31/01/2013

"Futuro"

A todos agradeço a partilha e a presença no desafio.
Lucas Cranach, Melancolia, 1532
Statens Museum for Kunst, Copenhaga

FUTURO
Isto vai meus amigos isto vai 
 um passo atrás são sempre dois em frente 
e um povo verdadeiro não se trai 
 não quer gente mais gente que outra gente. 

 Isto vai meus amigos isto vai 
 o que é preciso é ter sempre presente 
 que o presente é um tempo que se vai 
 e o futuro é o tempo resistente.

Depois da tempestade há a bonança 
que é verde como a cor que tem a esperança 
quando a água de Abril sobre nós cai. 

O que é preciso é termos confiança 
se fizermos de Maio a nossa lança 
 isto vai meus amigos isto vai.

Ary dos Santos, in Obra Poética (Casa Fernando Pessoa)

29/01/2013

Portugueses a falar sobre portugueses. Um desafio?

Os portugueses andam tristes e insatisfeitos com a crise e as políticas traçadas pelos nossos governantes.
A Sandra, do blog Presépio com Vista para o Canal, acerca da imutável tristeza do povo português - já confirmada num pensamento do historiador A.H.Oliveira Marques sobre os portugueses de quinhentos -  escreveu:


A insatisfação desceu à rua. Lisboa, 2013

«Não sei se concordo que somos um povo triste; direi antes, que estamos muito tristes e desalentados devido as dificuldades económicas do momento e as preocupações associadas. Quando cheguei aos Países Baixos, e nos primeiros anos, senti falta dos barulhos das conversas nos nossos cafés/restaurantes, dos risos nas esplanadas, do toque mais solto dos portugueses. Mas eu saí de Portugal em 2007, altura que os meus amigos e conhecidos não acreditavam quando lhes dizia que Portugal estava a mergulhar numa crise económica profunda que vinha para ficar um tempo considerável. Lembro-me de dizer ao meu marido: "Ou saímos agora, ou já será muito difícil". Este ano, quando aí fui, encontrei um ambiente muito carregado e deprimido e já não o ambiente solto que me recordava. Mas concordo que temos mais propensão para pensarmos que somos piores que os outros, que a nossa situação é sempre pior que a do vizinho, que o que é de fora é sempre melhor - visão na qual não me incluo, pois temos um património (seja arquitectónico, musical, natural,...) e cultura invejáveis. Irrita-me também quando oiço o discurso que somos um país pequeno e periférico e por isso, somos pobres e coitadinhos e uns desgraçados e mais não sei o que. Até onde sei, a Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo, o Lienchtestein são países mais pequenos que Portugal e... mais ricos. Nós temos muitos e variados recursos, cuidamos mal, isso sim(veja-se o caso das florestas, por exemplo, e os incêndios que ocorrem todos os anos). E não somos periféricos; estamos sim, no centro do mundo, entre a Europa, a África e a América - saibamos pois, tirar partido desta localização geográfica formidável. O comentário já vai longo, mas vou contar-te uma pequena história que se passou aqui, comigo, logo no início. Estava numa consulta de ginecologia, com uma médica holandesa, já perto dos sessenta anos, que me perguntou com ar irónico e a gozar se Portugal já pertencia a Europa. Não gostei do tom, nem da pergunta. Respondi que sim, há muito tempo, que éramos a nação mais antiga da Europa e aquela com fronteiras definidas há mais tempo, que tínhamos feito a primeira globalização, que démos novos mundos ao mundo e que estávamos na UE desde meados dos anos 80. E na sequencia de outros comentários menos abonatórios e injustos a Portugal, acrescentei que temos cientistas brilhantes, escritores e músicos de renome mundial e que recebemos prémios internacionais com muita frequência, incluíndo nas áreas da Saúde e da Biologia. Bom, isto para dizer, que, apesar dos pesares, não temos de baixar a cabeça a ninguém e não valemos menos que ninguém. Tomara muitos países, incluíndo este onde vivo, terem as taxas de sucesso que temos em determinadas áreas. Agora se me perguntares o que faz, na minha opiniao, atrasar Portugal, direi: a impunidade face a corrupção, o xico-espertismo, o compadrio, a má gestão de dinheiros públicos e o consequente desperdício (anos e anos nisto...), o facto de, a troco de uns dinheiros, termos deixado cair a agricultura, a pesca e a indústria e o termos deixado, ao longo de muitos anos, de valorizar o que é nosso e bom (...). »

A Sandra vive na Holanda.

A todos os meus amigos e visitantes deste blog lanço o desafio de escreverem algo sobre este tema, uma frase, um poema, uma música, uma foto, uma tela, algo que personifique a inalterável (ou alterável) tristeza de "ser português". O vosso contributo e partilha  ficará registado com o meu agradecimento.


27/01/2013

El Jardín - lembrando o Holocausto

Sinagoga de Budapeste, em
Memória dos que pereceram


Pranta Bass  viveu no gueto de Theresienstadt e com 12 anos escreveu:

El jardín

Pequeño, pero lleno 
de rosas, el jardín 
va por el camino 
niño pequeño 
niño precioso
lindo como un pimpollo 
cuando se abra el pimpollo 
muerto estará 
el niño pequeño.

Bess P., Aquí no hay mariposas. Dibujos y poemas de los niños del gueto Theresienstadt, legado y biblioteca obrera, a través del Museo Nacional Judío de Praga, 1990. 

Pranta Bass foi assassinado dois anos depois em Auschwitz. Em sua memória e na de todos que pereceram no Holocausto.

25/01/2013

"Os Amigos" - Da Amizade um cesto cheio de flores

Aos amigos que, noutro lugar e aqui, partilharam o afeto: 
Agradeço.

Hans Memling, Musician Angels, (c.1480)
Koninklijk Museum voor Schone Kunsten, Antwerp, Belgium

Num livro que me foi oferecido sobre música


Para todos 
Os Amigos

Os amigos amei 
despido de ternura 
fatigada; 
uns iam, outros vinham, 
a nenhum perguntava 
porque partia, 
porque ficava; 
era pouco o que tinha,
pouco o que dava, 
mas também só queria 
partilhar 
a sede de alegria—
por mais amarga. 

 Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia" (retirado do Citador)

Junto os poemas de duas amigas:

***
Da Isabel do Palvaras de Aqui e Dali

Poema

A vida é feita de instantes
Em constante oposição.
Nenhum é como foi dantes.
Foram-se uns, outros virão.
Só o homem é igual
Em desigual sempre ser.
Quem sabe o que o mundo vale
Melhor sabe não saber.
A cada esperança perdida,
Logo outra esperança é primeira.
O que mais espanta na vida
É a própria vida inteira.

Armindo Rodrigues
(1904-1993)
***

Da Cláudia,  da Livraria Lumière

Bons amigos
 Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

Machado de Assis

***

Da Maria João do Falcão de Jade
O delicioso Snoopy

***

Da Margarida Elias, entre as jóias que enviou escolhi esta que me fez lembrar a minha infância.

A birthday is just the first day of another 365-day journey around the sun. Enjoy the trip. ~Author Unknown


Do João Menéres
UM DIA MUITO FELIZ.


23/01/2013

A. H. Oliveira Marques - sobre os portugueses

Gárgula, Sé Velha, Coimbra
A. H.Oliveira Marques em torno da sua memória. 
O historiador nasceu a 23 de Agosto de 1933 e faleceu a 23 de Janeiro de 2007.

Sobre os portugueses na centúria de quinhentos.

«Os homens são de mediana estatura, mais sobre o pequeno do que sobre o alto, mais sobre o moreno do que sobre o louro, de aspecto triste.» 

 A. H. Oliveira Marques, Portugal Quinhentista, Ensaios. Quetzal Editores, Referências, Lisboa, 1987.

Os portugueses continuam com a sua tristeza, uma caraterística que é imutável.

 

22/01/2013

O frio imponente da Natureza

As árvores nem sempre morrem de pé.
O temporal que assolou o nosso país teve destas coisas: derrubar árvores centenárias que embelezavam os caminhos.
Os dois últimos dias e as duas últimas noites passaram mais lentamente, os candelabros substituíram a luz dando um ambiente diáfano e contrapondo o acelerado tempo dos media. 
Se por um lado houve mais diálogo por outro distanciamo-nos do mundo. A frase de Ovídio: 

"Nada é mais forte que o hábito",

torna-se peremptória.

O cinema tornou-se uma redoma perfeita,  foi a fuga possível da falta de luz.e do frio que só a lareira dirimia.

Les Misérables de Tom Hooper, baseado na obra com o mesmo nome de Victor Hugo, foi o filme que fui ver mas ao fugir do frio encontrei o frio dos miseráveis, a frieza do tempo em que a justiça social era inexistente. Será  que caminharemos para esta frieza?
Compreendo o frio imponente da Natureza, mas não compreendo a frieza humana a que o liberalismo político e económico nos está a enredar.


Emile-Antoine Bayard (1837-1991), Jean Valjean a minha personagem preferida.
Rodin, Monumento ao Victor Hugo, primeiro projeto

Gostei do filme e o facto de ser um musical ameniza o ambiente social.

19/01/2013

Hera diluída na chuva

Hera diluída na chuva


“If there's only one nation in the sky, shouldn't all passports be valid for it?” 
 Yann Martel, Life of Pi 

 Vi a Vida de Pi, um filme de Ang Lee. A beleza das imagens, a força da natureza, o tigre que todos encontramos no caminho são personagens numa história de sobrevivência.
O filme é uma brilhante metáfora da viagem que percorremos, que traçamos, que escolhemos, dos acasos que tocamos, da perseverança que perfilhamos e da razão interiorizada num mundo religioso onde Deus pode ter vários nomes. 
Choveu imenso e à chuva misturou-se o sal e as heras do meu jardim.

16/01/2013

Horas


Livro de Horas

Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

Miguel Torga, O Outro Livro de Job [cortesia do Google]

 

14/01/2013

"les fleurs c'est périssable"

Após a Maria João, do Falcão de Jade, relembrar Brel.

[Se todos os vazios fossem repletos de flores o mundo seria  mais delicado.]


Albrecht Dürer, Aquilegia Vulgaris L.., 1526, daqui




Je vous ai apporté des bonbons

Parce que les fleurs c'est périssable
Puis les bonbons c'est tellement bon
Bien que les fleurs soient plus présentables...

Versos do refrão da música Les Bonbons,
Jacques Brel










La valse à mille temps
 

12/01/2013

Luz

À procura da luz numa noite chuvosa.

Como Diógenes a Alexandre, só pedi à vida que me não tirasse o sol. Tive desejos, mas foi-me negada a razão de tê-los. O que achei mais valeria tê-lo realmente achado. O sonho (...) 
s.d. 

Bernardo Soares, Livro do Desassossego. Lisboa: Ática, 1982. vol- I, p 196.
(Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.)
Em especial para a Sandra do blog Presépio Com Vista para o Canal. :)

George Tooker, Na Casa de Verão, 1958.

Lanterna 1977


Lanternas, 1986

10/01/2013

A liberdade

Jardim Botânico da Universidade de Coimbra

«A liberdade desenvolve-se onde é possível escolher, dia após dia, entre a solidão, a família, o grupo, a associação, a comunidade e a classe.»

António Barreto, "A liberdade é urbana", XXI Ter Opinião 2013. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, pp. 64-69. 

08/01/2013

"não se olha a vida nos olhos". Paradoxo?

Sobre a citação de Zafón: "não se olha a vida nos olhos", o olhar penetrante e indecifrável de Dürer está associado ao  trabalho produzido. Será um paradoxo?

Detalhe, Albrecht Dürer, Auto-retrato, 1498,  daqui
 Museu Nacional do Prado, Madrid 


- Enquanto se trabalha, não se olha a vida nos olhos.

Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento. Lisboa: D Quixote, 2004, p.379.

Do mesmo livro não resisto em colocar outra citação que me encanta:

«...os acasos são as cicatrizes do destino.», p.456.



06/01/2013

"o mar de uma rosa de espuma"

Sabendo o meu gosto oriental a Myra partilhou uma tela sua com colagens que fez quando regressou da viagem à China. Obrigada Myra. :)

Como na China os direitos humanos ainda não são respeitados escolhi a citação de Cesariny:  

«queria de ti um país de bondade e de bruma 
 queria de ti o mar de uma rosa de espuma.» 

 Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, (Antologia Poética)

Myra Landau, Beijing - 北京, Pequim, China


Espero Myra que goste da associação com o texto.

Beijing - 北京, Pequim, China (wikipedia)

Não conheço a música popular chinesa mas gostei deste vídeo com a apresentação de Beijing (Pequim)

03/01/2013

Ruído

Jonathan Wolstenholme, Cross References , 2003

Começa a faina.
Amanhece e o relógio interroga-nos. É uma pena não sermos donos do tempo.
As viagens ficam adiadas. Os livros amontoam-se para serem abertos com mais lentidão. Nas gavetas aglomeram-se pedaços de memórias soltas.
A rotina impõe-se clara e sem tréguas. Somos escravos do tempo e do lugar.
Abro a janela sobre as árvores despidas, o frio entra e bate na cara mas nem ele me tira da letargia em que me encontro.
O manto branco desejado, quiçá o retardador de relógios, não cobre a paisagem. Nem o silêncio harmonioso habita esta casa. Rompe-o o estrepitante ruído da cidade acordada que não se compadece de sonhos.




Dream a Little Dreamer

01/01/2013

O último minuto recordado


A água chia no púcaro que elevo à boca. 

A água chia no púcaro que elevo à boca. 
«É um som fresco» diz-me quem me dá a bebê-la. 
Sorrio. O som é só um som de chiar. 
Bebo a água sem ouvir nada com a minha garganta. 

29-5-1918  in “Poemas Inconjuntos”.

Fernando Pessoa, Poemas Completos de Alberto Caeiro. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994, p. 144.

2013
Ainda tão novo vive de memórias.

Ontem no início do ano ouvi a versão de Bridge Over Troubled Water na voz de  Elvis

Bom ano e que a ponte seja mais forte que aguente as águas turbulentas!:)

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