A todos agradeço a partilha e a presença no desafio.
Lucas Cranach, Melancolia, 1532
Statens Museum for Kunst, Copenhaga
FUTURO
Isto vai meus amigos isto vai um passo atrás são sempre dois em frente e um povo verdadeiro não se trai não quer gente mais gente que outra gente. Isto vai meus amigos isto vai o que é preciso é ter sempre presente que o presente é um tempo que se vai e o futuro é o tempo resistente. Depois da tempestade há a bonança que é verde como a cor que tem a esperança quando a água de Abril sobre nós cai. O que é preciso é termos confiança se fizermos de Maio a nossa lança isto vai meus amigos isto vai.
Ary dos Santos, in Obra Poética (Casa Fernando Pessoa)
Os portugueses andam tristes e insatisfeitos com a crise e as políticas traçadas pelos nossos governantes. A Sandra, do blog Presépio com Vista para o Canal, acerca da imutável tristeza do povo português - já confirmada num pensamento do historiador A.H.Oliveira Marques sobre os portugueses de quinhentos - escreveu:
A insatisfação desceu à rua. Lisboa, 2013
«Não sei se concordo que somos um povo triste; direi antes, que estamos muito tristes e desalentados devido as dificuldades económicas do momento e as preocupações associadas.
Quando cheguei aos Países Baixos, e nos primeiros anos, senti falta dos barulhos das conversas nos nossos cafés/restaurantes, dos risos nas esplanadas, do toque mais solto dos portugueses. Mas eu saí de Portugal em 2007, altura que os meus amigos e conhecidos não acreditavam quando lhes dizia que Portugal estava a mergulhar numa crise económica profunda que vinha para ficar um tempo considerável. Lembro-me de dizer ao meu marido: "Ou saímos agora, ou já será muito difícil". Este ano, quando aí fui, encontrei um ambiente muito carregado e deprimido e já não o ambiente solto que me recordava.
Mas concordo que temos mais propensão para pensarmos que somos piores que os outros, que a nossa situação é sempre pior que a do vizinho, que o que é de fora é sempre melhor - visão na qual não me incluo, pois temos um património (seja arquitectónico, musical, natural,...) e cultura invejáveis. Irrita-me também quando oiço o discurso que somos um país pequeno e periférico e por isso, somos pobres e coitadinhos e uns desgraçados e mais não sei o que. Até onde sei, a Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo, o Lienchtestein são países mais pequenos que Portugal e... mais ricos. Nós temos muitos e variados recursos, cuidamos mal, isso sim(veja-se o caso das florestas, por exemplo, e os incêndios que ocorrem todos os anos). E não somos periféricos; estamos sim, no centro do mundo, entre a Europa, a África e a América - saibamos pois, tirar partido desta localização geográfica formidável.
O comentário já vai longo, mas vou contar-te uma pequena história que se passou aqui, comigo, logo no início. Estava numa consulta de ginecologia, com uma médica holandesa, já perto dos sessenta anos, que me perguntou com ar irónico e a gozar se Portugal já pertencia a Europa. Não gostei do tom, nem da pergunta. Respondi que sim, há muito tempo, que éramos a nação mais antiga da Europa e aquela com fronteiras definidas há mais tempo, que tínhamos feito a primeira globalização, que démos novos mundos ao mundo e que estávamos na UE desde meados dos anos 80. E na sequencia de outros comentários menos abonatórios e injustos a Portugal, acrescentei que temos cientistas brilhantes, escritores e músicos de renome mundial e que recebemos prémios internacionais com muita frequência, incluíndo nas áreas da Saúde e da Biologia. Bom, isto para dizer, que, apesar dos pesares, não temos de baixar a cabeça a ninguém e não valemos menos que ninguém. Tomara muitos países, incluíndo este onde vivo, terem as taxas de sucesso que temos em determinadas áreas.
Agora se me perguntares o que faz, na minha opiniao, atrasar Portugal, direi: a impunidade face a corrupção, o xico-espertismo, o compadrio, a má gestão de dinheiros públicos e o consequente desperdício (anos e anos nisto...), o facto de, a troco de uns dinheiros, termos deixado cair a agricultura, a pesca e a indústria e o termos deixado, ao longo de muitos anos, de valorizar o que é nosso e bom (...). »
A Sandra vive na Holanda.
A todos os meus amigos e visitantes deste blog lanço o desafio de escreverem algo sobre este tema, uma frase, um poema, uma música, uma foto, uma tela, algo que personifique a inalterável (ou alterável) tristeza de "ser português". O vosso contributo e partilha ficará registado com o meu agradecimento.
Pranta Bass viveu no gueto de Theresienstadt e com 12 anos escreveu:
El jardín Pequeño, pero lleno de rosas, el jardín va por el camino niño pequeño niño precioso lindo como un pimpollo cuando se abra el pimpollo muerto estará el niño pequeño.
Bess P., Aquí no hay mariposas. Dibujos y poemas de los niños del gueto Theresienstadt, legado y biblioteca obrera, a través del Museo Nacional Judío de Praga, 1990.
Pranta Bass foi assassinado dois anos depois em Auschwitz. Em sua memória e na de todos que pereceram no Holocausto.
Aos amigos que, noutro lugar e aqui, partilharam o afeto: Agradeço.
Hans Memling, Musician Angels, (c.1480)
Koninklijk Museum voor Schone Kunsten, Antwerp, Belgium
Num livro que me foi oferecido sobre música
Para todos
Os Amigos
Os amigos amei despido de ternura fatigada; uns iam, outros vinham, a nenhum perguntava porque partia, porque ficava; era pouco o que tinha, pouco o que dava, mas também só queria partilhar a sede de alegria— por mais amarga.
Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia" (retirado do Citador)
Junto os poemas de duas amigas:
*** Da Isabel do Palvaras de Aqui e Dali
Poema A vida é feita de instantes Em constante oposição. Nenhum é como foi dantes. Foram-se uns, outros virão. Só o homem é igual Em desigual sempre ser. Quem sabe o que o mundo vale Melhor sabe não saber. A cada esperança perdida, Logo outra esperança é primeira. O que mais espanta na vida É a própria vida inteira.
Armindo Rodrigues
(1904-1993)
***
Da Cláudia, da Livraria Lumière
Bons amigos
Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!
Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!
Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!
Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!
Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!
Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!
Machado de Assis *** Da Maria João do Falcão de Jade O delicioso Snoopy
***
Da Margarida Elias, entre as jóias que enviou escolhi esta que me fez lembrar a minha infância.
A birthday is just the first day of another 365-day journey around the sun. Enjoy the trip. ~Author Unknown
O temporal que assolou o nosso país teve destas coisas: derrubar árvores centenárias que embelezavam os caminhos.
Os dois últimos dias e as duas últimas noites passaram mais lentamente, os candelabros substituíram a luz dando um ambiente diáfano e contrapondo o acelerado tempo dos media.
Se por um lado houve mais diálogo por outro distanciamo-nos do mundo. A frase de Ovídio:
"Nada é mais forte que o hábito",
torna-se peremptória.
O cinema tornou-se uma redoma perfeita, foi a fuga possível da falta de luz.e do frio que só a lareira dirimia.
Les Misérables de Tom Hooper, baseado na obra com o mesmo nome de Victor Hugo, foi o filme que fui ver mas ao fugir do frio encontrei o frio dos miseráveis, a frieza do tempo em que a justiça social era inexistente. Será que caminharemos para esta frieza?
Compreendo o frio imponente da Natureza, mas não compreendo a frieza humana a que o liberalismo político e económico nos está a enredar.
Emile-Antoine Bayard (1837-1991), Jean Valjean a minha personagem preferida.
“If there's only one nation in the sky, shouldn't all passports be valid for it?”
Yann Martel, Life of Pi
Vi a Vida de Pi, um filme de Ang Lee. A beleza das imagens, a força da natureza, o tigre que todos encontramos no caminho são personagens numa história de sobrevivência.
O filme é uma brilhante metáfora da viagem que percorremos, que traçamos, que escolhemos, dos acasos que tocamos, da perseverança que perfilhamos e da razão interiorizada num mundo religioso onde Deus pode ter vários nomes.
Choveu imenso e à chuva misturou-se o sal e as heras do meu jardim.
Após a Maria João, do Falcão de Jade, relembrar Brel.
[Se todos os vazios fossem repletos de flores o mundo seria mais delicado.]
Albrecht Dürer, Aquilegia Vulgaris L.., 1526, daqui
Je vous ai apporté des bonbons Parce que les fleurs c'est périssable Puis les bonbons c'est tellement bon Bien que les fleurs soient plus présentables...
Versos do refrão da música Les Bonbons,
Jacques Brel
Como Diógenes a Alexandre, só pedi à vida que me não tirasse o sol. Tive desejos, mas foi-me negada a razão de tê-los. O que achei mais valeria tê-lo realmente achado. O sonho (...)
s.d.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego. Lisboa: Ática, 1982. vol- I, p 196. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.)
Em especial para a Sandra do blog Presépio Com Vista para o Canal. :)
Sobre a citação de Zafón: "não se olha a vida nos olhos", o olhar penetrante e indecifrável de Dürer está associado ao trabalho produzido. Será um paradoxo?
Detalhe, Albrecht Dürer, Auto-retrato, 1498, daqui
Museu Nacional do Prado, Madrid
- Enquanto se trabalha, não se olha a vida nos olhos.
Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento. Lisboa: D Quixote, 2004, p.379.
Do mesmo livro não resisto em colocar outra citação que me encanta:
«...os acasos são as cicatrizes do destino.», p.456.
Começa a faina.
Amanhece e o relógio interroga-nos. É uma pena não sermos donos do tempo.
As viagens ficam adiadas. Os livros amontoam-se para serem abertos com mais lentidão. Nas gavetas aglomeram-se pedaços de memórias soltas.
A rotina impõe-se clara e sem tréguas. Somos escravos do tempo e do lugar.
Abro a janela sobre as árvores despidas, o frio entra e bate na cara mas nem ele me tira da letargia em que me encontro.
O manto branco desejado, quiçá o retardador de relógios, não cobre a paisagem. Nem o silêncio harmonioso habita esta casa. Rompe-o o estrepitante ruído da cidade acordada que não se compadece de sonhos.
A água chia no púcaro que elevo à boca. A água chia no púcaro que elevo à boca. «É um som fresco» diz-me quem me dá a bebê-la. Sorrio. O som é só um som de chiar. Bebo a água sem ouvir nada com a minha garganta.
29-5-1918 in “Poemas Inconjuntos”.
Fernando Pessoa, Poemas Completos de Alberto Caeiro. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994, p. 144.
2013
Ainda tão novo vive de memórias.
Ontem no início do ano ouvi a versão de Bridge Over Troubled Water na voz de Elvis
Bom ano e que a ponte seja mais forte que aguente as águas turbulentas!:)