23/03/2011

"...entre as minhas ideias e as ideias correntes..."

Do meu país que amo uma tristeza imensa me afecta: a crise profunda em que estamos a cair, uma crise de valores, uma crise política e económica. À volta deste marasmo, uma oligarquia imponente procura a vontade de poder e não a vontade de cuidar de um povo.

Não pude deixar de me lembrar das palavras de Umberto Saba que um amigo me fez conhecer.

x

Carlo Levi, ritratto di Umberto Saba olio su tela




Vou fazer minhas as palavras de Umberto Saba:


«...entre as minhas ideias e as ideias correntes existe um abismo sem pontes.»




Manuel Poope, Novas Crónicas Italianas, Lisboa:Teorema, 1994, p.103




Umberto Saba nasceu em Trieste, em 1883, e morreu em Gorizia, em 1957. Sobre a poesia de Saba:
"Herdeira de uma tradição poética classicista com origem em Dante, na qual se podem incluir autores como Petrarca, Parini, Manzoni, Leopardi e o Foscolo dos sonetos, das odes e de Dei sepolcri, a poesia de Saba é a procura persistente de uma perfeição e coerência formais com que cobrir a aspereza do vivido e do sentido, com as suas contradições, a sua incompletude, as suas consequências".
No site da Nova Almedina

ULISSES

Na minha juventude naveguei
ao longo das costas da Dalmácia. Ilhéus
à flor das ondas emergiam, onde raro
uma ave buscava a sua presa,
cobertos de algas, escorregadios, ao sol
belos como esmeraldas. Quando a noite
e a maré alta os ocultavam, as velas
sob o vento o largo demandavam,
para fugir da cilada. Hoje o meu reino
é essa terra de ninguém. No porto
acendem-se as luzes para outros; a mim para o alto mar
me leva ainda o não domado espírito,
e da vida o doloroso amor.

Umberto Saba, in Poesia, selecção, tradução, introdução e notas de José Manuel de Vasconcelos, Assírio & Alvim, 2010. Apanhado aqui.


xCarlo Levi, Carlo Levi, Autoritratto, 1945


Olio su tela, cm 42 x 34, Roma, Fondazione Carlo Levi

Carlo Levi foi um pintor, escritor, anti-fascista activista e médico judeu que nasceu em Turim em 1902.

8 comentários:

  1. Como a compreendo...
    Veja isto, Ana:
    http://economico.sapo.pt/noticias/bruxelas-questiona-contas-publicas-de-2010_114082.html
    Nao tenhamos cuidado com o bom nome do pais, nao...
    Um destes dias, somos todos vistos como potenciais mentirosos e pouco serios no trabalho, a conta destas historias e da ma imagem que certos politicos vao dando...
    Ja vou ouvindo comentarios depreciativos acerca dos nossos governantes e da situacao do pais...e muito embaracoso...so espero que nao comecem a pensar duas vezes sobre a seriedade de cada portugues que aparece como candidato...e facil cair na generalizacao e no estereotipo...julgarem que somos todos como certas figuras...

    ResponderEliminar
  2. ANA, TE OFERECEMOS UM PRÊMIO. ESTAMOS FELIZES POR TÊ-LA SEMPRE PERTO E DE COMO A SERIEDADE DOS FATOS PODE SER EXPOSTA COM GENTILEZA E REALIDADE.

    5 BJS NOSSA AMIGA,

    http://cozinhadosvurdons.blogspot.com/2011/03/um-premio-uma-joia-entre-amigos.html

    ResponderEliminar
  3. Sandra,
    É preocupante e compreendo bem como é estar num país diferente e ter que ser forte para combater uma imagem que não abona a nosso favor.
    Bjs! Irei ver. :)

    Cozinha dos Vurdóns,
    Muito obrigada pelo prémio que julgo não ser merecedora porque não ajudo os outros da mesma forma activa como o fazem.
    Tento chegar a uma população alvo mas nem sempre desperta para escutar e respeitar as diferenças!


    5 Bjs

    ResponderEliminar
  4. Olá Ana,

    Não é uma questão, é uma realidade colocar em causa a seriedade de cada português que aparece como candidato.
    Eu coloco!
    Quem lá está e esteve não apareceu por acaso, mas sim porque existiram vários portugueses que acreditaram nele(s) e votaram.
    A credibilidade, essa já se perdeu à muito tempo, mas agora é que os portugueses se estão a sentir 'apertados'. Mas alguns ainda conseguem respirar...
    Vamos lá deixar a ingenuidade de parte.

    Excelente post Ana.

    Um beijo sem crise, sem politica e sem hipocrisia.

    Blue

    ResponderEliminar
  5. Olá Blue,
    Concordo com o que dizes.
    Sou uma inconformista, o poder, por vezes, causa-me arrepios porque nunca é usado para o bem, nem obedece a ideais.
    Beijinhos e fico contente por teres gostado.

    ResponderEliminar
  6. Ana, eu nao me expressei bem no meu ultimo comentario. Peco desculpa. Quando disse " so espero que nao comecem a pensar duas vezes sobre a seriedade de cada portugues que aparece como candidato" referia-me aos portugueses que se candidatam a empresas no estrangeiro. Faltou-me esta parte. Eu nao quero que comecemos a ser tomados pela bitola dos nossos governantes ["e portugues, logo deve ser trafulha ou algo do genero"]. Eu bem sei as generalizacoes gratuitas que escuto em relacao a colaboradores de outras nacionalidades...
    E ja me basta as piadas que vamos ouvindo a proposito dos desmandos dos nossos governantes e do estado em que o pais se encontra. As vezes, e dificil tentar explicar que ainda ha gente seria, que gosta de trabalhar, que tem as suas contas saldadas e que nao somos todos "uma cambada" de pedinchoes, pouco confiaveis no cumprimento dos seus deveres...
    Relativamente aos politicos, como e obvio, gosto de estar informada para decidir em consciencia. Nem poderia tomar as minhas decisoes de outra maneira.
    Beijinho e desculpe o tempo tomado :-)

    ResponderEliminar
  7. Umberto Saba é, no meu sentir, o maior poeta do século xx.

    Obrigado por ele.

    A minha frase, que, generosamente cita, data de há mais de 16 anos.
    Entre “as minhas e as ideias correntes”, continua a existir “um abismo sem pontes”.

    Mas as ideias correntes são as dos espoliadores e das vítimas:
    aqueles a quem limitaram a
    liberdade de saber e, consequentemente, impuseram uma forma de analfabestismo.

    De não-cultura.

    Depois de haver escrito o que transcreve, encontrei em África, em Israel, em Portugal, em Moscovo, na Turquia, no Cairo, em Londres, na saudosa Itália, em suma, por toda a parte, uma juventude inconformada, que me abriu pontes.

    Que me fez confiar no futuro.

    É certo que, tal qual diz Salinger, “todos crescemos mas a maior parte de nós limita-se a envelhecer”.

    Deposito a minha confiança, entrego o meu coração e o meu amor –àqueles que recusam envelhecer, desistir do sonho, da utopia, da exigência.

    Da sua humanidade, da sua liberdade, do respeito por eles próprios e pelos outros.

    Bem haja! Deu-me a oportunidade de escrever isto.

    ResponderEliminar
  8. Sandra,
    Julgo que cheguei quase ao que queria comunicar. As generalizações fazem-se mas quem tem um brilhante curriculum nada tem a temer. Gostei e gosto que comente é uma forma de me aproximar do estrangeiro. Adorava viver fora do país. Além disso, li livros sobre o que estrangeiros pensam de Portugal e é sempre bom avaliarmos essa imagem que construímos.
    Bjs. :)

    Manuel Poppe,
    Percebi o contexto e achei que podia extrapolar para a situação actual. Os nossos governantes estão a contribuir para o analfabetismo institucional, disfarçando os resultados de uma educação/cultura que não se cultiva.

    Vê-se que pouco ligam à cultura, os espectáculos são caros, os subsídios parcos. Uma juventude alienada com jogos e imagens deixa que os outros pensem por eles. Felizmente, ainda há quem escape desta situação.
    os nossos jovens estão a ser vítimas e vão contribuir para a passividade como ficou demonstrado nas últimas eleições.
    Julgo que se consegue despertar.
    A frase escolhida tem a ver com a minha análise sobre o que escrevi acima!
    Muito obrigada pelo seu comentário e a sua fibra, só assim é que se pode vencer. :)
    Abraço!

    ResponderEliminar

Arquivo