15/11/2014

A Biblioteca de Babel

A Biblioteca de Babel                                                            Rembrandt, Titus sentado à secretária, 1655, Museu Boijmans Van Beuningen, de Roterdão,
TitusO universo (a que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no meio, cercados por parapeitos baixíssimos. De qualquer hexágono vêem-se  os pisos inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte estantes, a cinco longas estantes por lado cobrem todos os lados menos dois; a sua altura, que é a dos pisos, mal excede  a de um bibliotecário normal. Uma das faces livres dá para um estreito saguão, que vai desembocar noutra galeria, idêntica à primeira de todas.  À esquerda e à direita do saguão há dois gabinetes minúsculos. Um permite dormir de pé; o outro satisfazer as necessidades fecais. Por aí passa a escada em espiral, que se afunda e se eleva a perder de vista. No saguão há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca é infinita (se o fosse realmente, para que servira esta duplicação ilusória?); eu prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito... A luz provém de umas frutas esféricas que têm o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que imitem é insuficiente, incessante.
Tal como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, se calhar o catálogo dos catálogos; agora que os meus olhos quase não conseguem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer a poucas léguas do hexágono em que nasci.
(...)

Jorge Luís Borges, "Ficções" in Obras Completas, 1923-1949, Vol. I. Lisboa: Teorema, 1998, p. 483.

Detalhe de Melancolia de Albrecht Dürer (aqui de novo) Imagem daqui

Tal como Titus olho embevecida,
as infinitas estantes contidas
em pequenos hexágonos.
Poliedros?
Vida 
em pequenos hexágonos
poligonais... 
procuro o livro sublime,
o Livro dos livros.

[Em diálogo com Jorge Luís Borges, notas do dia].


8 comentários:

  1. Em cada momento, procuramos o livro certo... nem sempre encontramos!
    As imagens são belíssimas!

    Boas leituras e bom fim-de-semana.:))

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    1. Cláudia,
      Ando a reler Borges, folheando aqui e ali, como quem lê poesia.
      O livro certo? ... uma certa angústia para o encontrar.
      Beijinho. :))

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  2. Que interessante, Ana. Bom Sábado e beijinhos!

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  3. Maravilhoso quadro de Rembrandt, que olhar tão bonito e tão curioso! Um beijinho

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    1. Pois é, Maria João.
      O retratado é filho do pintor.
      Beijinho. :))

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  4. O mundo é a biblioteca ou a biblioteca o mundo (porque o contém)? Como forma definida - hexagonal poligonal - agregada infinitamente na unidade. Não formulo isto numa expressão indefinida porque as coisas são palavras e as palavras são coisas(?).
    Tudo é milagrosamente possível, até o diálogo com o passado como a Ana tão bem fez.
    O desafio, agora, é compreender a materialidade efémera do ter (na mão) que nos escapa do real para o virtual, a tomar forma demencial, absoluta, percorrendo o espaço mundo / universo à velocidade da luz, assustadoramente / maravilhosamente, pela ação mágica de um clic.
    Boa noite.

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  5. Obrigada pelo clic, Agostinho.:))
    Boa noite.

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