Mais um livro natalício que me deleitou a alma: Júlio - Saúl Dias o universo da invenção.
Júlio Maria Reis Pereira, na pintura, Júlio, na poesia Saúl Dias, transpôs para a escrita e a pintura o seu gosto pela beleza do amor e pela harmonia da música. Assim o afirmou, o seu irmão, José Régio: "os trabalhos de Júlio aproximam-se da poesia e da música (...) por aquilo em que poesia e música são Arte e são das mais puras realizações da Arte". (p.13*.)
Júlio, Velho Poeta Pintor, 1977 - Aguarela
Colecção de Humberto de Castro, Lisboa (fotografada a partir do livro)
As tardes inventei-as.
Fulgurantes umas,
sonolentas outras,
quentes ou arrepiantes
e todas
geradoras de instantes
impossíveis...
Atiro o braço ao ar
e quero que ele prenda
uma estrela, um cometa,
o floco da renda
de mil Cassiopeias...
É dia e há luar...
As tardes inventei-as.
Saúl Dias, «Tardes Inventadas», in Obra poética, p. 243*.
(*Retirado do livro de Maria João Fernandes, Júlio - Saúl Dias o universo da invenção. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1984, p. 58)
Para explicar as diferentes vertentes da sua arte Júlio usou uma expressão de Nietzsche:
"Quando se ama o abismo é preciso ter asas". Tal afirmação levou-me a procurar a poesia do filósofo. Escolhi um poema que sem dúvida está ligado a Júlio e que eu vejo nas suas aguarelas e desenhos.
Declaração de Amor
(e o poeta cai na armadilha)
Ó maravilha! Voará ainda?
Sobe e as suas asas não se mexem?
Quem é então que o leva e faz subir?
Que fim tem ele, caminho ou rédea, agora?
Como a estrela e a eternidade
Vive nas alturas de que se afasta a vida,
Compassivo, mesmo para com a inveja...
E quem o vê subir sobe também alto.
Ó albatroz! Ó minha ave!
Um desejo eterno me empurra para os cimos
Pensei em ti e chorei.
Chorei mais e mais... Sim, eu amo-te!
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência" (citador)
Também não foi por acaso que escolhi a aguarela apresentada. Nela vejo o pintor, que carrega às costas um violino, a música, e a paixão com que pinta, e, embora não se veja na tela, o que vai resultar dessa pintura é o amor entre dois jovens, possivelmente, o amor que motivou toda a sua vida de artista e escritor.
Uma curta metragem de Manoel de Oliveira