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05/12/2015

O que tentam dizer as árvores





Árvores

O que tentam dizer as árvores
No seu silêncio lento e nos seus vagos rumores,
o sentido que têm no lugar onde estão,
a reverência, a ressonância, a transparência,
e os acentos claros e sombrios de uma frase aérea.
E as sombras e as folhas são a inocência de uma ideia
que entre a água e o espaço se tornou uma leve
integridade.
Sob o mágico sopro da luz são barcos transparentes.
Não sei se é o ar se é o sangue que brota dos seus
ramos.
Ouço a espuma finíssima das suas gargantas verdes.
Não estou, nunca estarei longe desta água pura
e destas lâmpadas antigas de obscuras ilhas.
Que pura serenidade da memória, que horizontes
em torno do poço silencioso! É um canto num sono
e o vento e a luz são o hálito de uma criança
que sobre um ramo de árvore abraça o mundo.


António Ramos Rosa, Cada árvore é um ser para ser em nós, 2002


03/05/2015

Contrastes

*Mãe*
Os contrastes estão cada vez mais vincados. 

Mary Cassat, Mother Combing Child's Hair,1879, Wikimedia commons



Picasso, A sopa, 1903



Vittorio Crivelli (c 1440-1501), Detalhe de Virgem com o Menino (pinterest)

Vittorio Crivelli (Italian artist, c 1440-1501) Madonna and Child

Mãe

Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal
.

António Ramos Rosa, Antologia Poética. Lisboa: Dom Quixote, 2001.

05/11/2013

Da lucidez...

Giorgio De Chirico, Composição Metafísica, 1914. Vendido pela Christie's Daqui

Teremos de descer até ao fundo da lava
E sentir a frigidez da sombra que está no fundo de tudo
Teremos então num incerto vaivém
De subir e descer e do abismo ao solo solar
Da lucidez inebriante à viscosa agonia
Tecer a intermédia melodia da ascensão e da queda
Na sucessão dos instantes na sequência das palavras
Para que possamos viver no equilíbrio ténue
Como numa torre transparente mas de obscuros veios
E consagrar o luminoso mercúrio
Que liga a cinza futura e já pretérita
À ingénua insurreição da nossa inocência original


António Ramos Rosa e Robert Bréchon, Meditações Metapoéticas / Méditations Métapoétiques. Lisboa: Caminho, 2003, p. 94.

28/09/2013

O papel, a mesa, o sol, a pena...

HERMITAGE, Amesterdão

O PAPEL, A MESA, O SOL, A PENA...


***

Há momentos em que não sabemos como agradecer um gesto, uma palavra, uma escolha. Este poema foi-me enviado. Grata a quem mo deu a conhecer.
António Ramos Rosa e o livro de onde foi colhido o poema.

27/09/2013

A António Ramos Rosa...

... Frutos em forma de estrela

Homenagem tardia a António Ramos Rosa

A palavra

A palavra é uma estátua submersa, um leopardo 
que estremece em escuros bosques, uma anémona 
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela 
que projecta a sua sombra sobre um torso. 
Ei-la sem destino no clamor da noite, 
cega e nua, mas vibrante de desejo 
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca 
que apenas aflora os raios de uma outra luz. 
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes 
e vejo uma água límpida numa concha marinha. 
É sempre um corpo amante e fugidio 
que canta num mar musical o sangue das vogais. 

António Ramos Rosa, Acordes (1989) Link

[Sublinhado meu].

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