30/06/2011

Viagem à Índia - Gonçalo M. Tavares

Estive a folhear e a ler o livro: Viagem à Índia de Gonlçalo M. Tavares. Todas as críticas são positivas e todas referenciam uma analogia com os Lusíadas por causa da estrutura da obra. Com este título, Gonçalo Tavares, recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, em conjunto com o Ministério da Cultura.
... Mais um livro para a pilha de leituras.



A caminho da Colva, Goa, Índia



66



O certo é que de entre os diversos materiais do mundo,
a alma é de longe um dos mais antigos,
porém se o cérebro que inventa e escreve versos
é apenas uma víscera de boas proporções,
eis que desde já Bloom desiste de olhar para o céu
à espera de acontecimentos humanos ou divinos.
Do céu nada virá que não seja natural e dispensável.



Praia da Colva, Goa, Índia



67



Diga-se que pensar não é assim tão fácil.
Certos homens, estando sentados,
esforçam-se tanto por esboçar uma ideia
que acabam banhados em suor.
E entretanto cá fora: nada,
nem a carcaça do mais efémero indício
de inteligência. Cada ideia parece estar nesses cérebros
como um labirinto de que só raramente
consegue sair. Bloom pensa naquele pai e nos três filhos.
Que família coerente, murmura.

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à India, Alfragide: Caminho, 2010, Canto I , p. 52-53.

29/06/2011

O Principezinho e o azul

Ultimamente o azul é a única cor que me descansa. Saint-Exupéry nasceu a 29 de Junho de 1900 e quem me fez lembrar a efeméride foi JMS no Prosimetron. Grata.

A Asa lançou o Principezinho em Mirandês







Uma história intemporal. Uma história onde a palavra cativar ensina o que é o amor:


O Principezinho de Antoine Saint- Exupéry



Tenho a última edição de O Principezinho num livro em que a ilustração joga connosco. É uma bela edição, infelizmente, a minha não é a primeira.

28/06/2011

Adão e Eva, de Almada Negreiros a Botticelli?

Almada Negreiros, Adão e Eva, 1936

Museu Abade de Baçal

Adão e Eva, duas personagens que me encantam pela carga simbólica que encerram.

Almada terá bebido a sua inspiração na Vénus de Botticelli?









Sandro Botticelli, detalhe do Nascimento da Vénus, 1482


Galleria degli Uffizi, Florença



«E assim foi que Deus fez o homem e a mulher semelhantes um ao outro, mas de caracteres opostos, antagónicos; de naturezas independentíssimas cada um deles, acérrimos disputadores da igualdade no par, inimigos do sexo alheio mas irresistivelmente atraídos um pelo outro, inseparáveis de verdade, e condenados para sempre à fatalidade da sua única unidade comum.
Por outras palavras, fez Deus do homem e da mulher dois animais selvagens que não podem ser domados isoladamente. Fez o isolamento ainda pior -do que era, tornou a solidão ainda mais amarga do que devia ser e indicou a direcção única da colaboração entre ambos: 1+1=1.
Mas por causa das dúvidas, e não estando completamente seguro dos resultados por causa deles, não fossem eles estragar-lhe a sua obra, (Deus sabe muito bem e que faz), arranjou as coisas de tal maneira que a Humanidade se multiplicasse e continuasse pelos séculos ainda mesmo naqueles casos em que não fosse possível o entendimento entre a mulher e o homem.
Isto é, a direcção única haveria de ser eternamente a mesma, ainda que em toda a História da Humanidade não se fizessem senão disparates.
Tudo o que se está contando passou-se nos primeiros dias do mundo à sombra de uma árvore. E daqui vem porem agora todas as culpas à árvore. Chamam-lhe a árvore do bem e do mal. Pois sim, agora chamem-lhe nomes! É desta maldita mania que temos de pôr sempre a culpa aos outros. E quando, como nesse dia não há mais ninguém a quem se possa pôr as culpas, pomo-Ias ao que está mais à mão, – à árvore!

Mas a verdade do que se passou é a seguinte:

O par... Ah! agora me lembro de como se chamavam os dois: Adão e Eva!»

José de Almada Negreiros, Direcção Única, Lisboa, UP, 1932.
Ler o texto na íntegra.

*Conferência realizada em Lisboa no Teatro Nacional de Almeida Garrett, a convite de Amélia Rey-Colaço, repetida em Coimbra no Salão Nobre da Associação Académica, a convite da revista «Presença» e editada pelas Oficinas Gráficas UP de Lisboa
Julho de 1932.

27/06/2011

Verão de Sophia - Just Breathe

Frank Weston Benson, Summer, 1909, Museum of Art, Rhode Island
(retirado da Art.com)
No Verão:

Passagem

O êxtase do ar e a palavra do vento
Povoaram de ti meu pensamento
.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Mar Novo in Casa Fernando Pessoa


Penso que vi esta tela no blogue Memórias e Imagens

26/06/2011

Três arquétipos na "Ilha dos Amores"

Magritte, Les Reveries du Promeneur Solitaire, c.1926
Três arquétipos certos ou errados, não importa!


Ao longo dos tempos falar de mulheres era um tema recorrente na literatura, na arte e no cinema. O oposto é menos conseguido. Sem qualquer tipo de feminismo porque sou alérgica a essas manifestações, voilà:


- O predador. O homem predador gosta de ter sob a sua alçada a presa. Quanto mais ela é fugaz mais interesse desperta. Não aceita um não e é um sedutor. Seduz com malabarismos cavalheirescos. Os jogos são uma constante.


- O sonhador/sedutor. O homem sonhador/sedutor vagueia entre o sonho e a poesia e seduz a sua ninfa. Mas uma ninfa não chega. O amor é arrebatador nasce e morre num espaço de tempo. A paixão serve de pena que corre sobre o papel.


- O sonhador fiel. O homem sonhador fiel ama com paixão sobre as nuvens e segue a luz das estrelas. Sonha e faz sonhar. É um cavaleiro, um príncipe fiel à sua dama, ao seu amor, coisa rara!


Uma provocação para os visitantes masculinos. Digam de sua justiça sobre os três paradigmas! :)

Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.”


Luís Vaz de Camões, "A Ilha dos Amores. Canto IX, estrofe 83 " in Lusíadas

25/06/2011

Homenagem

Um pai é a melhor coisa do mundo!


Quando descobrimos que o povo escolheu colocar o nome do nosso pai a uma rua é algo de extraordinário.

O meu pai era um sonhador e, apesar de ser activista político, nunca foi político. Praticou o bem mesmo prejudicando-se.

Bem haja a todos que dele se lembraram!

Um presente, uma lembrança, Gaudí

Antoni Gaudí Nasceu a 25 de Junho de 1852. A sua obra-prima, entre muitas e belas, foi a Sagrada Família, catedral em Barcelona cujo projecto não acabou.


Já fui há uns anos a Barcelona e o local do qual guardo mais memórias foi o Parque Güell.


Todavia, hoje, na celebração do dia em que nasceu o arquitecto, recordo a Sagrada Família, local onde jaz. As fotografias são de Mariana que mas ofereceu.



Paul Audouard, fotografia de Antoni Gaudí, (wikipedia)




A Sagrada Família
Reflexos


Luz recortada





Perspectiva interior, profusão rendilhada


Luz




Desenho de Gaudí




”We own the image. Fantasy comes from the ghosts. Fantasy is what people in the North own. We are concrete. The image comes from the Mediterranean. Orestes knows his way, where Hamlet is torn apart by his doubts”


Antoni Placid Gaudí, Joan Bassegoda, El gran Gaudí, p. 26 daqui


24/06/2011

Dias para esquecer...

"A Fantasia Lusitana" é um filme (documentário) de João Canijo que vale a pena ver para não nos esquecermos do tempo em que os homens reagiram como animais.

Grassava o ano de 1940 e Lisboa era um ponto central apesar de periférico...

Quem éramos? O que se passava no mundo?

Vi o documentário na RTP2.




O tempo de espera era interminável. (refugiado)

Esta sensação de infinito desamparo
Provoca em mim um grande medo.
(refugiada)





Lisboa





a black bird

in a cold night

crying!

23/06/2011

Da Arte como cada um a vê... - Proust

Da arte como cada um a vê...


Uma fotografia grava o imediato, o momento, porque é que a consideramos arte?

Não usa paleta, nem pincéis, buris ou rebarbadoras.


Em especial para Manuel Poppe que falou da arte, da singularidade da soma de momentos. Proust e a sua imagem da arte.


Teclas de um piano em espiral, Serpa




À minha e à tua porta. Serpa



Caminhar... não importa para onde, partir, partir... Serpa



Somente pela Arte Podemos Sair de Nós


Mesmos Somente pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que um outro vê desse universo que não é o mesmo que o nosso e cujas paisagens permaneceriam tão desconhecidas para nós quanto as que podem existir na lua. Graças à arte, em vez de ver um único mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se, e quantos artistas originais existem tantos mundos teremos à nossa disposição, mais diferentes uns dos outros do que aqueles que rolam no infinito e, muitos séculos após se ter extinguido o foco do qual emanavam, chamasse ele Rembrandt ou Ver Meer, ainda nos enviam o seu raio especial.

Marcel Proust, in "O Tempo Reencontrado"


Beacause the Night, Patti Smith


22/06/2011

Uma janela no Verão

A minha obsessão do azul na obra de Chagall é a fuga do cansaço! É assim que vejo esta janela neste dia de Verão.

Chagall, Interior with Flowers, c.1918. (detalhe)


Tempera on paper mounted on cardboard. 46.5 x 61. Museum-Apartment of Isaak Brodsky, St. Petersburg, Russia




só é meu
o país que trago dentro da alma.
entro nele sem passaporte
como em minha casa.
ele vê a minha tristeza
e a minha solidão.
me acalanta.
me cobre com uma pedra perfumada.
dentro de mim florescem jardins.
minhas flores são inventadas.
as ruas me pertencem
mas não há casas nas ruas.
as casas foram destruídas desde a minha infância.
os seus habitantes vagueiam no espaço
à procura de um lar.
instalam-se em minha alma.
eis por que sorrio
quando mal brilha o meu sol.
ou choro
como uma chuva leve
na noite.
houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
houve tempo em que essas duas caras
se cobriam de um orvalho amoroso.
se fundiam como o perfume de uma rosa.
hoje em dia me parece
que até quando recuo
estou avançando
para uma alta portada
atrás da qual se estendem altas muralhas
onde dormem trovões extintos
e relâmpagos partidos.
só é meu
o mundo que trago dentro da alma.

Marc Chagall daqui
(Tradução: Manuel Bandeira)


Uma janela em Serpa onde o azul impera




21/06/2011

Homenagem a Sartre

Em torno de Jean-Paul Sartre que nasceu a 21 de Junho de 1905. No link assinalado lê-se o impacto que teve a pintura do filósofo por parte de Zhong Ming na China. A presença do existencialismo, de um eu-livre num país comunista. Terá sido bem acolhido?



Zhong Ming, The End of Philosophy—Sartre, 2005




Oil on canvas, 210 x 100 cm, Minsheng Art Museum’s


Dans la vie on ne fait pas ce que l'on veut
mais on est responsable de ce que l'on est.

Jean-Paul Sartre

20/06/2011

Andorinha

No Alentejo profundo, em Serpa, vi muitas andorinhas. Elas brincam connosco e sempre vestidas de festa cantam e voam num agitado voo. Parece que riem de nós, pobres humanos, que não conseguimos alcançar o seu voo nem com o olhar.


Para MJ Falcão que sabe voar e, como eu, procura fotografar o voo das andorinhas.

Praça da República, Serpa




Em amena vizinhança




Habitat - Home, sweet home


Em alinhamento à procura da sombra, diálogo antes do voo.



Andorinha

Andorinha lá fora está dizendo:
— "Passei o dia à toa, à toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa . . .


Manuel Bandeira, daqui


18/06/2011

José Saramago

Pilar coloca as cinzas de Saramago em frente à casa dos Bicos, ou casa D. Brás de Albuquerque, debaixo da oliveira centenária que veio da terra natal do escritor para esse propósito.







A vontade do escritor era ser sepultado junto à velha oliveira em Azinhaga do Ribatejo. Porém, gente da cultura e do poder político quiseram homenagear José Saramago na cidade onde viveu a maior parte da sua vida. Assim, jaz em frente à Fundação Saramago que fica na Casa dos Bicos onde todos os portugueses poderão visitar parte do espólio da sua biblioteca.

O último livro que li de Saramago, após a sua morte, intitula-se: O Ano da Morte de Ricardo Reis.
Dele retiro este trecho porque hoje julgo pertinente lembrar:



Um homem deve ler de tudo, um pouco ou o que puder, não se lhe exija mais do que tanto, vista a curteza das vidas e a prolixidade do mundo. Começará por aqueles títulos que a ninguém deveriam escapar, os livros de estudo, assim vulgarmente chamados, como se todos o não fossem, e esse catálogo será variável consoante a fonte de conhecimento aonde se vai beber e a autoridade que lhe vigia o caudal, neste caso de Ricardo Reis, aluno que foi dos jesuítas, podemos fazer uma ideia aproximada, mesmo sendo os nossos mestres tão diferentes, os de ontem e os de hoje. Depois virão as inclinações da mocidade, os autores de cabeceira, os apaixonamentos temporários, os Werther para o suicídio ou para fugir dele, as graves leituras de adultidade, chegando a uma certa altura da vida já todos, mais ou menos, lemos as mesmas coisas, embora o primeiro ponto de partida nunca venha a perder a sua influência, com aquela importantíssima e geral vantagem que têm os vivos, vivos por enquanto, de poderem ler o que os outros, por antes do tempo mortos, não chegaram a conhecer.



José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa: Caminho, 2007, p. 137



Dueto das Flores Lakmé

"Era um relógio de bolso"

Como eu gostava de parar os ponteiros do relógio...





Era um relógio de bolso. Peguei-lhe e examinei-o à luz das velas. Os ponteiros estavam parados e o mostrador rachado.

Carlos Ruiz Zafón, Marina, Lisboa: Planeta, 2010, p. 15









Convento do Carmo (Quartel), Lisboa



Comecei a ler Marina de Zafón que me fez lembrar o regresso à adolescência. Será um erro?









Trecho do balé Bach, criado em 1996, coreografia de Rodrigo Pederneiras, musica de Marco Antonio Guimaraes (do Uakti) sobre obra de Bach.

17/06/2011

A luz e a sombra sob os céus de Lisboa


A

INVISIBILIDADE DE DEUS

dizem que em sua boca se realiza a flor
outros afirmam:
a sua invisibilidade é aparente
mas nunca toquei deus nesta escama de peixe
onde possamos compreender todos os oceanos
nunca tive a visão de sua bondosa mão












o certo é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insónia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas não é o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou não ser o meu

Al Berto daqui

16/06/2011

Uns olhos inesquecíveis... de Joel Santos

Quem passou pela Índia reconhece este olhar!

A fotografia é de Joel Santos que amavelmente me deixou trazer aqui e a quem agradeço. Apaixonada pelo Oriente, com uma breve estadia em Goa, estes olhos são para mim do tamanho do mundo.

Joel Santos, Índia 2010







Bird's eyes
in a spring field
with marigolds

O último livro de fotografia de Joel Santos ver aqui



(Tenho tido problemas com o teclado peço desculpa pela falta de acentos nos comentários.)



14/06/2011

"Bookcrossing "

Numa ida à Biblioteca Municipal folheei um livro que estava num escaparate fora da sala de leitura. Apesar de ser assídua e de reparar no escaparate, vi pela primeira vez um postal a dizer Bookcrossing, nunca havia reparado que a biblioteca tinha aderido a esta ideia.
A relutância em tirar um livro e trazer foi então vencida e trouxe para casa Anacreontea, Poemas à maneira de Anacreonte.

O Bookcrossing é um clube de livros global, que atravessa o tempo e o espaço. Os seus membros gostam muito de livros e não se importam de se separar deles, libertando-os para que possam ser encontrados por outros. O lema é:

Leve-me consigo
Leia-me
Liberte-me
Depois de o ler volto a liberta-lo. Aqui fica um poema do livro.


Edouard Toudouze, Eros et Aphrodite, 1872





6.


Uma coroa urdia em tempos,

e encontrei, entre as rosas, Eros.

Logo peguei pelas asas,

mergulhei-o no vinho

e de um trago o bebi.

E agora, bem dentro de mim,

com as asas me faz cócegas.

Anacreontea, Poemas à maneira de Anacreonte,Coimbra: Festea, IEC da Universidade de Coimbra, 2010, p.30. (traduçaoCarlos Martins Jesus)

13/06/2011

Santo António e Fernando Pessoa

Domingos António de Sequeira, Santo António e o Menino, 1796


Desenho a lápis preto e sanguínea Museu Nacional de Arte Antiga


Parabéns Fernando Pessoa

SANTO ANTÓNIO

Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!

Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.

(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)

Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.

Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vai tomar isso à letra?
Que de hoje em diante quem o diz se digne
Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.

Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a vêem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.

Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.

Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.

Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro título de glória,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido tais quando aqui andámos,
Bons, justos, naturais em singeleza, Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que há na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.

(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm beleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ...
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a manjerico.

És o que és para nós. O que tu foste
Em tua vida real, por mal ou bem,
Que coisas, ou não coisas se te devem
Com isso a estéril multidão arraste
Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem,
Essa prolixa nulidade, a que se chama história,
Que foste tu, ou foi alguém,
Só Deus o sabe, e mais ninguém.

És pois quem nós queremos, és tal qual
O teu retrato, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até que já te vi.

És este, e este és tu, e o povo é teu —
O povo que não sabe onde é o céu,
E nesta hora em que vai alta a lua
Num plácido e legítimo recorte,
Atira risos naturais à morte,
E cheio de um prazer que mal é seu,
Em canteiros que andam enche a rua.

Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António —
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?




Fernando Pessoa: Santo António, São João, São Pedro. Fernando Pessoa. (Organização de Alfredo Margarido.) Lisboa: A Regra do Jogo, 1986. Daqui

Em especial para MJ Falcão com um beijinho.




Para todos os que vivem em Lisboa, boa festa! :)

Obrigada Margarida pelo site - MatrizNet!

12/06/2011

Se as pedras falassem...

Se as pedras falassem ouviriamos o canto das monjas de Santa Clara.

Um passeio entre a luz e a sombra.

Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, Coimbra


números e classificação


elos?




O arco ogival em frente às colunas



Bucólica

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga, (S. Martinho de Anta, 30 de Abril de 1937)


[retirado da net e perdido o link depois do post recuperado]

klaus Nomi

11/06/2011

o lado negro...

O que é ser autêntico? Ou o que é que os outros querem que o autêntico seja?

Rio Tejo



«(...) o lado negro do individualismo é a concentração no eu, o que simultaneamente achata e estreita a nossa vida, a torna pobre de sentido e menos atenta aos outros ou à sociedade.»

Charles Taylor, A Ética da Autenticidade, Lisboa: Edições 70, 2009, p. 20.

Depois de ter lido um trecho de A Ética da Autenticidade no lado direito do blogue O Guizo e o Gato achei que devia reflectir sobre esta questão.

10/06/2011

ABC...

O retrato de Camões por Fernão Gomes, em cópia de Luís de Resende.

[Este é considerado o mais autêntico retrato do poeta, cujo original, que se perdeu, foi pintado ainda em sua vida]



Porque sou portuguesa, amo o meu país, os nossos poetas, os nossos artistas, a Luís de Camões em jeito de homenagem.

ABC FEITO EM MOTES

A A A A

Ana quisestes que fosse
o vosso nome da pia,
para mor minha agonia.

Apeles, se fora vivo
e a ver-vos alcançara,
por vós retratos tirara.

Aquiles morreu no templo,
contemplando de giolhos;
eu, quando vejo esses olhos.

Artemisa sepultou
a seu irmão e marido;
vós a mim e a meu sentido.

B

Bem vejo que sois, Senhora,
extremo de fermosura,
para minha sepultura.

C C

Cleópatra se matou
vendo morto a seu amante;
e eu por vós, em ser constante.

Cassandra disse de Tróia
que havia ser destruída;
e eu por vós, d'alma e da vida.

N N

Dido morreu por Eneias,
e vós matais quem vos ama;
julgai se sois cruel dama!

Dianira, inocente,
da má morte causadora;
vós da minha sabedora.

E

Eurídice foi a causa
de Orfeu ir ao inferno;
vós de ser meu mal eterno.

FF

Fedra, só de puro amor,
morreu por seu enteado;
eu mouro de desamado.

Febo vai escurecendo
ante vossa claridade;
e eu sem ter liberdade.

G G

Galateia sois, Senhora,
da fermosura extremo;
e eu perdido Polifemo.

Genebra, que foi rainha,
se perdeu por Lançarote;
e vós por me dar a morte.

H H

Hércules, uma camisa
de chamas o consumiu;
minh' alma, dês que vos viu.

Hébis e Dido morreram
com o rigor da mudança;
eu, vendo vossa esquivança.

J J J J

Judite, que o duro Holofernes
degolou, se viva fora,
mate lhe déreis, Senhora.

Júlio César conquistou
o mundo com fortaleza;
vós a mim com gentileza.

Júlio César se livrou
dos inimigos com abrolhos;
eu não posso desses olhos.

Jazia-se o Minotauro
preso no seu labirinto;
mas eu mais preso me sinto.


L L

Leandro se afogou
e foi sua causa Hero;
e a mim, o que vos quero.

Leandro se afogou
no mar de sua bonança;
eu no de vossa esperança.

M M

Minerva dizem que foi,
e Palas, deusas da guerra:
e vós, Senhora, da terra.

Medeia foi mui cruel,
mas não chegou a metade
de vossa grão crueldade.

N N

Narciso o siso perdeu
em vendo a sua figura;
eu, por vossa fermosura.

Ninfas enganam mil Faunos
com seu ar e fermosura;
e a mim, vossa figura.

O O

Os olhos choram o dano
que em vos verem sentiram;
mas eu pago o que eles viram.

Orfeu com a doce harpa
venceu o reino de Plutão;
vós a mim, com perfeição.

P P

Páris a Helena roubou,
por quem Tróia foi perdida;
e vós a mim, alma e vida.

Pirro matou Policena,
perfeita em todos sinais;
e vós a mim me matais.

Q Q

Quanto mais desejo ver-vos,
menos vos vejo, Senhora:
não vos ver milhor me fora.

Querendo ver a Diana,
Actéon perdeu as vida,
que eu por vós trago perdida.

R R

Remédio nenhum não vejo
que remedeie meu mal;
nem crueza à vossa igual.

Roma o mundo sujeita
com armas, saber, temor;
vós a mim só por amor.

Sirena, na mor fortuna
com enganos vai cantando;
e vós, sempre a mim matando.

T T

Tisbe morreu por Piramo,
a ambos matou o Amor;
a mim vosso desfavor.

Tisbe pelo seu amante
morreu com amor sobejo;
mas eu mais morto me vejo.

V V

Vénus, que por mais fermosa
lhe deu Páris a maçã,
não foi quanto vós louçã.

Vénus levou a maçã
por vós não serdes, Senhora,
nacida naquela hora.

X X

Xpõ vos acabe em graça,
e vos faça piadosa
tanto, quanto sois fermosa.

Xantopeia tornou atrás
por Apónio a invocar;
e vós não, a meu chamar.

Luís Vaz de Camões, retirado do Banco de poesia da Casa Fernando Pessoa


Requiem por Camões

09/06/2011

Why, Why, Why

Why, why, Why
I remembered the sky
Without falling stars?





Outros Universos

Gaganendranath Tagore é um pintor indiano, familiar de Rabindranath Tagore, o poeta, o filósofo e também pintor.


Gostei da paleta de cores e dos temas pintados. Gagendranath Tagore ficou associado ao Modernismo na Índia.





National Gallery of Modern Art, New Delhi

Moon above the Sea


National Gallery of Modern Art, New Delhi

08/06/2011

Pedi as estrelas de Adília Lopes.

Pedi as estrelas de Adília Lopes a Virgínia do blog Dupla Vida de V e a Virgína deu-mas. Obrigada!


Joan Miró. Constellation: The Morning Star, 1940


Gouache and terpentine paint on paper. 38 x 46 cm. Private collection.



Acrylic on Canvas, 108 x 76 inches



A propósito de estrelas

Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas

Adília Lopes

As estrelas são pássaros brilhantes...




06/06/2011

Da Dignidade - a queda de um Príncipe

"Os homens são sempre contrários aos empreendimentos onde exista dificuldade".

Nicolau Maquiavel, O Príncipe, Lisboa: Publicações Europa América, 1972, p. 42

O povo é soberano e exprimiu a sua vontade.


O príncipe caiu mas entregou a sua coroa com dignidade.


A minha vénia.

Tédio - Thomas Mann

Thomas Mann nasceu a 6 de Junho de 1875 em Lübeck. Entre os livros que escreveu escolho a Montanha Mágica para hoje o homenagear. Para além deste livro, houve outro que me tocou imensamente: A Morte em Veneza, um dos mais belos livros que li e que aqui trarei em altura oportuna.

O tédio foi o mote que me levou a registar este trecho. Tédio esmaga e mata.


Max Oppenheimer, Thomas Mann, 1926



Óleo sobre tela, 59 x 49,2 cm, Wien Museum Karlsplatz, Vienna, Austria


Crê-se em geral que a novidade e o carácter interessante do seu conteúdo "fazem passar" o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e o vazio estorvam e retardam o seu curso. Mas não é absolutamente verdade. O vazio e a monotonia alargam por vezes o instante ou a hora e tornam-nos "aborrecidos"; porém, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviadas e aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, pelo contrário, capaz de abreviar uma hora ou até mesmo o dia, mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de tal maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e voam. Portanto, o que se chama de tédio é, na realidade, antes uma simulação mórbida da brevidade do tempo, provocada pela monotonia: grandes lapsos de tempo quando o seu curso é de uma ininterrupta monotonia chegam a reduzir-se a tal ponto, que assustam mortalmente o coração; quando um dia é como todos, todos são como um só; e numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fechar de olhos. O hábito é uma sonolência, ou, pelo menos, um enfraquecimento do senso do tempo, e o facto dos anos de infância serem vividos vagarosamente, ao passo que a vida posterior se desenrola e foge cada vez mais depressa, esse facto também se baseia no hábito.



Thomas Mann, A Montanha Mágica, Lisboa: Livros do Brasil, p. 110-111. (Trad. Herbert Caro)

05/06/2011

Volta Stanley Kubrick...

Ontem fui ver A Árvore da Vida, de Terrence Malick. O filme venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes. O que vou dizer talvez seja chocante mas não gostei do filme.



Quem viu 2001 Odisseia no Espaço realizado, em 1968, por Stanley Kubrick, talvez entenda a minha opinião.



O filme peca pela paisagem "National Geographic", como alguém disse. Vou explicar porquê. Metida na narrativa, a paisagem aparece caótica e bela mas também um pouco cliché.



A vida e a morte, a rotina, o tédio, a diferença, Deus, todos os elementos para um bom filme mas quanto a mim fracassado.



A morte, outra dimensão, o que encontrar?
A potência da Natureza sobre o Homem, Deus e o porquê da dor?
Aceitação? Procura? Reencontro?


Questões interessantes mas ...


Árvore, Jardim Botânico, Coimbra





Jardim Botânico, Coimbra



"A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace."



Victor Hugo (Citador)



Será?

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