30/05/2013

O espectro da fome

A tela: Os Comedores de Batatas de Van Gogh é impressionante pelo simbolismo que contém. 
Não obedece aos meus padrões de beleza. Contudo, tem algo de belo como a luz que o autor conseguiu captar.
As últimas notícias sobre o número de famílias que passam fome, não comendo nada pelo menos uma vez por semana, chocou-me.

O sol não nasce para todos,
e quando nasce morre quase de imediato.

Vincent Van Gogh, os Comedores de Batatas, 1885, Museu Van Gogh, Amesterdão 
[Wikipedia]
File:Comedores de batatas, van gogh.jpg


28/05/2013

Les fenêtres

Parce que j' aime les fenêtres
William Coldstream, Window in Hampstead 1981
Les fenêtres
Celui qui regarde du dehors à travers une fenêtre ouverte, ne voit jamais autant de choses que celui qui regarde une fenêtre fermée. Il n’est pas d’objet plus profond, plus mystérieux, plus fécond, plus ténébreux, plus éblouissant qu’une fenêtre éclairée d’une chandelle. Ce qu’on peut voir au soleil est toujours moins intéressant que ce qui se passe derrière une vitre. Dans ce trou noir ou lumineux vit la vie, rêve la vie, souffre la vie. Par-delà des vagues de toits, j’aperçois une femme mûre, ridée déjà, pauvre, toujours penchée sur quelque chose, et qui ne sort jamais. Avec son visage, avec son vêtement, avec son geste, avec presque rien, j’ai refait l’histoire de cette femme, ou plutôt sa légende, et quelquefois je me la raconte à moi-même en pleurant. Si c’eût été un pauvre vieux homme, j’aurais refait la sienne tout aussi aisément. Et je me couche, fier d’avoir vécu et souffert dans d’autres que moi-même. Peut-être me direz-vous : «Es-tu sûr que cette légende soit la vraie?» ce que peut être la réalité placée hors de moi, si elle m’a aidé à vivre, à sentir que je suis et ce que je suis?

Charles Baudelaire - Le Spleen de Paris, Petits Poèmes en prose, édition posthume 1869.

Klaus Nomi

26/05/2013

Poesia, livros e pequenos nadas...

43

Quando livros já não tiver
lerei as estrelas - 
quando elas se cansarem
da minha solidão
lerei a palma 
da mão.

 Casimiro de Brito, Arte Pobre. Leiria: Editorial Diferença, s.d., p. 55.

As Aventuras do Pinóquio chegou por mão amiga no dia em que inaugurou a feira do Livro. Obrigada. :) 


O livrinho mede 6,5 x 4,5 cm

Da Feira do Livro, de Coimbra, trouxe dois livros de poesia, um de Casimiro de Brito: Arte Pobre  e outro de Sousa Dias, e Ítaca eras tu, porque ela faz-nos sorrir e, em parte, esquecer o desvario governativo. 
Arranjei um livro de histórias para crianças de Manuel António Pina: O País das Pessoas Viradas de Pernas Para o Ar e um livro de Marguerite Yourcenar que desconhecia: Testemunha do Sonho


Na Feira do Livro pude ouvir o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra,
Parque da Cidade, Coimbra

Da Livraria Lumière chegaram estes livros há muito desejados.


 Do primeiro livro cuja autora é Odette de Saint-Maurice, um livro da biblioteca dos rapazes que me causou curiosidade, Amigos, uma viagem às memórias de infância/adolescência.

Do livro do meio de Rómulo de Carvalho, As Origens de Portugal História contada  a uma criança [Facsimile], Fundação Calouste Gulbenkian, 1998.

Um livro dedicado pelo professor e poeta ao filho quando este fez sete anos e entrou para a escola.



De um livro muito especial de Freitas de Lima, Porto do Graal , A riqueza ocultada da tradição mítico-espiritual portuguesa, retirei:
A figura 11 - Lisboa imaginada de Francisco de Holanda, azulejo da Estação de Caminhos de Ferro do Rossio, 1996.

Um livro para ler com tempo. Vou reservar para tempos menos trabalhosos.

 

25/05/2013

Mon enfance est si loin

Uma pequena cadeira
para brincar às casinhas
Il est trop tard

Pendant que je dormais, pendant que je rêvais
Les aiguilles ont tourné, il est trop tard
Mon enfance est si loin, il est déjà demain
Passe passe le temps, il n'y en a plus pour très longtemps

Pendant que je t'aimais, pendant que je t'avais
L'amour s'en est allé, il est trop tard
Tu étais si jolie, je suis seul dans mon lit
Passe passe le temps, il n'y en a plus pour très longtemps

Pendant que je chantais ma chère liberté
D'autres l'ont enchaînée, il est trop tard
Certains se sont battus, moi je n'ai jamais su
Passe passe le temps, il n'y en a plus pour très longtemps

Pourtant je vis toujours, pourtant je fais l'amour
M'arrive même de chanter sur ma guitare
Pour l'enfant que j'étais, pour l'enfant que j'ai fait
Passe passe le temps, il n'y en a plus pour très longtemps

Pendant que je chantais, pendais que je t'aimais
Pendant que je rêvais il était encore temps

In Memoriam 


23/05/2013

O vazio

A rosa brava desfocada exemplifica a sensação que restou após  ver o filme:
O substituto. Um filme horrível e não é por ser mau... muito pelo contrário. 
Numa palavra um filme sobre o vazio.


  De Tony Kaye com Adrian Brody.

uma fotografia de uma aluna oferecida ao professor [cortesia do Google]

Cortesia do Google


Um quadro sem título de uma pintora que conheci através do blogue Sobre o Risco e que liga bem com o filme: no sentido em que estende os braços à espera de melhores dias...
Bertina Lopes, 1974
Bertina Lopes -  Senza Titolo

21/05/2013

Arte é liberdade


Desenho de Álvaro Cunhal

Um homem que admiro desde a minha adolescência apesar de não perfilhar a sua visão política.

Atraiu-me a sua coerência, a sua luta, o sofrimento, a lucidez, o "sacerdócio" e a sua arte.
Não tenho o seu ensaio sobre arte:  A Arte, o Artista e a Sociedade, mas num caderninho apontei o seguinte trecho:

"Arte é liberdade. É imaginação, é fantasia, é descoberta e é sonho. É criação e recriação da beleza pelo ser humano e não apenas imitação da beleza que o ser humano considera descobrir na realidade que o cerca.". p. 201.*

Cortesia do Google:
"Beleza é um critério e um juízo humano. Desaparecido o sujeito que tem tal critério ou formula tal juízo, o mundo poderia ficar tal qual é, mas como afirmar que, sem o homem, continuaria a ser belo? Belo para quem?" 

 "o que é o Belo afinal? Porquê o ser humano considera umas coisas belas e outras não? Será o Belo uma qualidade intrínseca das coisas? Ou será o ser humano atribui às coisas essa qualidade?" 

* Álvaro Cunhal,A Arte, o Artista e a Sociedade.Lisboa: Editorial Caminho, 1997,

Rei Lear (de Shakespeare) numa peça musical de Berlioz em homenagem a Álvaro Cunhal que traduziu esta obra para português quando esteve preso.
 

19/05/2013

"A Gaveta de Baixo"

Pela primeira vez o meu cacto teve flores, rosas de cacto, como lhe chamo.


Encontrei o livro de Rosa Lobato de Faria, A Noite Inteira Já Não Chega, no blogue
  Palavras Daqui e Dali . Uma amiga emprestou-mo.


Rosa Lobato de Faria,  in "A Gaveta de Baixo /1"A Noite Inteira Já Não Chega Poesia (1983-2010), Guimarães (Babel), p. 183.

Gostei do título do livro em que este poema está guardado - Gaveta de Baixo. À mente vieram todos os contadores, peça de mobiliário extraordinária e bela que faz parte de tesouros de muitos museus. Não tenho um contador senão imaginário e também no meu a gaveta de baixo permanece vazia.

Contador 1651-1700, Museu-Casa Dr. Anastácio Gonçalves, Matriz Net
No Dia Internacional dos Museus [18 de Maio], uma homenagem a esta Casa-Museu situada em Lisboa.




17/05/2013

"A vida, afinal, talvez seja uma encenação do desespero"

Ao passar os olhos pelos media encontrei uma notícia que me pesou no coração e abriu uma ferida na mente: 
- Uma mãe chorou que o filho trouxera da escola comida para uma casa vazia. São estes os dias de Portugal.



A vida, afinal, talvez seja uma encenação do desespero.

Al Berto, O Anjo Mudo. Lisboa. Assírio e Alvim. 2001, p. 108.

[Sem tecto mas junto ao teatro S. Carlos, Lisboa, porque:]
Quero morrer
com uma overdose de beleza.

Al Berto, "Vigílias" in O Medo. Lisboa: Assírio e Alvim, 2000, p. 259. 

16/05/2013

"César deve morrer"

«Arte é a Melhor Expressão da Liberdade»

Desde que conheci a arte a cela tornou-se uma prisão.
Expressão utilizada por Cosimo Rega  (Cassio) um condenado a prisão perpétua.

"César deve morrer" foi o grande vencedor do festival de Berlim no ano de 2012 . É um filme  dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani. Recebeu o Urso de Ouro e trata-se de uma adaptação da obra "Júlio César", de Shakespeare. A interpretação foi levada a cabo por prisioneiros e os cenários passam-se   na prisão de Rebibbia, uma prisão de alta segurança.
Um filme que me deixou em silêncio. Prémios.

Associei a morte peremptória de César à pintura de Arnold Böcklin, Medusa, (c. 1878)  por causa da intriga,

File:Medusa.jpg
Acerca do filme os irmãos Taviani disseram que era:
"o relato da descoberta do poder da arte por homens que vivem uma tragédia, não apenas pelos delitos que cometeram, como pela vida dura na prisão".

Fotografias cortesia do Google
Cesare deve morire (Foto: Divulgação)




14/05/2013

Serenidade

A serenidade é um estádio difícil de alcançar. 

Piero di Cosimo, Maria Maddalena,Galleria Nazionale d'Arte Antica

cosimo maria detail



12/05/2013

Carta

(Pierpont Morgan Library, New York(Museum of Fine Arts, Boston)



Carta a Deus 

Deus, Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. 
Também sei que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz.  Nem eu nem a Maria João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos menos. Mas foi de mais. 
De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. 
Quando inventaste o amor, esqueceste-te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de feitio. 
Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário. 
Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a inteligência necessária. Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara, que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo. 
Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar. Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão grande. 

Miguel Esteves Cardoso, in jornal "Público" de 3 de Maio de 2012.

Miguel Esteves Cardoso, Como é Linda a Puta da Vida.  Porto Editora, 2013, p. 13.

10/05/2013

Jardim

No meu jardim ainda não há hortênsias.

Pieter Brueghel the Younger, Preparação dos canteiros,1617(?), Museu de Arte Nacional, Bucareste, Roménia

Preparation of the Flower Beds by Pieter Brueghel the Younger


Jardim

É a hora das rosas e hortênsias
alguém anda a colhê-las para mim.

Na minha casa em Águeda as ausências
passeiam ao fim da tarde no jardim.

20-3-2006

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa: D. Quixote, 2007, p. 41.


07/05/2013

Desassossego

Vivemos apenas do sonho que é a ilusão 
de quem não pode ter ilusões.

Bernardo Soares, no filme de João Botelho: O filme do Desassossego.

Andrew Wyeth (1917-2009),Wind from the sea, 1947



O filme,  como o vento, esvazia-nos de tanta beleza.

«A minha pátria é a língua portuguesa.», 
citação redutora de todo o monólogo de Bernardo Soares.

[Um filme bem urdido e notavelmente transposto para o século em que vivemos. 
Não é fácil.]



Uma música que associo a este filme por causa do sonho e da ilusão.

05/05/2013

Mãe

Mãe - nos dia de hoje com toda a tristeza que possamos ter - representada 
por Rogier van der Weyden, no século XIV:

Rogier Van Der Weyden, Detalhe de Maria, mulher de Cléofas, uma das mulheres que se supõe ter presenciado a crucificação de Jesus, A Descida da Cruz, (1435-1438Museu do Prado, Madrid


Roger Van der Weyden, Madonna e Filho (wkipainting)

Madonna and Child - Rogier van der Weyden

Leonardo da Vinci, Os Apontamentos de Leonardo, Nova Iorque: Parragon Books Ltd, 2007, p.149 (trad. Manuel Cordeiro; org. por H. Anna Sue)


No nosso país nos anos 40, fotografia retirada da revista Sábado (nº especial de aniversário)

No século XXI, em Portugal, cerca de 1/3 das crianças passa fome e é só graças à boa vontade de alguns que têm refeições nas escolas.

Fotografia de Alfred Eisenstaedt, Children at Puppet Theater, Paris, 1963, retirado da artenet.com.

Alfred Eisenstaedt, Children at Puppet Theater

É Noite, Mãe 

As folhas já começam a cobrir o bosque, 
mãe, do teu outono puro... 
São tantas as palavras deste amor 
que presas os meus lábios retiveram 
pra colocar na tua face, mãe!... 

Continuamente o bosque se define 
em lividez de pântanos agora, 
e aviva sempre mais as desprendidas 
folhas que tornam minha dor maior. 
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo 
terei sido cruel: a minha boca, 
em cada latejar do vento pelos ramos, 
procura, seca, o teu perdão imenso... 

É noite, mãe: aguardo, olhos fechados, 
que uma qualquer manhã me ressuscite!... 

António Salvado, in "Difícil Passagem" (retirado do Citador)

04/05/2013

Lírio


A Rosa e Lírio 

A rosa
É formosa
Bem sei.
Porque lhe chamam – flor D'amor,
Não sei.
A flor, Bem de amor
É o lírio;
Tem mel no aroma, – dor
Na cor
O lírio.

Se o cheiro
É fagueiro
Na rosa;
Se é de beleza – mor
Primor
A rosa:

No lírio
O martírio
Que é meu
Pintado vejo: – cor
E ardor
É o meu.

A rosa
É formosa,
Bem sei...
E será de outros flor
D'amor...
Não sei.

Almeida Garret,  Folhas Caídas - Livro primeiro, capítulo XVII. Porto: Porto Editora, 2003


The Tiger Lillies, trio formado em 1989 pelo cantor Martyn Jacques. 

01/05/2013

Bailado

Com o meu agradecimento a Myra (Parole)e a MR  (Prosimetron).

No passado dia 29 de Abril festejou-se o Dia Mundial da Dança. 
Festejo-o hoje juntamente com o 1º de Maio, Dia do Trabalhador, em memória dos que lutaram e lutam pelos seus direitos presentemente tão esquecidos pelos governantes.

A vida é um bailado...

Myra Landau, Bailado [título meu]


Myra Landau, "Rodado"

Tamara Rojo  nasceu em Montreal, em 1974,  e é a  atual diretora 
artística do English National Ballet em Londres.
" O BAILADO DAS FOLHAS "

Foi numa pálida manhã de Outono
Soturna como a cela dum convento
Que num vetusto parque ao abandono
Dei largas ao meu louco pensamento

Cortava o espaço a lamina de frio
Que impunemente as nossas carnes corta
E o vento num constante desvario
Despia as árvores da folhagem morta

Folhas mirradas como pergaminhos
Soltas ao vento como os versos meus
Bailavam loucamente p´los caminhos
Como farrapos a dizer adeus

Das débeis folhas lamentei a sorte
Mas reflecti depois de estar sereno
Que bailar á mercê de quem é forte
É sempre a sina de quem é pequeno

Desde então, o meu pobre pensamento
Fugiu para não bailar ao abandono
Como a folhagem que bailava ao vento
Naquela pálida manhã de Outono                       [Leia-se o outono da nossa política]

Letra de: Henrique Rêgo Música de: Alfredo Marceneiro (Daqui)

Poema dito por Alfredo Marceneiro


O Lago dos Cisnes

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