Parabéns Myra Landau, João Menéres e Jorge Pinheiro
Desejo que seja um belo acontecimento.
«Quem sabe ver vê para lá do olhar. Olha para além da vista. Quem sabe ver eterniza pessoas. Fixa lugares. Desvenda sentidos. Antes era nada. Agora são cores e formas. Curvas e rectas. Êxtase e esplendor. As imagens podem impressionar. Alegrar. Seduzir. Podem matar e ser mortas. As imagens são tudo o que se quiser. Porque elas não existem. Somos nós que as criamos.»
No início, ao ler as duas primeiras páginas, não estava a gostar da crua verdade da vida, aceitar a ordem natural das coisas: nascer, crescer, envelhecer. Parecia-me que o livro era amargurado. Depois ao passar dois dias do início do Diário, apaziguei-me com a leitura. Talvez porque a vida acaba sempre por gritar.
«Estoril, terça-feira, 26 de Novembro de 2013
Um salto ao Príncipe Real para a vernissage do Carlos Pedro Barahona Possollo (...) As exposições são sempre emocionantes, com as telas muito grandes, de um realismo quase fotográfico, e as figuras, mormente inspiradas na mitologia grega ou romana, nos pecados capitais ou na herança egípcia, projectam-se em toda a sua nudez. Nem todos têm estômago para aquilo. [É verdade, algumas telas são difíceis, vi esta exposição]. Os genitais são portanto escalados a proporções ciclópicas, enquanto os rostos são perversamente comuns, como os das pessoas com quem nos cruzamos diariamente, o carteiro, a cabeleireira, o gerente da conta.
As telas são indecorosas, ofensivas para muitos, mas o talento é tamanho que amortece o escândalo. Para mim o que espanta é o contraste dos seus nus com a expressão angélica que Deus lhe deu. (...)
Ana Maria Caetano, filha do Professor Marcello Caetano, mulher culta e livre, tem um trabalho dele a toda a largura da sua sala de Belas, representando a arquetípica Inês, que provoca chiliques às visitas. Embora trajada com vestes de rainha, está nua da cintura para baixo, sentada, as pernas abertas, as mãos pousadas nos joelhos afastados, como se preparasse para introduzir um tampão.
É risonho e doce [(Kapê) Carlos Pedro Possollo], fala muitos decibéis abaixo da maioria das pessoas, e é daquela delicadeza sincera e humilde própria dos muito inteligentes, ou daqueles que já foram e voltaram em termos de Conhecimento e, no caminho, se aperceberam do que realmente conta num ser humano. Lembro o que alguém (1) escreveu e lhe assenta como uma luva:
Carácter é o modo como tratas as pessoas
que nada têm para te oferecer»
Rita Ferro, Só se Morre uma Vez, Diário 2. Lisboa: D. Quixote, 2015, pp. 17-18.
(1) Abigail von Buren [americana Pauline Phillips...]; sublinhado meu, pois gostei sobremaneira da citação.
Rita Ferro não se refere a esta Inês aqui apresentada. Contudo, resolvi colocá-la porque não encontro a que o trecho descreve. Para mim a nudez inteira não me choca. Se calhar a tela da colecção particular é mais impressionante. Tentei encontrá-la mas a minha procura foi infrutífera.
D. Quixote e Sancho Pança, Centro de Interpretação de Cervantes, Alcalá de Henares
Gatos na KattenKabinet -espólio/colecção de Bob Meijer e do gato John Pierpont Morgan, Amesterdão, um museu que adorei, LINK. Voltarei a falar nele um dia destes.
Havia um menino Havia um menino que tinha um chapéu
para pôr na cabeça por causa do sol.
Em vez de um gatinho
tinha um caracol.
Tinha o caracol
dentro de um chapéu;
fazia-lhe cócegas
no alto da cabeça.
Por isso ele andava
depressa, depressa
pra ver se chegava
a casa e tirava
o tal caracol
do chapéu, saindo
de lá e caindo
o tal caracol.
Mas era, afinal,
impossível tal,
nem fazia mal
nem vê-lo, nem tê-lo:
porque o caracol
era do cabelo.
*Dedicado ao sobrinho Luís Miguel - o Bébé - que não queria pôr o chapéu " por causa do sol".
Manuela Nogueira, O Meu Tio Fernando Pessoa, V. N. Famalicão: Editora Centro Atlântico, 2015, p. 70 e (**) p. 81.
O Meu Tio Fernando é uma reedição, renovada e acrescentada, de um livro que não comprei: O Melhor Mundo São as Crianças, da mesma autora editado pela Assírio e Alvim. Gostei do formato do livro, gostei da capa, julgo que é uma fotografia de Fernando Pessoa muito trabalhada, dado que o menino aparece a preto e branco na contracapa, mostrando apenas meio corpo.
É lamentável a falta de informação sobre a imagem apenas refere que o design da capa é de António J. Pedro.
Em especial para a Sandra . :)) Cortesia do Youtube
Os livros são uma viagem no tempo e no espaço. Na feira do livro comprei este título:
A Infanta e o Pintor, A relação entre a infanta Isabel de Portugal e o pintor Van Eyck. Editado pela Quetzal em 2005.
Imagem retirada da net
- Que olhais?
- A luz.
Makhiel olhou por sua vez. Perguntou ainda:
- Como é que se pode olhar a luz? Só vejo coisas.
- Olha entre as coisas. Depois a matéria das coisas. Aí encontrarás a luz.
Calam-se a noite chega.
Chega em força, de todo o lado do horizonte, lançada desde o fundo do mundo sem que nada lhe possa resistir. Sobe do chão, ergue-se hirta diante deles. Forma uma massa bem precisa mas de uma dimensão tão fantástica que ninguém poderá nunca medi-la. Magnetiza a luz,
toda a luz na sua opacidade.
Jean Daniel Baltassat, A Infanta e o Pintor, A relação entre a infanta Isabel de Portugal e o pintor Van Eyck. (Tradução de Inês de Castro). Lisboa: Quetzal, 2005, p. 99.
Daqui foi fácil chegar ao retrato da infanta D. Isabel, filha de D. João I.
Reprodução aguarelada do retrato da infanta D. Isabel, filha de D. João I, pintado em Avis, em Janeiro de 1429, por Jean van Eyck, moço de câmara de Filipe o Bom, duque de Borgonha e de Brabante, conde da Flandres. Torre do Tombo
Inclui a reprodução dos emolduramentos que acompanharam o quadro, com legenda, fusis e pedoneiras da Ordem do Tosão de Ouro e o monograma de Filipe e Isabel.
Legenda: "C'est la pourtraiture qui fu envoiée a Philippe duc de Bourgogne et de Brabant, de Dame Isabel, fille de roi Jean de Portugal et d'Algarbe, seigneur de Septe par lui conquise, qui fu depuis femme et épouse de dessus dit duc Philippe."
E ainda a questão da luz:
viagem até ao Museu Nacional de Machado de Castro
Sob Outra Luz: ver para além do olhar, explicação da Dra, Virgínia Gomes
«O diagnóstico de UV na análise de
pinturas baseia-se no facto de haver materiais que fluorescem (emitem radiação
no domínio do visível sob o efeito da radiação UV) e outras substâncias em que
isso não se verifica. Nas pinturas verificou-se que os vernizes antigos
fluorescem, enquanto que isso não acontece com os modernos. Para além disso, o
que acontece é que os repintes são feitos sobre a pintura antiga e os materiais
modernos têm um comportamento completamente diferente. Assim, é muito fácil ver
os repintes, que aparecem pretos na imagem fotográfica enquanto que o resto da
pintura aparece brilhante com um tom ligeiramente esverdeado. O método
tradicional consiste na iluminação da obra com uma lâmpada de radiação UV e
fazer um registo fotográfico da pintura com um filme especial sensível à
radiação UV emitida pelos materiais da superfície da obra.»
Em suma há acasos felizes, a compra do livro, a altura em que o comecei a ler, o gosto pela pintura e o museu que interage com o público levando-o a verdadeiras viagens pela arte.
Homo fugit velut umbra = O homem foge como uma sombra
Deus queira que sim...
A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome da vida, não me deixa morrer às primeiras: obriga-me a pensar nas pessoas, nos animais e nas plantas de quem gosto e que vou abandonar. Quando a vida manda mais em mim do que a morte, amo os que me amam, e cresce de repente no meu coração a maré da vida.
[Conheci-o em Goa, na Fundação Oriente, por timidez minha pouco convivi com esta pessoa com um P grande.]
No bisogna morire
Passacaglia della vita
O come t'inganni se pensi che gl'anni non hann'da finire bisogna morire
E' un sogno la vita che par si gradita e breve il gioire bisogna morire Non val medicina non giova la China non si puo guarire bisogna morire
Non vaglion sberate minacie, bravate che caglia l'ardire bisogna morire Dottrina che giova parola non trova che plachi l'ardire bisogna morire
Non si trova modo di scoglier'sto nodo non val il fuggire bisogna morire Commun'e il statuto non vale l'astuto 'sto colpo schermire bisogna morire
La Morte crudele a tutti e infedele ogn'uno svergogna morire bisogna E pur o pazzia o gran frenesia par dirsi menzogna morire bisogna
Si more cantando si more sonando la Cetra o Sampogna morire bisogna Si more danzando bevendo mangiando con quella carogna morire bisogna
I Giovani i Putti e gl'Huomini tutti s'hann'a incenerire bisogna morire I sani gl'infermi i bravi gl'inermi tutt'hann'a finire bisogna morire E quando che meno ti pensi nel seno ti vien a finire bisogna morire Se tu non vi pensi hai persi li sensi sei morto e puoi dire bisogna morire
Os céus de Alcalá convidavam-nos a observá-los e a perder o chão. A atmosfera medieval da cidade universitária, o romper do renascimento marcados pelos campanários, pelas letras e pela presença constante de Cervantes encantam o espectador.
A 29 de setembro de 1547 nasceu Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616) na casa número 2 de la calle de la Imagen, foi o segundo filho de Rodrigo de Cervantes e de Leonor de Cortinas.
“En domingo, nueve días del mes de octubre de mil e quinientos e cuarenta e siete años, fue bautizado Miguel, hijo de Rodrigo de Cervantes e su mujer doña Leonor; fueron sus compadres Juan Pardo; baptizole el Reverendo Señor Bachiller Serrano Cura de nuestra Señora, testigos Baltasar Vázquez, Sacristán e yo que lo bapticé y firmé de mi nombre. Bachiller Serrano”.
Os céus de Cervantes, Alcalá de Henares
Edição pirata, uma publicação portuguesa de D. Quixote de La Mancha, século XVII (1605)
El Ingenioso Hidalgo Don Qvixote de la Mancha
Lisboa, 1605
Segunda edición en castellano de esta obra cervantina, uno de los escasos ejemplares de esta edición pirata de Jorge Rodríguez. Con encuadernación de Brugalla (1975), su portada incluye un grabado con iconografía parecida a la usada en los libros de caballerías castellanos publicados en el siglo XVI, un caballero jinete al que acompaña su escudero.
Los diez picassos que integran la exposición son sin duda las obras más destacadas del artista en las colecciones del Kunstmuseum y constituyen diez ejemplos excepcionales de la evolución de su producción, desde el verano de 1906 –su período “ibérico”, previo a las investigaciones que derivarían en el cubismo– hasta las obras libérrimas y un tanto melancólicas del Picasso final, de 1967, conformando así una suerte de pequeña exposición retrospectiva.
[Site do museu]
A obra do Picasso que me encantou e a qual elegi para primeira, entre as 10 telas apresentadas.
Arlequin sentado, Pablo Picasso,
Oil on canvas, 130.2 x 97.1 cm, 1923, Kunstmuseum Basel, 1923
O arlequim sentado representa um amigo do pintor Jacinto Salvado vestido de arlequim com um traje que deliciou Jean Cocteau que com ele criou a Ballet Parade De 1901 a 1927 Picasso produziu mais de 50 pinturas com este tema da Comedia della'arte italiana.
Es una obra del periodo neoclásico de Picasso (1917-1924), en el que vuelve a la representación figurativa tradicional.
... E ainda outras 4 telas que escolhi por mais me agradarem, entre as dez, do Kunstmuseum de Basel.
1 - os dos hermanos, Pablo Picasso, 1906, Kunstmuseum, Basel, d, 1967, 2- Hombre, mujer y niño (Homme, femme et enfant), Pablo Picasso, 1906, 3 - Mujer con sombrero sentada en un sillón, 1941-1942. 4 . La pareja (Le couple), Pablo Picasso, 1967.
Bailado com música de Satie e coreografia de Jean Cocteau
Costume design by Pablo Picasso for Serge Diaghilev's Ballets Russes performance of Parade at Théâtre du Châtelet in Paris 18 May, 1917
Youtube: Diaghilev's "Ballets Russes" Ballet "Parade" - 1917, Sets and costumes - Pablo Picasso; Music - Erik Satie; Scenario - Jean Cocteau; Choreography - Leonide Massine
BOM FERIADO! Não tenho feriado, estou a trabalhar e por aqui não é Dia de Portugal. Por isso gozem por mim.:))
XIII Num jardim adornado de verdura, Que esmaltavam por cima várias flores, Entrou um dia a deusa dos amores, Com a deusa da caça e da espessura. Diana tomou logo ũa rosa pura, Vénus um roxo lírio, dos melhores; Mas excediam muito às outras flores As violas na graça e formosura.
Perguntam a Cupido, que ali estava, Qual de aquelas três flores tomaria Por mais suave e pura, e mais formosa.
Sorrindo-se o menino lhes tornava: Todas formosas são; mas eu queria
Viola antes que lírio, nem que rosa.
Luís Vaz de Camões, cortesia do Google, [Camões lírico]
e outra para quem fala de flores
Detalhe da Primavera de Botticelli, Galeria Uffizi, Florença
«O que é que faz das plantas um ritual for all seasons? O que é que as torna tão presentes, e, por isso mesmo, tão indiferentemente transparentes às circunstâncias da vida humana? Porque é que às plantas emprestamos as qualidades da urbanidade, da serenidade e do conforto? É porque são silenciosas, pura e simplesmente mudas e inócuas? Ou porque, precisamente pelo seu silêncio, nos murmuram constantemente as letras do seu segredo, essa sua intransponível proximidade com o animal, sedutora distância que alimenta as nossas fantasias? O que me interessa nas plantas não é a sua vida, mas a sua imagem no coração dos homens e as razões por que as tornámos comparsas privilegiados do nosso destino.»
António Mega Ferreira, Hotel Locarno. Lisboa: Sextante, 2015, pp. 122-123.
Fotografia tirada a uma reprodução (anos 90) dos “Cerceaux” disc - Rotoreliefs" de Marcel Duchamp (1935) da Fundação Eugénio Granell, Centro Galego de Arte Contemporânea de Santiago de Compostela.
Com alívio, abordou o último tópico da conferência: o que restava hoje da poesia e do jornalismo. como instituições fundadoras da inteligência estética e da consciência cívica do homem ocidental? A primeira exilara-se do sentimento, o segundo abdicara da objetividade. Reparem, disse, e sentiu que, pela primeira vez, se dirigira à assistência, reparem como a poesia contemporânea, poesia das coisas e dos atos humanos, pouco a pouco se foi perdendo da tradicional declinação dos sentimentos, o amor, a paixão, o ciúme, a inveja, a vaidade; e como, quase insensivelmente, continuando a invocar os estados de espírito ou comoções humanas, o seu olhar se virou para o exterior, como se o pensamento e as emoções fossem cada vez mais dependentes de um mundo que se tornou demasiado ocupado pelas coisas concretas, materiais e sensíveis. Ninguém, estava certo, tinha até então reparado nisso, e, parecia-lhe, nem um só dos assistentes estava disposto a começar a concentrar-se nessa sugerida rotação do eixo de trabalho poético na tradição ocidental. Ora, o jornalismo, continuou, seguiu um percurso inverso. O seu tradicional compromisso com a verdade implicava uma espécie de religião dos factos, cujo relato, em nada, ou muito pouco, dependia da especulação sobre os sentimentos humanos. Um crime passional interessava ao jornalismo pelas circunstâncias, procedimentos e averiguações que desencadeava, não pela intensidade, modulações e emoções que o motivara.
António Mega Ferreira, Hotel Locarno. Lisboa: Sextante, 2015, p. 38