não tinha sido inventada para falar de uma presença que nos recorda a ausência de um sentimento, mas para designar o lamento por uma perda que nenhum dos nossos sentidos pode, ainda que parcialmente, reconstruir.

António Mega Ferreira, A Blusa Romena. Lisboa: Sextante, 2008, p. 206.



08/11/2015

Numa tarde de sol

Numa tarde de sol veio parar-me à mão um livrinho por empréstimo que teve o condão de me maravilhar. 
Um livro com uma espiritualidade profunda que poderia pertencer a todas as religiões. Fez-me lembrar: Sidharta por causa de uma viagem, embora não tenha nada a ver com este livro. A relação foca-se na viagem dentro de nós. A viagem onde expurgamos os nossos ódios... onde temos a possibilidade de nos reencontrarmos.
O Senhor Ibrahim e as flores do Alcorão poderia ser não só a flor do Alcorão, mas também a flor do Cristianismo, a flor Hebraica, a flor de Buda - Lótus.


Imagem do livro: cortesia do google
Aquilo que tu dás, Momo, será teu para sempre; o que tu guardas perder-se-á para sempre!

Nem sempre podemos dar...

Eric- Emmanuel Schmitt, O Senhor Ibrahim e as flores do Alcorão. Queluz: Marcador, 2013, p. 40.



06/11/2015

A Ponte

Bridge Over Troubled Water


A Ponte

Vidraças que me separam 
Do vento fresco da tarde 
Num casulo de silêncio 
Onde os segredos e o ar 
São as traves duma ponte 
Que não paro de lançar 

Fica-se a ponte no espaço 
À espera de quem lá passe 
Que o motivo de ser ponte 
Se não pára a construção 
Vai muito mais a vontade 
De estarem onde não estão 

Vem a noite e o seu recado 
Sua negra natureza 
talvez a lua não falte 
Ou venha a chuva de estrelas 
Basta que o sono consinta 
A confiança de vê-las 

Amanhã o novo dia 
Se o merecer e me for dado 
Um outro pilar da ponte 
Cravado no fundo do mar 
Torna mais breve a distância 
Do que falta caminhar 

Há sempre um ponto de mira 
O mais comum horizonte 
Nunca as pontes lá chegaram 
Porque acaba o construtor 
Antes que a ponte se entronque 
Onde se acaba o transpor 

Sobre o vazio do mar 
Desfere o traço da ponte 
Vá na frente a construção 
Não perguntem de que serve 
Esta humana teimosia 
Que sobre a ponte se atreve 

Abro as vidraças por fim 
E todo o vento se esquece 
Nenhuma estrela caiu 
Nem a lua me ajudou 
Mas a ruiva madrugada 
Por trás da ponte aparece. 

José Saramago, Provavelmente Alegria. Alfragide: Caminho, 1985, p. 83.


Cada tempo tem a sua interpretação



03/11/2015

Para a Margarida

Para a Margarida um dia muito Feliz!
Parabéns com muita luz.


William Orpen, Sunlight, 1925, Leeds Art Gallery

A luz e a sombra brincam com a musa,
incandescem os olhos do pintor num atelier sem cavalete.

Columbano a quem a Margarida dedicou uma parte da sua vida. :))

02/11/2015

O rio corre... as folhas caem

O rio corre... as folhas caem.


Um passeio outonal pelo parque. Um dia tristonho porque o sol não apareceu.


Na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro cumpre-se a tradição do "bolinho", as crianças da vizinhança assaltam as casas mascarados e pedem guloseimas.
Nos dias de hoje, com a globalização, os costumes anglo-saxónicos invadem e generaliza-se o dia das bruxas, uma data para comemorar, mais um motivo para brincar.
Apesar de defensora acérrima da nossa cultura, pela primeira vez, quis surpreender as crianças que costumam bater à porta e fiz (emos) um adereço.
Comprei guloseimas e esperei... mas este ano não apareceram.


Dia 1 de Novembro, dia dos finados, dia de se prestar o culto aos nossos antepassados, morreu o cineasta português José Fonseca e Costa e assim partiu  mais um português, um homem das artes. .

A chuva traz a nostalgia, porém este monstrinho laranja faz-nos sorrir.

Boa noite. :))

Um filme de culto cá por casa.

31/10/2015

Leituras

Henri Matisse, Detalhe,  A  Blusa Romena, 1940             


A tela de Matisse aqui representada foi a mentora do livro de António Mega Ferreira e um detalhe dela
faz parte da capa do mesmo.
Musee National d'Arte Moderne, Centro Georges Pompidou,  Paris
(http://www.artchive.com/artchive/M/matisse/matisse_rumanian_blouse.jpg.html)

A blusa romena é uma explosão de cor na forma ampla, generosa, excessiva, de um corpo de mulher, cujo rosto se rasga, parecia-me então, num sorriso luminoso. ( p.42)
***
A História, assim mesmo: só os humanos a escrevem com letra grande, porque a investem de uma carga intemporal e metafísica que que ela não tem, pura e simplesmente porque não existe enquanto tal. Que outro vazio se esconde por detrás desta desmedida ambição de fazer História através da pequena história de acidentes e casualidades que é o destino de cada um?


António Mega Ferreira, A Blusa Romena. Lisboa: Sextante, 2008, p.45-46.



29/10/2015

casa portuguesa

Casa portuguesa, Óbidos



Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem essa fraqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existéncia singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tijela.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!


Reinaldo Ferreira (filho)

Poema eternizado por Amália Rodrigues e outros fadistas.

Porque é um dos fados que menos gosto, apesar da excelente letra, optei pela Serenata de Carlos Paredes.



Para celebrar os 35 anos de carreira de Rui Veloso aqui fica Paredes e Rui Veloso em Porto Sentido.
Claro, é para o João Menéres para a sua rubrica "Porto Meu".

Publicada hoje num breve intervalo após o comentário do Rogério. Sim, as letras do Carlos Tê são maravilhosas. Foquei Reinaldo Ferreira porque me pareceu que casava melhor com a fotografia. 

Quem vem e atravessa o rio
Junto à serra do Pilar
Vê um velho casario
Que se estende ate ao mar

Quem te vê ao vir da ponte
És cascata, são-joanina
Erigida sobre o monte
No meio da neblina.

Por ruelas e calçadas
Da Ribeira até à Foz
Por pedras sujas e gastas
E lampiões tristes e sós.

E esse teu ar grave e sério
Dum rosto e cantaria
Que nos oculta o mistério
Dessa luz bela e sombria

[refrão]

Ver-te assim abandonada
Nesse timbre pardacento
Nesse teu jeito fechado
De quem mói um sentimento

E é sempre a primeira vez
Em cada regresso a casa
Rever-te nessa altivez
De milhafre ferido na asa

Carlos Tê


(1992)

27/10/2015

Um olhar... à janela

Um olhar... à janela
Cruzam-se na rua sem se conhecer,
olham-se, sorriem, nada dizem.
Apenas um olhar à janela pode dizer tudo.

***
O que nos diz esta  noiva judia de Rembrandt?

Rembrandt, "The Girl in a Picture Frame" (Jewish Bride), 1641,
The Royal Castle in Warsaw
File:Rembrandt Girl in a Picture Frame.jpg




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