Hieronymus Bosch, detalhe de O Jardim das Delícias,(1480-1505) painel central, Museu do Prado
(Wikipedia)*
Formou Deus o homem, e pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices.
O homem - não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando, em seus moldes de ferro, aquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoara à imagem da divindade-, o homem, assim, aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, mais disparatado e incongruente que habita na Terra.
Almeida Garret,
Viagens na Minha Terra. Circulo de Leitores, 1987, p. 123.
Detalhe do volante direito do Jardim das Delícias*
No blogue de Lídia Borges, Searas de Versos, li um trecho do livro de Saramago, A Viagem a Portugal. A leitura levou-me a procurar o livro na Biblioteca Municipal.
Eis que ao folheá-lo, na primeira página que antecede o índice, li a dedicatória:
A quem me abriu as portas e mostrou caminhos
- e também em lembrança de Almeida Garret,
mestre de viajantes.
Estando na biblioteca, logo procurei o livro de Garret que li há alguns anos. Numa leitura transversal deparei-me com o trecho que transcrevi. Olhei para o horizonte, para todos os que se deixam corromper quer na política, quer numa outra atividade, e faça-se jus a Garret que magistralmente descreve a natureza humana.
Não pude deixar de sorrir, ao olhar para trás, e aperceber-me que não dei a importância que as Viagens na Minha Terra merecem. O brilhantismo académico, o humanismo e a eloquência são apanágio do grande escritor.
Quanto a Saramago, a sua Viagem a Portugal prende a nossa atenção. Pegamos na mochila, na máquina fotográfica e cada momento retratado na escrita transforma-se em realidade. Não supera Garret, nem é essa a intenção, a singularidade de cada escritor marca a sua genialidade.
Pátio das Escolas, Universidade de Coimbra
Fotografia retirada da Wikipedia
Enfim, esta é a Universidade de Coimbra, donde muito terá vindo de Portugal, mas onde algum mal se preparou. O viajante não vai entrar, focará sem saber que jeito tem a Sala dos Actos Grandes e como é por dentro a Capela de São Miguel. O viajante às vezes é tímido. Vê-se ali, no Pátio das Escolas, rodeado de ciência por todos os lados, e não ousou ir bater às portas, pedir esmola de um silogismo ou um livre-transito para os Gerais. Junte-se a esta cobardia a convicção profunda eem que está o viajante de que a universidade não é Coimbra, e perceber-se-á por que a este Pátio das Escolas se limita a dar a volta, sem gosto pelas estátuas da Justiça e daFortaleza que o Laprade armou na Via Latina, mas de gosto rendido diante do portal manuelino da Capela de São Miguel, e tendo entrado pela Porta Férrea por ela tornou a sair.
José Saramago, Viagem a Portugal. Lisboa: Caminho, 1995 (11ª edição), p. 137.
A Universidade de Coimbra foi consagrada pela UNESCO Património Mundial [para nossa alegria].