Almada Negreiros, Adão e Eva, 1936
Museu Abade de Baçal
Adão e Eva, duas personagens que me encantam pela carga simbólica que encerram.
Museu Abade de Baçal
Adão e Eva, duas personagens que me encantam pela carga simbólica que encerram.
Almada terá bebido a sua inspiração na Vénus de Botticelli?
Sandro Botticelli, detalhe do Nascimento da Vénus, 1482
Galleria degli Uffizi, Florença
«E assim foi que Deus fez o homem e a mulher semelhantes um ao outro, mas de caracteres opostos, antagónicos; de naturezas independentíssimas cada um deles, acérrimos disputadores da igualdade no par, inimigos do sexo alheio mas irresistivelmente atraídos um pelo outro, inseparáveis de verdade, e condenados para sempre à fatalidade da sua única unidade comum.
Por outras palavras, fez Deus do homem e da mulher dois animais selvagens que não podem ser domados isoladamente. Fez o isolamento ainda pior -do que era, tornou a solidão ainda mais amarga do que devia ser e indicou a direcção única da colaboração entre ambos: 1+1=1.
Mas por causa das dúvidas, e não estando completamente seguro dos resultados por causa deles, não fossem eles estragar-lhe a sua obra, (Deus sabe muito bem e que faz), arranjou as coisas de tal maneira que a Humanidade se multiplicasse e continuasse pelos séculos ainda mesmo naqueles casos em que não fosse possível o entendimento entre a mulher e o homem.
Isto é, a direcção única haveria de ser eternamente a mesma, ainda que em toda a História da Humanidade não se fizessem senão disparates.
Tudo o que se está contando passou-se nos primeiros dias do mundo à sombra de uma árvore. E daqui vem porem agora todas as culpas à árvore. Chamam-lhe a árvore do bem e do mal. Pois sim, agora chamem-lhe nomes! É desta maldita mania que temos de pôr sempre a culpa aos outros. E quando, como nesse dia não há mais ninguém a quem se possa pôr as culpas, pomo-Ias ao que está mais à mão, – à árvore!
Mas a verdade do que se passou é a seguinte:
O par... Ah! agora me lembro de como se chamavam os dois: Adão e Eva!»
José de Almada Negreiros, Direcção Única, Lisboa, UP, 1932. Ler o texto na íntegra.
*Conferência realizada em Lisboa no Teatro Nacional de Almeida Garrett, a convite de Amélia Rey-Colaço, repetida em Coimbra no Salão Nobre da Associação Académica, a convite da revista «Presença» e editada pelas Oficinas Gráficas UP de Lisboa
Julho de 1932.
Por outras palavras, fez Deus do homem e da mulher dois animais selvagens que não podem ser domados isoladamente. Fez o isolamento ainda pior -do que era, tornou a solidão ainda mais amarga do que devia ser e indicou a direcção única da colaboração entre ambos: 1+1=1.
Mas por causa das dúvidas, e não estando completamente seguro dos resultados por causa deles, não fossem eles estragar-lhe a sua obra, (Deus sabe muito bem e que faz), arranjou as coisas de tal maneira que a Humanidade se multiplicasse e continuasse pelos séculos ainda mesmo naqueles casos em que não fosse possível o entendimento entre a mulher e o homem.
Isto é, a direcção única haveria de ser eternamente a mesma, ainda que em toda a História da Humanidade não se fizessem senão disparates.
Tudo o que se está contando passou-se nos primeiros dias do mundo à sombra de uma árvore. E daqui vem porem agora todas as culpas à árvore. Chamam-lhe a árvore do bem e do mal. Pois sim, agora chamem-lhe nomes! É desta maldita mania que temos de pôr sempre a culpa aos outros. E quando, como nesse dia não há mais ninguém a quem se possa pôr as culpas, pomo-Ias ao que está mais à mão, – à árvore!
Mas a verdade do que se passou é a seguinte:
O par... Ah! agora me lembro de como se chamavam os dois: Adão e Eva!»
José de Almada Negreiros, Direcção Única, Lisboa, UP, 1932. Ler o texto na íntegra.
*Conferência realizada em Lisboa no Teatro Nacional de Almeida Garrett, a convite de Amélia Rey-Colaço, repetida em Coimbra no Salão Nobre da Associação Académica, a convite da revista «Presença» e editada pelas Oficinas Gráficas UP de Lisboa
Julho de 1932.
Almada cujo romance "Nome de Guerra" (publicado na efémera "Colecção de Autores Modernos Portugueses",Edições Europa, de curtíssima vida e criada pelo grande João Gaspar Simões, o maior crítico português de sempre e, além disso, admirável romancista, novelista e dramaturgo)é um dos mais interessantes romances do nosso século XX.
ResponderEliminarAlmada foi sempre um jongleur: um trapezista da palavra.
E fascinava por isso. O texto que escolheu é um exemplo da sua (dele) vivacidade e invenção permanente. Parabéns.
Manuel Poppe,
ResponderEliminarGosto muito de Almada Negreiros, do desenhador, do pintor, do ceramista, do vitralista e claro do escritor mas, sobretudo, da irreverência artística.
A sua visão é muito interessante: "trapezista da palavra".
Muito obrigada pelo estímulo (então vindo de quem vem)
Abraço!:)
No casal Adão e Eva, o que mais me fascina é o simbolismo atribuído à maçã, o do conhecimento.
ResponderEliminarUma sugestão de leitura, Ana. Provavelmente conheces e até já leste. Correndo esse risco, por a leitura ser fantástica e divertidíssima:
«Diário de Adão e Eva»
Mark Twain.
Bjs
Adenda:
Sem retirar qualquer mérito ao trabalho, diz-me: não te parece em quem Almada se terá inspirado...
Tudo fantástico! Bj!
ResponderEliminarJPD,
ResponderEliminarSem Adão e Eva a maçã não tinha qualquer significado. Claro que o conhecimento é a carga simbólica mais interessante!:)
JPD, já li o livro de Mark Twain e já fiz umas postagens dese livro que tem ilustrações lindíssimas.
Resposta á adenda:
Não estou mesmo a ver em quem se inspirou. A ligação a Botticelli foi uma provocação mas também porque vejo muita semelhança.
Agora fico curiosa...
Margarida,
Que bom vê-la por cá. Bjs. :)
Parabéns pelo seu excelente blog!
ResponderEliminarCertamente, aprecia o delicioso texto de Mark Twain: Eve's Diary publicado, pela primeira vez penso que em 1904.
Carolina
Carolina,
ResponderEliminarObrigada pela sua visita, seja bem vinda!
Sim, já li esse Diário que acho delicioso.
Abraço!:)
À procura de Almada encontrei tantos outros artistas... muito interessante esta(s) abordagem(ens)...
ResponderEliminarParabéns pelo trabalho.
Rute Vaz