Oito rostos ou o efeito espelho
Vermeer revisitado
AO ESPELHO
Por que persistes, incessante espelho?
Por que repetes, misterioso irmão,
O menor movimento de minha mão?
Por que na sombra o súbito reflexo?
És o outro eu sobre o qual fala o grego
E desde sempre espreitas. Na brunidura
Da água incerta ou do cristal que dura
Me buscas e é inútil estar cego.
O facto de não te ver e saber-te
Te agrega horror, coisa de magia que ousas
Multiplicar a cifra dessas coisas
Que somos e que abarcam nossa sorte.
Quando eu estiver morto, copiarás outro
e depois outro, e outro, e outro, e outro...
Jorge Luís Borges, "O ouro dos tigres" in Obras Completas 1952-1972. Lisboa: Teorema, 1998, p. 517.
Por que persistes, incessante espelho?
Por que repetes, misterioso irmão,
O menor movimento de minha mão?
Por que na sombra o súbito reflexo?
És o outro eu sobre o qual fala o grego
E desde sempre espreitas. Na brunidura
Da água incerta ou do cristal que dura
Me buscas e é inútil estar cego.
O facto de não te ver e saber-te
Te agrega horror, coisa de magia que ousas
Multiplicar a cifra dessas coisas
Que somos e que abarcam nossa sorte.
Quando eu estiver morto, copiarás outro
e depois outro, e outro, e outro, e outro...
Jorge Luís Borges, "O ouro dos tigres" in Obras Completas 1952-1972. Lisboa: Teorema, 1998, p. 517.
"O pintor está diante do espelho, não de viés ou a três-quartos, conforme se queira designar a posição em que costuma colocar-se quando decide escolher-se a si mesmo para modelo. A tela é o espelho, é sobre o espelho que as tintas irão ser estendidas. O pintor desenha com rigor de cartógrafo o contorno da sua imagem. Como se ele fosse uma fronteira, um limite, converte-se em seu próprio prisioneiro. A mão que pinta mover-se-á continuamente entre os dois rostos, o real e o reflectido, mas não terá lugar na pintura. A mão que pinta não pode pintar-se a si própria no acto de pintar. É indiferente que o pintor comece a pintar-se no espelho pela boca ou pelo nariz, pela testa ou pelo queixo, mas deve ter o cuidado supremo de não principiar pelos olhos porque então deixaria de ver. O espelho, neste caso, mudaria de lugar. O pintor pintará com precisão o que vê sobre aquilo que vê, com tanta precisão que tenha de pergunta-se mil vezes, durante o trabalho, se o que está a ver é já pintura, ou será apenas, ainda, a sua imagem no espelho."
ResponderEliminarJosé Saramago
Obrigada, Rogério.
EliminarO trecho que colocou é muito interesante.
Boa noite!:))
"Quando eu estiver morto, copiarás outro / e depois outro, e outro, e outro, e outro." Esta é a verdade que não vale a pena esconder.
ResponderEliminarOs milhões de imagens que se pegam em nós são constantemente processadas, amalgamadas na ambiência de cada um e replicadas indefinidamente.
:))
EliminarBoa noite, Agostinho.
Obrigada.:))
Gosto de Borges e gosto de espelhos, sobretudo pelo seu valor iconográfico, literário e simbólico. Obrigada pela partilha. Beijinhos e bom Sábado!
ResponderEliminarBoa noite, Margarida.
EliminarO espelho na arte interessa-me muito, pois para além do desafio da sua execução há o simbolismo que foca.
Beijinho. :))
Bem interessante...
ResponderEliminarNem sempre gostamos do que vemos nos espelhos; do que eles nos mostram!...
Beijinhos.:)
Pois é.
EliminarObrigada Cláudia.
Beijinho. :))
Há espelhos que não mentem
ResponderEliminarEsses apesar da verdade nua e crua são os espelhos que devemos ter.
ResponderEliminarBoa noite!:))
Ana,
ResponderEliminarTenho-a visitado com assiduidade, mas ultimamente não tenho deixado rasto. Limito-me a ver, a ouvir, a fruir...
É tão bom cirandar por aqui...!
Beijo :)
Obrigada, AC.
ResponderEliminarÉ bom vê-lo por cá.
Beijinho.:))