Desenha-se uma recta numa superfície lisa.
Procura-se o ponto perdido no espaço.
Correlacionam-se os pontos e a recta
mas há um que se afasta da linha criando a desordem.
A chuva molhava-me o rosto Gelado e cansado...trecho da música de Jorge Fernandes
Som da neve e do gelo
Sem fios, uma voz ao longe emite o
som da neve e do gelo, é estalactite
que desfere o golpe
fatal:
cai o cisne ferido no chão,
as penas brancas estão rosadas
da pintura ocre do sangue...
rodopia, rodopia,
na última dança
possível.
Começa um demi plié mas retorce-se no chão.
Olha para as luzes do palco e confunde o seu brilho
com uma estrela azul, pequena, ... caída do céu.
Do céu terreno, do céu da falsa alegria,
a estrela polar, promessa de um bom destino,
cai agora por terra... e visita o rosto
gelado e cansado...
Nele rolam duas lágrimas,
chuva perdida.
ana
Das festas da escola e da adolescência (pós-25 Abril). Lembra-se Pedro?
Só pontualmente é que gosto de chuva. Serve esse apontamento para transformar o cheiro da terra seca em terra húmida. As primeiras chuvas são belas pela novidade e pela necessidade da Terra. Todavia, a persistência do efeito torna-me melancólica. Reparei que não tenho em arquivo fotos com chuva e há belas fotos com esse cenário. Houve quem me roubasse o momento...
Ainda não tinha trazido aqui uma das bandas que ouvia na adolescência.:))
Johann Michael Millitz, Magnatas retratados como Adão e Eva, 1770,
Galeria, Nacional Húngara
O amor utopia
Um tabuleiro de xadrez
sem peças...
pousado em cima da mesa.
Esquecido?
os quadrados pretos e brancos
ocupam o espaço geometricamente delicado.
É um tabuleiro isolado,
sem rei, sem rainha e sem castelo,
os cavalos e os peões desertaram;
o bispo, sábio estratega, desapareceu
não faz sentido a sua existência.
Um tabuleiro de xadrez.
Quadrados todos iguais cromaticamente
diferentes, criando um espelho difuso,
um labirinto magnético e criador
de ilusões.
Ao olhar fixamente o xadrez movimenta-se
e cria uma espiral em movimento.
Gira, gira, em movimentos concêntricos
que levam à queda
no abismo.
Movimentam-se os homens em vez das peças,
de um lado para o outro,
em linha recta,
na diagonal,
ao acaso,
sem sentido,
marionetas engendradas pelo senhor que comanda o destino.
Choram os homens o amor perdido,
o amor ilusão.
o amor utopia.
ana
O belíssimo Intermezzo de Mascagni no filme sobre a ópera Cavalleria Rusticana
de Franco Zefirelli.
Como Spectator, eu só me interessava pela Fotografia por «sentimento»; queria aprofundá-la, não como uma questão (um tema), mas como uma ferida: vejo, sinto, portanto, reparo, olho e penso.
Roland Barthes, A câmara clara. (Tradução Manuela
Torres). Lisboa: Edições 70, 2015, p. 30.
Um dos melhores livros que li sobre fotografia e o seu conceito.
Numa interpretação mais recente
You were always on my mind You were Always on my mind You were Always on my mind
Sabem quantas pessoas tem havido desde o princípio do mundo
até hoje? Duas.
Desde o princípio do mundo até hoje não houve
mais do que duas pessoas: uma chama-se a humanidade e a outra
o indivíduo.
Uma é toda a gente e a outra, uma pessoa só.
Duas?
Duas.
A mímica é uma arte só de gestos, e estes querem copiar os
próprios gestos da vida.
Entre o que a mímica desencantou na vida e veio depois imitar
publicamente à luz artificial está o enigma do Pierrot, personagem
cuja história é igual ao figurino.
O Pierrot, todo branco, de roupas largas e quase sem feitio de
vestirem um corpo humano, uma blusa pouco mais ou menos,
umas calças pouco mais ou menos, e as mangas muito compridas
não sabem o tamanho dos braços e passam para além das mãos, as
quais não necessitam para nada de estar livres, porque o não são.
Pois se não podem agarrar o que desejam!
Tudo é branco, o fato como a própria cara, e a não ser o negro da
calote e dos enormes botões fingidos que não servem para abotoar
coisa alguma, nenhuma cor da realidade se digna a convencer-nos
de que há efectivamente uma vida ali naquele retalho branco.
E Arlequim? Com o seu maillot esticado por cima da pele,
mostrando o feitio do corpo, a inquietação dos nervos, a
impaciência dos músculos e o frenesim animal.
O chapéu é de feltro negro mas posto com intenção.
Anda sempre com uma espécie de bengala que é ao mesmo tempo
o seu amigo inseparável e a sua varinha de condão, e serve
também para experimentar a valentia de todas as coisas, isto é, se
vão abaixo logo à primeira ou se é necessário puxar-lhe ainda
com mais ganas.
É difícil que Arlequim já alguma vez tenha passado despercebido
em qualquer parte.
O seu maillot é feito de trinta e sete mil pedaços de trinta e sete
mil cores e que são precisamente as trinta e sete mil histórias de
Arlequim, as quais todas juntas não chegam para fazer uma só.
Pierrot anda sempre metido consigo e não é fácil saber quando
está acordado ou a dormir.
Pelo contrário, Arlequim não pára nem um momento, não pode
estar quieto, e sem dúvida porque não anda satisfeito. Está sempre
a magicar ideias e sempre com experimentações, e não são ideias
o que falta ao Arlequim.
Pierrot é a contemplação do próprio Desejo o qual se desenvolve,
se purifica e torna-se Perfeição. É o ideal tornado Perfeição no
próprio Desejo.
Arlequim é a passagem autêntica do corpo por esta vida.
Almada Negreiros, O Pierrot e o Arlequim. in Obra Completa, vol. VII, p. 51.
Será que Almada se importaria desta associação? Tiger Lillies/ Arlequim
Que a nossa alma seja invadida por uma sagrada ambição de não nos contentarmos com as coisas medíocres, mas de anelarmos às mais altas, de nos esforçarmos por atingi-las, com todas as nossas energias, desde o momento em que, querendo-o, isso é possível.
Giovanni Pico Della Mirandola, Discurso sobre a dignidade do homem. Tradução e introdução de Maria de Lurdes Sirgado Ganho. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 55.
[da dignidade do homem, às vezes esperamos mais, resta a desilusão.]
Prefácio dos Contos Exemplares, de Sophia um texto maravilhoso de D. António Ferreira Gomes, intitulado: Pórtico.
"Que o grande pecado da cultura moderna - pecado, em verdade, não original mas herdado de toda a cultura anterior, sobretudo da cultura medieval decadente - o grande pecado cultural tem sido «usar o santo nome de Deus em vão»
(assim dizia a Cartilha, mais infelizmente esquecida ou não advertida neste ponto do que em tantos outros). Deus, fundamento de toda a Lógica ou de todo o Método para um Descartes, Deus, fundamento de toda a Ética para um Spinoza, Deus, fundamento de toda a Retórica para os pregadores e literatos barrocos, Deus fundamento de toda a política para um Cromwell, o primeiro dos ditadores modernos, isto é, de Estado totalitário (por Deus ou Contra Deus:«tanto monta, monta tanto!»), Deus enfim fundamento de tudo quanto o homem se lembra de construir a seu bel-prazer. E para mais, um deus claro e distinto, um deus mais evidente do que este pau ou esta pedra, um deus unívoco com as nossas ideias racionais e racionalistas - Verum sive intelectus, Deus sive natura, para Spinoza e para os spinozistas, que todos somos um pouco (mesmo os tomistas, quando dormitam) para quem «o primeiro artigo de fé é um racionalismo que postula inteligibilidade de Deus e das coisas» (J. Lacroix).
E por acréscimo um deus sem Mistério nem mistérios, um deus mais claro e visível do que o sol meridiano - como se o sol ao meio-dia nos fosse visível!... Hoje, talvez em linguagem mais culta, saborosa e rápida: Deus valor supremo e fonte de todos os valores! Esse novo equívoco que já Nietzsche denunciava e do qual diz Heidegger com toda a razão: « O último golpe contra Deus e contra o mundo suprassensível consiste em que Deus, o existente de todo o existente, seja rebaixado à condição de valor supremo. Não porque se tenha Deus por incognoscível, não porque se demonstre que a existência de Deus é indemonstrável, se assesta o golpe mais duro em Deus, mas sim por elevar meramente a valor supremo o Deus tido por real. E, com efeito, esse golpe não vem dos profanos que não creem em Deus, mas dos crentes e dos seus teólogos»...
Usar o santo nome de Deus em vão e caminhar-sem-Deus na vida tranquilamente não parece ser facto de hoje; ao menos não terá hoje boa imprensa... existencialista. Sobretudo na Filosofia e na Poesia, que tantas vezes se disputam, ou entre si comutam o terreno ontológico, uma como análise, outra como criação. É bem certo que há, nesses domínios, quem continue a malbaratar o nome de Deus, apondo essa etiqueta, como os primeiros cristãos exprobravam ao paganismo, a tudo quanto se lhes antolhe, menos ao único Deus vivo e verdadeiro; não é hoje porém fenómeno próprio dos mais nem dos melhores. Sobretudo não dos mais autenticamente religiosos. Não andaria muito longe de certa verdade Fernando Pessoa quando notava que, entre nós, os poetas religiosos não eram católicos e os poetas católicos não eram religiosos."
D. António Ferreira Gomes, Pórtico in "Contos Exemplares" de Sophia de Mello Breiner Andresen. Porto: Porto Editora, 2013 (36ª ed), p. 13 a 15 (1ª edição em 1962)
Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal. Quero comer devagar e gravemente como aquele que sabe o contorno carnudo e o peso grave das coisas.
Não quero possuir a terra mas ser um com ela. Não quero possuir nem dominar porque quero ser: esta é a necessidade.
Com veemência e fúria defendo a fidelidade ao estar terrestre. O mundo do ter perturba e paralisa e desvia em seus circuitos o estar, o viver, o ser. Dai-me a claridade daquilo que é exactamente o necessário. Dai-me a limpeza de que não haja lucro. Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo. Chegou o tempo da nova aliança com a vida.
-É - disse o homem -, mas não encontrámos ainda a estrada.
A mulher, porém, entornou a cabeça para trás e respirou profundamente o cheiro das árvores e da terra. Estendeu a mão no ar e na ponta dos seus dedos poisou uma borboleta.
-Ah- disse ela - mesmo perdida, vejo como tudo é perfumado e belo. Mesmo sem saber se jamais chegarei, apetece-me rir e cantar, em honra da beleza das coisas. Mesmo neste caminho que eu não sei onde leva, as árvores são verdes e frescas, como se as alimentasse uma certeza profunda. Mesmo aqui a luz poisa leve nos nossos rostos, como se nos reconhecesse. Estou cheia de medo e estou alegre.
Sophia de Mello Breyner Andresen, Contos Exemplares. ( Ilustrações de João Catarino) Porto: Porto Editora, 2013, (36ª edição). p. 97.
Um conto angustiante e triste mas também muito belo da Sophia
Rompia a aurora a assinalar o início do dia, entrelaçada com o perfume da manhã, para enaltecer os malmequeres. Colhi-os com delicadeza para com eles fazer uma coroa. Não era uma coroa qualquer, era uma coroa para coroar uma amiga.
Mother, do you think they'll drop the bomb? Mother, do you think they'll like this song? Mother, do you think they'll try to break my balls? Ooooh aah, mother, should I build the wall?
Mother, should I run for president? Mother, should I trust the government? Mother, will they put me in the firing line? Ooooh aah, is it just a waste of time?
Hush now, baby, baby, don't you cry Mama's gonna make all of your nightmares come true Mama's gonna put all of her fears into you Mama's gonna keep you right here under her wing She won't let you fly but she might let you sing Mama's gonna keep baby cosy and warm
Ooooh, babe, ooooh, babe, ooooh, babe Of course Mama's gonna help build the wall
Mother, do you think she's good enough? Mother, do you think she's dangerous? Mother, will she tear your little boy apart? Oooh aah, mother, will she break my heart?
Hush now, baby, baby, don't you cry Mama's gonna check out all your girlfriends for you Mama won't let anyone dirty get through Mama's gonna wait up till you get in Mama will always find out where you've been Mamma's gonna keep baby healthy and clean
Ooooh, babe, ooooh, babe, ooooh, babe You'll always be a baby to me