Na nova Lumière fui muito bem recebida, como sempre. O espaço é fantástico, a luz é dominante, ou não se chamasse assim a livraria. Ao fundo, a galeria de escritores. Uma cadeira, um café e a companhia agradável da Cláudia e da Alexandra Ribeiro. Muito acolhedora esta livraria, já o era no passado, agora é mais porque nos oferece um espaço maior.
De lá trouxe o livro que ando a ler: Infernos de Jean Genet. Um livro poético, lucidamente amargo, uma auto-crítica? Não sei se será, mas é um livro em que o escritor faz um ajuste de contas consigo e com o mundo marginal de que fazia parte.
Não há - nem mesmo tu - quem te perdoe a beleza. Não há - e mesmo tu - quem saiba fazer mais do que desatar a rir perante as maldições indeslindáveis que te deixam melancólico. Serás em breve só a memória da tua beleza. Dela restará o canto, e depois o canto deste poema que abandonas, e talvez mais longe «esta ideia de miséria infinita». Trabalha. Manifesta brilhantemente aquilo que o mundo já condenou em ti e não os astros. (...)
Jean Genet, Infernos, Fragmentos. (Tradução e prefácio de Aníbal Fernandes). Lisboa: Hiena Editora, 1990, p. 38
... Já passaram 25 anos que morreu Freddie Mercury.
Tarde de Outono,
uma cascata sinfónica
corta o silêncio majestoso do jardim,
espaço cénico do botânico que o criou.
Os amantes procuram a paz
para fazer juras de amor.
Os poetas procuram a quietude
para escrever.
Os pintores procuram a mansidão,
para colocarem na tela
a impressão dourada das folhas.
As crianças procuram na água
os peixinhos vermelhos
e a alegria de chapinhar.
A folha cai da árvore lentamente,
flutua no ar... flutua
cai na água e rodopia
em movimentos concêntricos,
à procura de ti.
Nostalgia
o castanheiro da avó
ficou perdido no bosque
já ninguém o visita.
Debaixo da frondosa copa,
à sombra das suas folhas dançantes,
os livros ficaram perdidos
pousados junto às raízes fortes.
As memórias boas e funestas
são sombras e afectos perdidos.
O canto dos pássaros continua...
a vida continua, o canto também,
mas os pássaros são outros, ...
O livro aberto está em branco,
a passagem do tempo apagou a escrita,
apagou o nome,
apenas ficou o coração desenhado na árvore.
O castanheiro da avó
permanece inteiro, em direcção ao céu,
no chão ficaram duas ou três castanhas.
You may have heard the world is made up of atoms and molecules, but it's really made up of stories. When you sit with an individual that's been here, you can give quantitative data a qualitative overlay.
intensidade
dilema
grau
tristeza
profundidade
desencontro
incenso que não arde,
velas derretidas em candelabro de prata.
Perfume perdido,
na impotência física
da porta em ruínas.
...Tristeza.
Deus pede estrita conta de meu tempo. E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta. Mas, como dar, sem tempo, tanta conta Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo, O tempo me foi dado, e não fiz conta, Não quis, sobrando tempo, fazer conta, Hoje, quero acertar conta, e não há tempo.
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta, Não gasteis vosso tempo em passatempo. Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta! Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo, Quando o tempo chegar, de prestar conta Chorarão, como eu, o não ter tempo...
Frei António das Chagas, in Antologia Poética (citador)
-Seria bom, Agatão, que a sabedoria fosse uma coisa que se
pudesse transmitir, de um homem que a possui, a um homem que não a possui,
mediante um simples contacto mútuo, tal como a água que passa para um copo
vazio através de um simples fio de lã.
Platão, O Banquete ou do Amor, Coimbra: Atlântida Editora,
sd, p. 44.