19/05/2010

A gargantilha de vidro!

São quase oito horas, Madalena penteia o cabelo, lentamente como se o pente não conseguisse tirar o enrodilhado que se tinha formado. Tem que se despachar, o tempo corre e Afonso vem buscá-la a casa!
Olha para o relógio, para o espelho e suspira... está calor, não lhe apetece apressar-se.
O jantar vai ser no S. Carlos, os convidados são de Afonso, ela não quer envergonhá-lo. Precisa de estar elegante. Após o jantar irão para o teatro, uma sessão especial a iniciar às 10:00 horas.
Sobre a cama está o livro: As Paixões da Alma, aberto ao acaso. Surpreendida lê:

"Quando a nossa alma se aplica a imaginar qualquer cousa que não existe, a representar, por exemplo, um palácio encantado ou uma quimera, e também quando se esforça por considerar qualquer cousa unicamente inteligível e não imaginável como por exemplo a sua própria natureza, as percepções que tem dessas cousas dependem principalmente da vontade que faz com que ela se aperceba."**


Depois de passar os olhos pelo texto, Madalena olhou para o estojo de veludo rosa velho que estava na mesa, abre-o e observa por algum tempo a gargantilha da avó. É bela, diz em voz alta, mas não a vou usar. Largou o vestido vermelho e pegou no preto mais simples que tinha, virou-se para o espelho e disse:
- Madalena a beleza não está na gargantilha nem no vestido, a beleza não se vê. Afonso que a procure!
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*Gargantilha Gatos de René Lalique de rocha, ouro e diamantes,(5, 4 x 33, 8 cm), Museu Fundação Calouste Gulbenkian.
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"Esta gargantilha é talvez das peças mais requintadas do artista na Colecção Gulbenkian, pois, apesar da sua aparente sobriedade e ausência de cor, constitui um verdadeiro prodígio da técnica aliado a uma criação artística excepcional. É constituída por um conjunto de pequenos quadrados de cristal de rocha gravados com decoração alternada de gatos e arbustos, ligados por uma malha quadriculada de ouro". (site do museu)
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** Descartes, O Discurso do Método, As Paixões da Alma, (Trad e notas Newton de Macedo), Lisboa:Sá da Costa, 2010, p. 97

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