06/11/2015

A Ponte

Bridge Over Troubled Water


A Ponte

Vidraças que me separam 
Do vento fresco da tarde 
Num casulo de silêncio 
Onde os segredos e o ar 
São as traves duma ponte 
Que não paro de lançar 

Fica-se a ponte no espaço 
À espera de quem lá passe 
Que o motivo de ser ponte 
Se não pára a construção 
Vai muito mais a vontade 
De estarem onde não estão 

Vem a noite e o seu recado 
Sua negra natureza 
talvez a lua não falte 
Ou venha a chuva de estrelas 
Basta que o sono consinta 
A confiança de vê-las 

Amanhã o novo dia 
Se o merecer e me for dado 
Um outro pilar da ponte 
Cravado no fundo do mar 
Torna mais breve a distância 
Do que falta caminhar 

Há sempre um ponto de mira 
O mais comum horizonte 
Nunca as pontes lá chegaram 
Porque acaba o construtor 
Antes que a ponte se entronque 
Onde se acaba o transpor 

Sobre o vazio do mar 
Desfere o traço da ponte 
Vá na frente a construção 
Não perguntem de que serve 
Esta humana teimosia 
Que sobre a ponte se atreve 

Abro as vidraças por fim 
E todo o vento se esquece 
Nenhuma estrela caiu 
Nem a lua me ajudou 
Mas a ruiva madrugada 
Por trás da ponte aparece. 

José Saramago, Provavelmente Alegria. Alfragide: Caminho, 1985, p. 83.


Cada tempo tem a sua interpretação



14 comentários:

  1. Já vi no Flinpo esta mesma ponte reflectida...

    Um beijo.

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    1. João,
      Também vi. Não coloquei uma perspectiva só da ponte por causa disso. Escolhi esta com um homem solitário.
      Tinha outras pontes mas há momentos em que gostamos mais de um conceito do que outro. Provavelmente, as outras seriam mais do agrado da maioria mas sigo a apetência do momento.:))
      Beijinho.

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    2. Fazes bem em assim proceder, Ana !

      Um beijo e good luck.

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  2. ~~~
    ~ Mais do que nunca
    é necessário conceber, criar e construir pontes sólidas...

    ~ Com a excelente criatividade e sentido de oportunidade
    a que nos habituou.

    ~~~ Beijinhos, Ana. ~~~~~~~
    ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

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    1. Obrigada, Majo.
      Inês e Pedro passaram por águas muito turbulentas.
      Beijinhos.:))

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  3. Gosto muito dessa ponte pedonal, ana.
    Beijinhos, bfds

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  4. Achei lindo o poema. Gosto bastante de pontes. Beijinhos! :-)

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  5. Pontes, um conceito indispensável ao homem, em qualquer vertente.
    Post muito bem conseguido, Ana.

    m beijinho :)

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  6. Obrigada, AC.
    Gostei muito deste poema de Saramago.
    Politicamente escreve-se na História de Portugal uma ponte em construção. Será possível a ponte? Será para o povo benéfica? Será o virar da página?
    Será refrescante uma nova gestão?
    As pontes são sempre um foco de esperança.
    Tenhamos esperança.:))
    Um beijinho.:))

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  7. Ai da vida sem pontes

    para que ninguém nos aponte

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Encontrei no meu diário uma nota que adaptei:
    Tinha ido ao blogue (In)Cultura, da Ana, mas não consegui atravessar a ponte. Não por sofrer de vertigens. Alguma coisa se passou e quando cliquei para publicar o comentário pfff… ardeu.
    Ainda não tinha referido quem é a autora. É professora em Coimbra mas sobre isso nada tenho a dizer, até porque já não tenho idade para andar no secundário. A Ana é perita é em criar pontes e em transpô-las... Uma arte de visionários que têm a magia de materializar horizontes... mesmo que longínquos.
    Por exemplo, no trabalho de hoje, A Ponte, no início uma fotografia magnífica, a meio pôs o Saramago (Provavelmente Alegria, editora Caminho, 1985, pag 83) numa insónia vertiginosa e, do outro lado, como prémio, a musiquinha Bridge Over Troubled Water do dueto Simon & Garfunkel que nos tempos gloriosos inícios década 1970 se nos enrolava no gravador de cassetes e derretia a agulha do LP; ou era o vinil que derretia? não interessa. Foi há tanto tempo que não há ponte para se voltar a esse lado.

    Bj

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