Estive a folhear e a ler o livro: Viagem à Índia de Gonlçalo M. Tavares. Todas as críticas são positivas e todas referenciam uma analogia com os Lusíadas por causa da estrutura da obra. Com este título, Gonçalo Tavares, recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, em conjunto com o Ministério da Cultura. ... Mais um livro para a pilha de leituras.
A caminho da Colva, Goa, Índia
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O certo é que de entre os diversos materiais do mundo, a alma é de longe um dos mais antigos, porém se o cérebro que inventa e escreve versos é apenas uma víscera de boas proporções, eis que desde já Bloom desiste de olhar para o céu à espera de acontecimentos humanos ou divinos. Do céu nada virá que não seja natural e dispensável.
Praia da Colva, Goa, Índia
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Diga-se que pensar não é assim tão fácil. Certos homens, estando sentados, esforçam-se tanto por esboçar uma ideia que acabam banhados em suor. E entretanto cá fora: nada, nem a carcaça do mais efémero indício de inteligência. Cada ideia parece estar nesses cérebros como um labirinto de que só raramente consegue sair. Bloom pensa naquele pai e nos três filhos. Que família coerente, murmura.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à India, Alfragide: Caminho, 2010, Canto I , p. 52-53.
Ultimamente o azul é a única cor que me descansa. Saint-Exupéry nasceu a 29 de Junho de 1900 e quem me fez lembrar a efeméride foi JMS no Prosimetron. Grata.
Adão e Eva, duas personagens que me encantam pela carga simbólica que encerram.
Almada terá bebido a sua inspiração na Vénus de Botticelli?
Sandro Botticelli, detalhe do Nascimento da Vénus, 1482
Galleria degli Uffizi, Florença
«E assim foi que Deus fez o homem e a mulher semelhantes um ao outro, mas de caracteres opostos, antagónicos; de naturezas independentíssimas cada um deles, acérrimos disputadores da igualdade no par, inimigos do sexo alheio mas irresistivelmente atraídos um pelo outro, inseparáveis de verdade, e condenados para sempre à fatalidade da sua única unidade comum. Por outras palavras, fez Deus do homem e da mulher dois animais selvagens que não podem ser domados isoladamente. Fez o isolamento ainda pior -do que era, tornou a solidão ainda mais amarga do que devia ser e indicou a direcção única da colaboração entre ambos: 1+1=1. Mas por causa das dúvidas, e não estando completamente seguro dos resultados por causa deles, não fossem eles estragar-lhe a sua obra, (Deus sabe muito bem e que faz), arranjou as coisas de tal maneira que a Humanidade se multiplicasse e continuasse pelos séculos ainda mesmo naqueles casos em que não fosse possível o entendimento entre a mulher e o homem. Isto é, a direcção única haveria de ser eternamente a mesma, ainda que em toda a História da Humanidade não se fizessem senão disparates. Tudo o que se está contando passou-se nos primeiros dias do mundo à sombra de uma árvore. E daqui vem porem agora todas as culpas à árvore. Chamam-lhe a árvore do bem e do mal. Pois sim, agora chamem-lhe nomes! É desta maldita mania que temos de pôr sempre a culpa aos outros. E quando, como nesse dia não há mais ninguém a quem se possa pôr as culpas, pomo-Ias ao que está mais à mão, – à árvore!
Mas a verdade do que se passou é a seguinte:
O par... Ah! agora me lembro de como se chamavam os dois: Adão e Eva!»
*Conferência realizada em Lisboa no Teatro Nacional de Almeida Garrett, a convite de Amélia Rey-Colaço, repetida em Coimbra no Salão Nobre da Associação Académica, a convite da revista «Presença» e editada pelas Oficinas Gráficas UP de Lisboa Julho de 1932.
Magritte, Les Reveries du Promeneur Solitaire, c.1926
Três arquétipos certos ou errados, não importa!
Ao longo dos tempos falar de mulheres era um tema recorrente na literatura, na arte e no cinema. O oposto é menos conseguido. Sem qualquer tipo de feminismo porque sou alérgica a essas manifestações, voilà:
- O predador. O homem predador gosta de ter sob a sua alçada a presa. Quanto mais ela é fugaz mais interesse desperta. Não aceita um não e é um sedutor. Seduz com malabarismos cavalheirescos. Os jogos são uma constante.
- O sonhador/sedutor. O homem sonhador/sedutor vagueia entre o sonho e a poesia e seduz a sua ninfa. Mas uma ninfa não chega. O amor é arrebatador nasce e morre num espaço de tempo. A paixão serve de pena que corre sobre o papel.
- O sonhador fiel. O homem sonhador fiel ama com paixão sobre as nuvens e segue a luz das estrelas. Sonha e faz sonhar. É um cavaleiro, um príncipe fiel à sua dama, ao seu amor, coisa rara!
Uma provocação para os visitantes masculinos. Digam de sua justiça sobre os três paradigmas! :)
“Ó que famintos beijos na floresta, E que mimoso choro que soava! Que afagos tão suaves, que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava! O que mais passam na manhã, e na sesta, Que Vénus com prazeres inflamava, Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.”
Luís Vaz de Camões, "A Ilha dos Amores. Canto IX, estrofe 83 " in Lusíadas
Antoni Gaudí Nasceu a 25 de Junho de 1852. A sua obra-prima, entre muitas e belas, foi a Sagrada Família, catedral em Barcelona cujo projecto não acabou.
Já fui há uns anos a Barcelona e o local do qual guardo mais memórias foi o Parque Güell.
Todavia, hoje, na celebração do dia em que nasceu o arquitecto, recordo a Sagrada Família, local onde jaz. As fotografias são de Mariana que mas ofereceu.
Paul Audouard, fotografia de Antoni Gaudí, (wikipedia)
A Sagrada Família Reflexos
Luz recortada
Perspectiva interior, profusão rendilhada
Luz
Desenho de Gaudí
”We own the image. Fantasy comes from the ghosts. Fantasy is what people in the North own. We are concrete. The image comes from the Mediterranean. Orestes knows his way, where Hamlet is torn apart by his doubts”
Antoni Placid Gaudí, Joan Bassegoda, El gran Gaudí, p. 26 daqui
"A Fantasia Lusitana" é um filme (documentário) de João Canijo que vale a pena ver para não nos esquecermos do tempo em que os homens reagiram como animais.
Grassava o ano de 1940 e Lisboa era um ponto central apesar de periférico...
Quem éramos? O que se passava no mundo?
Vi o documentário na RTP2.
O tempo de espera era interminável. (refugiado)
Esta sensação de infinito desamparo Provoca em mim um grande medo. (refugiada)
Uma fotografia grava o imediato, o momento, porque é que a consideramos arte?
Não usa paleta, nem pincéis, buris ou rebarbadoras.
Em especial para Manuel Poppe que falou da arte, da singularidade da soma de momentos. Proust e a sua imagem da arte.
Teclas de um piano em espiral, Serpa
À minha e à tua porta. Serpa
Caminhar... não importa para onde, partir, partir... Serpa
Somente pela Arte Podemos Sair de Nós
Mesmos Somente pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que um outro vê desse universo que não é o mesmo que o nosso e cujas paisagens permaneceriam tão desconhecidas para nós quanto as que podem existir na lua. Graças à arte, em vez de ver um único mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se, e quantos artistas originais existem tantos mundos teremos à nossa disposição, mais diferentes uns dos outros do que aqueles que rolam no infinito e, muitos séculos após se ter extinguido o foco do qual emanavam, chamasse ele Rembrandt ou Ver Meer, ainda nos enviam o seu raio especial.
A minha obsessão do azul na obra de Chagall é a fuga do cansaço! É assim que vejo esta janela neste dia de Verão.
Chagall, Interior with Flowers, c.1918. (detalhe)
Tempera on paper mounted on cardboard. 46.5 x 61. Museum-Apartment of Isaak Brodsky, St. Petersburg, Russia
só é meu o país que trago dentro da alma. entro nele sem passaporte como em minha casa. ele vê a minha tristeza e a minha solidão. me acalanta. me cobre com uma pedra perfumada. dentro de mim florescem jardins. minhas flores são inventadas. as ruas me pertencem mas não há casas nas ruas. as casas foram destruídas desde a minha infância. os seus habitantes vagueiam no espaço à procura de um lar. instalam-se em minha alma. eis por que sorrio quando mal brilha o meu sol. ou choro como uma chuva leve na noite. houve tempo em que eu tinha duas cabeças. houve tempo em que essas duas caras se cobriam de um orvalho amoroso. se fundiam como o perfume de uma rosa. hoje em dia me parece que até quando recuo estou avançando para uma alta portada atrás da qual se estendem altas muralhas onde dormem trovões extintos e relâmpagos partidos. só é meu o mundo que trago dentro da alma.
Em torno de Jean-Paul Sartre que nasceu a 21 de Junho de 1905. No link assinalado lê-se o impacto que teve a pintura do filósofo por parte de Zhong Ming na China. A presença do existencialismo, de um eu-livre num país comunista. Terá sido bem acolhido?
No Alentejo profundo, em Serpa, vi muitas andorinhas. Elas brincam connosco e sempre vestidas de festa cantam e voam num agitado voo. Parece que riem de nós, pobres humanos, que não conseguimos alcançar o seu voo nem com o olhar.
Para MJ Falcão que sabe voar e, como eu, procura fotografar o voo das andorinhas.
Praça da República, Serpa
Em amena vizinhança
Habitat - Home, sweet home
Em alinhamento à procura da sombra, diálogo antes do voo.
Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo: — "Passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa, à toa . . .
Pilar coloca as cinzas de Saramago em frente à casa dos Bicos, ou casa D. Brás de Albuquerque, debaixo da oliveira centenária que veio da terra natal do escritor para esse propósito.
A vontade do escritor era ser sepultado junto à velha oliveira em Azinhaga do Ribatejo. Porém, gente da cultura e do poder político quiseram homenagear José Saramago na cidade onde viveu a maior parte da sua vida. Assim, jaz em frente à Fundação Saramago que fica na Casa dos Bicos onde todos os portugueses poderão visitar parte do espólio da sua biblioteca.
O último livro que li de Saramago, após a sua morte, intitula-se: O Ano da Morte de Ricardo Reis. Dele retiro este trecho porque hoje julgo pertinente lembrar:
Um homem deve ler de tudo, um pouco ou o que puder, não se lhe exija mais do que tanto, vista a curteza das vidas e a prolixidade do mundo. Começará por aqueles títulos que a ninguém deveriam escapar, os livros de estudo, assim vulgarmente chamados, como se todos o não fossem, e esse catálogo será variável consoante a fonte de conhecimento aonde se vai beber e a autoridade que lhe vigia o caudal, neste caso de Ricardo Reis, aluno que foi dos jesuítas, podemos fazer uma ideia aproximada, mesmo sendo os nossos mestres tão diferentes, os de ontem e os de hoje. Depois virão as inclinações da mocidade, os autores de cabeceira, os apaixonamentos temporários, os Werther para o suicídio ou para fugir dele, as graves leituras de adultidade, chegando a uma certa altura da vida já todos, mais ou menos, lemos as mesmas coisas, embora o primeiro ponto de partida nunca venha a perder a sua influência, com aquela importantíssima e geral vantagem que têm os vivos, vivos por enquanto, de poderem ler o que os outros, por antes do tempo mortos, não chegaram a conhecer.
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa: Caminho, 2007, p. 137
dizem que em sua boca se realiza a flor outros afirmam: a sua invisibilidade é aparente mas nunca toquei deus nesta escama de peixe onde possamos compreender todos os oceanos nunca tive a visão de sua bondosa mão
o certo é que por vezes morremos magros até ao osso sem amparo e sem deus apenas um rosto muito belo surge etéreo na vasta insónia que nos isolou do mundo e sorri dizendo que nos amou algumas vezes mas não é o rosto de deus nem o teu nem aquele outro que durante anos permaneceu ausente e o tempo revelou não ser o meu
A fotografia é de Joel Santos que amavelmente me deixou trazer aqui e a quem agradeço. Apaixonada pelo Oriente, com uma breve estadia em Goa, estes olhos são para mim do tamanho do mundo.
Joel Santos, Índia 2010
Bird's eyes in a spring field with marigolds
O último livro de fotografia de Joel Santos veraqui
(Tenho tido problemas com o teclado peço desculpa pela falta de acentos nos comentários.)
Numa ida à Biblioteca Municipal folheei um livro que estava num escaparate fora da sala de leitura. Apesar de ser assídua e de reparar no escaparate, vi pela primeira vez um postal a dizer Bookcrossing, nunca havia reparado que a biblioteca tinha aderido a esta ideia. A relutância em tirar um livro e trazer foi então vencida e trouxe para casa Anacreontea, Poemas à maneira de Anacreonte.
O Bookcrossing é um clube de livros global, que atravessa o tempo e o espaço. Os seus membros gostam muito de livros e não se importam de se separar deles, libertando-os para que possam ser encontrados por outros. O lema é:
Leve-me consigo Leia-me Liberte-me Depois de o ler volto a liberta-lo. Aqui fica um poema do livro.
Nasci exactamente no teu dia — Treze de Junho, quente de alegria, Citadino, bucólico e humano, Onde até esses cravos de papel Que têm uma bandeira em pé quebrado Sabem rir... Santo dia profano Cuja luz sabe a mel Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto O meu santo, Se bem que nunca me pegasses Teu franciscano sentir, Católico, apostólico e romano.
(Reflecti. Os cravos de papel creio que são Mais propriamente, aqui, Do dia de S. João... Mas não vou escangalhar o que escrevi. Que tem um poeta com a precisão?)
Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António, Que tu és o meu santo sem o ser. Por isso o és a valer, Que é essa a santidade boa, A que fugiu deveras ao demónio. És o santo das raparigas, És o santo de Lisboa, És o santo do povo. Tens uma auréola de cantigas, E então Quanto ao teu coração — Está sempre aberto lá o vinho novo.
Dizem que foste um pregador insigne, Um austero, mas de alma ardente e ansiosa, Etcetera... Mas qual de nós vai tomar isso à letra? Que de hoje em diante quem o diz se digne Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.
Qual santo! Olham a árvore a olho nu E não a vêem, de olhar só os ramos. Chama-se a isto ser doutor Ou investigador.
Qual Santo António! Tu és tu. Tu és tu como nós te figuramos.
Valem mais que os sermões que deveras pregaste As bilhas que talvez não concertaste. Mais que a tua longínqua santidade Que até já o Diabo perdoou, Mais que o que houvesse, se houve, de verdade No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou, Vale este sol das gerações antigas Que acorda em nós ainda as semelhanças Com quando a vida era só vida e instinto, As cantigas, Os rapazes e as raparigas, As danças E o vinho tinto.
Nós somos todos quem nos faz a história. Nós somos todos quem nos quer o povo. O verdadeiro título de glória, Que nada em nossa vida dá ou traz É haver sido tais quando aqui andámos, Bons, justos, naturais em singeleza, Que os descendentes dos que nós amámos Nos promovem a outros, como faz Com a imaginação que há na certeza, O amante a quem ama, E o faz um velho amante sempre novo. Assim o povo fez contigo Nunca foi teu devoto: é teu amigo, Ó eterno rapaz.
(Qual santo nem santeza! Deita-te noutra cama!) Santos, bem santos, nunca têm beleza. Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ... Tira lá essa capa! Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico Em fantasia, promoveu-te a manjerico.
És o que és para nós. O que tu foste Em tua vida real, por mal ou bem, Que coisas, ou não coisas se te devem Com isso a estéril multidão arraste Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem, Essa prolixa nulidade, a que se chama história, Que foste tu, ou foi alguém, Só Deus o sabe, e mais ninguém.
És pois quem nós queremos, és tal qual O teu retrato, como está aqui, Neste bilhete postal. E parece-me até que já te vi.
És este, e este és tu, e o povo é teu — O povo que não sabe onde é o céu, E nesta hora em que vai alta a lua Num plácido e legítimo recorte, Atira risos naturais à morte, E cheio de um prazer que mal é seu, Em canteiros que andam enche a rua.
Sê sempre assim, nosso pagão encanto, Sê sempre assim! Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim, Esquece a doutrina e os sermões. De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto. Foste Fernando de Bulhões, Foste Frei António — Isso sim. Porque demónio É que foram pregar contigo em santo?
Fernando Pessoa: Santo António, São João, São Pedro. Fernando Pessoa. (Organização de Alfredo Margarido.) Lisboa: A Regra do Jogo, 1986. Daqui
O que é ser autêntico? Ou o que é que os outros querem que o autêntico seja?
Rio Tejo
«(...) o lado negro do individualismo é a concentração no eu, o que simultaneamente achata e estreita a nossa vida, a torna pobre de sentido e menos atenta aos outros ou à sociedade.»
Charles Taylor, A Ética da Autenticidade, Lisboa: Edições 70, 2009, p. 20.
Depois de ter lido um trecho de A Ética da Autenticidade no lado direito do blogue O Guizo e o Gato achei que devia reflectir sobre esta questão.
Não sei se me interessei pelo rapaz por ele se interessar por estrelas se me interessei por estrelas por me interessar pelo rapaz hoje quando penso no rapaz penso em estrelas e quando penso em estrelas penso no rapaz como me parece que me vou ocupar com as estrelas até ao fim dos meus dias parece-me que não vou deixar de me interessar pelo rapaz até ao fim dos meus dias nunca saberei se me interesso por estrelas se me interesso por um rapaz que se interessa por estrelas já não me lembro se vi primeiro as estrelas se vi primeiro o rapaz se quando vi o rapaz vi as estrelas
Thomas Mann nasceu a 6 de Junho de 1875 em Lübeck. Entre os livros que escreveu escolho a Montanha Mágica para hoje o homenagear. Para além deste livro, houve outro que me tocou imensamente: A Morte em Veneza, um dos mais belos livros que li e que aqui trarei em altura oportuna.
O tédio foi o mote que me levou a registar este trecho. Tédio esmaga e mata.
Crê-se em geral que a novidade e o carácter interessante do seu conteúdo "fazem passar" o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e o vazio estorvam e retardam o seu curso. Mas não é absolutamente verdade. O vazio e a monotonia alargam por vezes o instante ou a hora e tornam-nos "aborrecidos"; porém, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviadas e aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, pelo contrário, capaz de abreviar uma hora ou até mesmo o dia, mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de tal maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e voam. Portanto, o que se chama de tédio é, na realidade, antes uma simulação mórbida da brevidade do tempo, provocada pela monotonia: grandes lapsos de tempo quando o seu curso é de uma ininterrupta monotonia chegam a reduzir-sea tal ponto, que assustam mortalmente o coração; quando um dia é como todos, todos são como um só; e numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fechar de olhos. O hábito é uma sonolência, ou, pelo menos, um enfraquecimento do senso do tempo, e o facto dos anos de infância serem vividos vagarosamente, ao passo que a vida posterior se desenrola e foge cada vez mais depressa, esse facto também se baseia no hábito.
Thomas Mann, A Montanha Mágica, Lisboa: Livros do Brasil, p. 110-111. (Trad. Herbert Caro)
Ontem fui ver A Árvore da Vida, de Terrence Malick. O filme venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes. O que vou dizer talvez seja chocante mas não gostei do filme.
Quem viu 2001 Odisseia no Espaço realizado, em 1968, por Stanley Kubrick, talvez entenda a minha opinião.
O filme peca pela paisagem "National Geographic", como alguém disse. Vou explicar porquê. Metida na narrativa, a paisagem aparece caótica e bela mas também um pouco cliché.
A vida e a morte, a rotina, o tédio, a diferença, Deus, todos os elementos para um bom filme mas quanto a mim fracassado.
A morte, outra dimensão, o que encontrar? A potência da Natureza sobre o Homem, Deus e o porquê da dor? Aceitação? Procura? Reencontro?
Questões interessantes mas ...
Árvore, Jardim Botânico, Coimbra
Jardim Botânico, Coimbra
"A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace."