O último dia de Agosto No último dia resta sempre um vazio, do que não se fez..., do tempo que passou, do relógio com horas vagarosas; da lentidão morna do Verão quente.
O último dia de Agosto
pesa sobre os nossos olhos, sobre a nossa cabeça livre... de obrigações, de acordar todos os dias à mesma hora, de percorrer os mesmos caminhos; solta o grito desesperado de que não termine.
O último dia de Agosto
é como o café vazio, com encontros por realizar, promessas por cumprir, bebidas por tomar, tertúlias por concretizar, lembranças por gravar.
O último dia de Agosto
é apenas o último dia de féria(s), nostalgia.
UNHA E CARNE
Cavaquear sobre nós laboriosamente atados,
sendo que a unha, em certos casos,
se parte a rir;
à corda contudo pesam
sonhadas situações de rutura.
Günter Grass, Sobre a Finitude.(Tradução João Bouza da Costa).Lisboa: D. Quixote, 2016, p. 152
Agradeço a todos a presença simpática, logo que possa retribuirei os comentários.
Em memória do historiador A. H. Oliveira Marques que influenciou e influencia gerações de jovens.
Eis a História de Portugal por onde aprendi no liceu, embora a minha tenha capas duras pretas, com as letras gravadas a dourado. Contudo, tinha estas capas por fora. Com o uso as capas tiveram que ser dispensadas pois, estavam gastas e com os cantos rasgados.
Hoje, nos liceus, os alunos carecem desta leitura e de outras. Talvez os manuais sejam demasiado ligeiros para os ligar aos livros.
Responsabilidade?
De todos e principalmente de quem gere os programas e currículos.
O historiador nasceu a 23 de Agosto de 1933.
(imagem retirada da net, preço justo)
22/08/2016
Cubo de Rubik Solar de Serrade, Monção
Como um cubo de Rubik
desdobro o pensamento,
as cores misturam-se numa multiplicidade
de vida confusa: o caos.
A ratio procura de novo a ordem
Arrumando cor, a cor, os quadrados iguais entre si.
Lucidez?
Sempre ela à procura de criar o axioma
que dê sentido ao universo,
o descreva,
o articule com o interior
acabando com o abismo
entre o que o homem sente e faz
entre o que quer e o que espera
entre o que o tempo lhe reserva
e o que a acção cria.
A mão… afaga devagar o cubo, vira-o,
revira-o, vira-o, revira-o, vãmente…
as cores não se iterseccionam,
ausentam-se do equilíbrio.
O arco-íris teima em não surgir
estável no céu com nuvens de algodão.
A acção é trocada pelo impasse
do tempo que tudo resolve, ou nada…
"Muitas vezes, o punctum é um «pormenor», isto é, um objecto parcial. Assim, apresentar exemplos de punctum é, de certo modo, entregar-me."
Roland Barthes, A Câmara Clara. Lisboa: Edições 70, 2015, p. 52
Moledo, pormenor da praia em dia de nevoeiro
A data ficou agendada mas acabei por me esquecer dela. O regresso ainda é lento, por isso, este registo em homenagem à fotografia só agora, 14:25 horas, ficou terminado com o texto de Roland Barthe.
A 9 de de Agosto nasceu este blogue, conta já 8 anos, ... como o tempo passa! Houve um amigo que me mostrou esta forma de comunicar, para ele bem-haja.
Como a autora merece uma pausa para ver o sol, cheirar as árvores e outros caminhos. Deixo aqui o meu agradecimento a quem me visita, me acompanha e deixa o seu generoso comentário, afecto partilhado. (Este registo ficou agendado, logo que possa retribuirei as visitas).
Num passeio à livraria de Miguel de Carvalho, com a Graça, conversou-se, viram-se livros e arte. Após essa viagem o Miguel Carvalho presenteou-nos com uma pequena brochura escrita por si, um pequeno ensaio sobre o livro-objecto.
O conceito estético da realização da brochura é bastante original e interessante. A capa é feita de radiografias por isso cada livrinho é um exemplar, per si, personalizado. A mim calhou-me uma coluna vertebral. Tal simbologia assoberbou por completo o meu sentido estético e literário.
A escrita de Miguel Carvalho não é fácil, ou não houvera escolhido Cesariny, mas é escorreita, e de lógica em lógica leva-nos ao propósito a que se propôs, o lugar do livro-objecto da poesia nos nossos dias.
A capa do meu livrinho
Começa com uma citação de Cesariny, na Pena Capital (1957)
«... o livro-objecto não se situa do lado do criador, nem do lado do observador/leitor (muito menos do lado dos marchands). Situa-se a meu entender, do lado da poesia adimensional, no espaço e no tempo de um verbo, entre a sua nascença e a sua ruína, como uma manifestação da resposta à questão cujo eco é o vazio que não o suporta. E a sua ocultação pela sociedade tem como equivalente o silêncio e o desprezo nos quais se encontram mergulhados toda a produção poética autêntica. [...]
Estes objectos poéticos reduzem-se à linguagem que lhes confere o poder que têm de nos impregnar com paisagens interiores e todo o seu interesse reside também e ainda mais além. São objectos inclassificáveis, que não "falam" uma linguagem universal mas comunicam duma forma particular que nada tem a ver com as esculturas e as assemblages tradicionais, suscitando "exaltações recíprocas" duma mise en scéne própria invasora do observador. No domínio do visível, o prazer do olhar, não obedece ao mesmo imperativo que no domínio do legível. A estética não está nos livros-objectos na ordem do logos, isto é, a título de exemplo; a sensação que nos é proporcionada pela contemplação de um quadro ou escultura, não é provocada pelo respeito duma regra semelhante àquela que rege um escrito. Mas a fusão dos dois sustenta-se de "beleza convulsiva" que tais objectos encerram...»
Para mim esta análise interessa-me como visão da arte: a palavra ou a imagem, qual delas tem mais força?
Vi um filme interessante que intersecciona as duas perspectivas.
Não há dúvida que na arte da escrita e, em particular da poesia, o aspecto psicológico é muito importante, isto é, o estado de alma, a abertura para, conta muito para a absorção da poesia. O mundo actual é o mundo da imagem, esta mais facilmente conquista o observador.
Não obstante, a palavra e a imagem cruzarem-se em planos e regras diferentes, elas têm a mesma finalidade: apaixonar e embelezar a vida.
Agradeço ao Miguel o livrinho e à Graça e ao Miguel a companhia matinal.
Words and Pictures, foca a questão abordada de uma forma mais leve; é um filme realizado por Fred Schepisi com a participação de Clive Owen e Juliette Binoche
É melancólico o traço
riscado na tela que está no cavalete
do quarto poente.
amarelo cor do astro rei
verticalmente colocado...
não é a torre de Pisa,
não é um pássaro
em voo rasante.
Será um papagaio de papel
enviado pelo sonho duma criança?
Miró não habita nesta casa
nem Picasso,
nem Dalí ou Magritte,
será o traço de Chagall?
Falta o azul do céu para ser de Chagall,
faltam as flores para ser de Picasso,
falta a janela aberta nas nuvens para ser de Magritte,
falta, o narciso para ser de Dalí,
faltam os traços vermelho e preto para ser de Miró.
Quem é afinal este pintor?
um homem sem rosto,
à procura do disco solar,
um homem cujo pincel está pousado na paleta...
de olhar vazio, no silêncio e escuridão do labirinto
onde habita um fauno.
Perder ou ganhar?
A luz ténue do traço amarelo só confunde.
A tela continua vazia no quarto a poente da casa.
A Europa no século XVI, vista por um judeu provavelmente nascido em Portugal, descendente de judeus espanhóis. Samuel Usque passou a sua vida entre o ensino e o estudo, "e deve ter sido rabino"(p.25)*. Morreu em Ferrara.
O tempo avança mas nada muda... ou muda muito ligeiramente. Intolerância, poder, riqueza, economia-mundo, guerras...
Pois, Europa, Europa, (meu inferno na terra), que direi de ti, se de meus membros tens feito a mor parte de teus triunfos? De que te louvarei, viciosa e guerreira Itália? Em ti os famintos liões se cevarom, espedaçando as carnes de meus cordeiros. Viçosos prados franceses, peçonhentas ervas pascerom em vós minhas ovelhas. Soberba áspera e montanhosa Alemanha, em pedaços cairom do cume de teus fragosos Alpes minhas cabras. Ingresas [Inglesas], doces e frias águas, amargas e salobras beberagens bebeu de vós meu gado. Hipócrita, cruel e loba Espanha, rabazes [rapazes] e encarniçados lobos tragarom e inda tragam em ti meu veloso rabanho.
Samuel Usque, in Dial. I, I-II , do livro Consolaçam, as Atribulaçoens de Israel...
*Prosadores Religiosos do século XVI, Samuel Usque, Fr. Heitor Pinto, Fr, Amador Arrais, Fr. Tomé de Jesus. (Selecção, prefácios e notas de Alcides Soares e Fernando Campos) Coimbra: Casa do Castelo, 1950, p. 44.
Este livro veio da livraria Lumière ainda situada na Travessa da Cedofeita.