22/11/2014

Oito rostos ou o efeito espelho

Oito rostos ou o efeito espelho
Vermeer revisitado

AO ESPELHO

Por que persistes, incessante espelho?
Por que repetes, misterioso irmão,
O menor movimento de minha mão?
Por que na sombra o súbito reflexo?
És o outro eu sobre o qual fala o grego
E desde sempre espreitas. Na brunidura
Da água incerta ou do cristal que dura
Me buscas e é inútil estar cego.
O facto de não te ver e saber-te
Te agrega horror, coisa de magia que ousas
Multiplicar a cifra dessas coisas
Que somos e que abarcam nossa sorte.
Quando eu estiver morto, copiarás outro
e depois outro, e outro, e outro, e outro...

Jorge Luís Borges,  "O ouro dos tigres" in Obras Completas 1952-1972. Lisboa: Teorema, 1998, p. 517.


12 comentários:

  1. "O pintor está diante do espelho, não de viés ou a três-quartos, conforme se queira designar a posição em que costuma colocar-se quando decide escolher-se a si mesmo para modelo. A tela é o espelho, é sobre o espelho que as tintas irão ser estendidas. O pintor desenha com rigor de cartógrafo o contorno da sua imagem. Como se ele fosse uma fronteira, um limite, converte-se em seu próprio prisioneiro. A mão que pinta mover-se-á continuamente entre os dois rostos, o real e o reflectido, mas não terá lugar na pintura. A mão que pinta não pode pintar-se a si própria no acto de pintar. É indiferente que o pintor comece a pintar-se no espelho pela boca ou pelo nariz, pela testa ou pelo queixo, mas deve ter o cuidado supremo de não principiar pelos olhos porque então deixaria de ver. O espelho, neste caso, mudaria de lugar. O pintor pintará com precisão o que vê sobre aquilo que vê, com tanta precisão que tenha de pergunta-se mil vezes, durante o trabalho, se o que está a ver é já pintura, ou será apenas, ainda, a sua imagem no espelho."
    José Saramago

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    1. Obrigada, Rogério.
      O trecho que colocou é muito interesante.
      Boa noite!:))

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  2. "Quando eu estiver morto, copiarás outro / e depois outro, e outro, e outro, e outro." Esta é a verdade que não vale a pena esconder.
    Os milhões de imagens que se pegam em nós são constantemente processadas, amalgamadas na ambiência de cada um e replicadas indefinidamente.

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  3. Gosto de Borges e gosto de espelhos, sobretudo pelo seu valor iconográfico, literário e simbólico. Obrigada pela partilha. Beijinhos e bom Sábado!

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    1. Boa noite, Margarida.
      O espelho na arte interessa-me muito, pois para além do desafio da sua execução há o simbolismo que foca.
      Beijinho. :))

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  4. Bem interessante...
    Nem sempre gostamos do que vemos nos espelhos; do que eles nos mostram!...

    Beijinhos.:)

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  5. Esses apesar da verdade nua e crua são os espelhos que devemos ter.
    Boa noite!:))

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  6. Ana,
    Tenho-a visitado com assiduidade, mas ultimamente não tenho deixado rasto. Limito-me a ver, a ouvir, a fruir...
    É tão bom cirandar por aqui...!

    Beijo :)

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  7. Obrigada, AC.
    É bom vê-lo por cá.
    Beijinho.:))

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