15/11/2015

A voz do mar

Nem o mar ao longe, nem as árvores serenas,
acalmaram a tarde de Outono, quebrada pela notícias francesas do atentado islâmico.



Foto de Thibault Camus/AP
Em honra das vítimas do atentado, Cafetaria Carillon, Paris

Homem se emociona diante de objetos de tributo deixados em frente à cafeteria Carillon, em Paris, onde um dos ataques terroristas ocorreu (Foto: Thibault Camus/AP)

O lançamento do livro de poesia : Não sei se o Vento de Rui Miguel Fragas, um amigo, na Biblioteca Municipal da Figueira da Foz.



A voz do mar 

pertence ao mar. E o  canto dos pássaros não te
pertence. Ouve os pássaros e ouve o mar e o vento
que sopra ao longe. Escuta os sinos da tua voz, lá
dentro do teu peito: há em tudo o que escutas

o mesmo rumor.

Mesmo que seja só uma promessa de sílaba uma
vogal apenas ou o rasto de uma vogal. Mesmo que
não chegue para dizer o teu nome, mesmo

que não chegue para me chamar.

O que está dentro do teu peito é mais do que tu: e o
que ouves é sempre mais

do que és capaz de dizer. A demora da luz e os
rituais da distância têm voz

mas não têm nome.

Só o rosário do silêncio me chama e ainda sou
capaz de ouvir as baleias do outro lado do mundo.
Só sei responder ao vento: por isso se me chamares

não te responderei.

Não queiras mais nada para além dessa sílaba
adiada, dessa vogal ou eco e do eco dessa vogal.

O teu nome é um nebuloso sussurro: vem de longe
e vai para longe, para lá de todas as luas de 
saturno. És uma invocação sem apelo.

não tens nome quando te chamo.

 Rui Miguel Fragas, Não sei se o Vento.Óbidos: Poética Edições, 2015, p. 61.

Na apresentação do livro, o Rui disse que o mundo é em si poesia.
Respondo só o é para quem a vê. Poucos são os que a vêem, perdoem-me a arrogância.
A escolha do poema inscreve-se no nome anónimo dos que morreram no atentado  em França. O mar é agora a sua liberdade, mas pagaram-na bem cara.

A minha homenagem às vítimas do atentado de sexta-feira 13 em Paris: que a vida não seja apenas as folhas mortas que caem...,
na voz de Yves Montant



21 comentários:

  1. Bonitos o poema e a canção. Convêm ao momento. E hão-de passar. Virão outros momentos e novas folhas para voar docemente até que pousem no chão. Sem barulho, sílaba ou vogal. Em leveza de pena.

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  2. Quando penso que já ultrapassei o choque dos crimes de 6ª feira, constato que as imagens e as notícias avivam o que vi.

    Boa semana, ANA, felicitando-te por mais esta pertinente postagem.

    Um beijo amigo.

    EM TEMPO : Desejo o maior sucesso para o Não sei se o Vento do teu amigo Rui Miguel Fragas.

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    1. Obrigada, João.
      O meu amigo já tem um livro publicado e ganhou um prémio da Universidade de Aveiro com um terceiro livro que vai sair em breve. Este é o segundo. Curiosamente vejo que não coloquei nada do primeiro. Guardarei para um destes dias.
      Ele assina com pseudónimo de Fragas mas o nome é Rui Féteira.
      Beijinho. :))

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  3. Belas fotografias e belo poema. Do horror que aconteceu nem falo... Beijinhos e bom Domingo!

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  4. As fotos estão muito bonitas!
    Gostei do poema.

    Um beijinho e continuação de bom domingo:)

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    1. Obrigada, Isabel.
      Passei a correr na marginal para ver o mar pois tinha o tempo contado para assistir ao lançamento do livro que teve dramatização/declamação de alguns poemas, foi muito bom.
      Beijinho e boa semana.:))

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  5. Tudo o que evoque, e honre, a morte de tantos inocentes nunca será demais.
    O mundo transformou-se num verdadeiro inferno, e para todos, vítimas e jovens que correm atrás de um ideal(?), que não conseguem discernir o bem do mal, que não percebem que apenas servem de "carne para canhão".
    Estamos de luto, todos, num luto colectivo e com a sensação de que outros vão ser feitos.

    Beijinho

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  6. Quando os inocentes abrirem os olhos em vida
    estarão a lutar contra os mercados miseráveis

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    1. Não sei porque não ficou registado o meu comentário.

      O que aqui deixei foi uma pergunta - será?

      Boa noite.:))

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  7. ~~~
    ~ Alio a minha tristeza à sua...
    ~ Lamento pelas famílias e amigos das vítimas, pelos que presenciaram o horror,
    por Paris - berço da liberdade cívica - por França...
    Porém, também lamento por todas as pessoas honradas que professam o Islamismo, especialmente, os residentes em Paris e os imigrantes europeus.

    ~ Chamam ao estado beligerante jihadista, mas, realmente, não tem espírito islamita,
    mas sim, terrorista.


    ~~~ Uma homenagem muito bela, Ana. ~~~

    ~~~~~~ Beijinhos e ótima semana. ~~~~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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    1. Majo,

      É uma tristeza difícil de colmatar porque nos viramos para todo lado e sentimos impotência.
      Beijinho. :))

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  8. A vida, ai a vida...
    Creio que ainda estamos todos em estado de choque, Ana.

    Um beijinho :)

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    1. A vida e a morte, a morte não anunciada e imposta de forma abrupta e drástica, suja e feia, em nome de um fanatismo e não do Deus que professam.
      Beijinho.:))

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    2. Creio que não devemos confundir a árvore com a floresta, Ana. Se repararmos bem, os principais activistas desta forma de agir são oriundos dos guetos das grandes cidades ocidentais, ou seja, dos excluídos dum determinado sistema. Reformulando um determinado dito, não acredito em coincidências, mas que las hay, hay.

      Um beijinho :)

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    3. Tem razão, a floresta não tem culpa que certas árvores estejam carunchosas.
      Todavia, há um ditado popular que diz que paga o justo pelo pecador e agora a desconfiança vai recair entre todos.
      Esperemos que não. Gostei muito da sua metáfora.
      Beijinho. :))

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  9. A calma e a harmonia da natureza representada nas duas primeiras fotografias (muito bonitas, Ana) é quebrada pela acção vil do homem. Não há desculpa nem justificação para o que está a acontecer no mundo. Aqueles que alegadamente se mostram marginalizados não poderão invocar essa condição para realizar actos tão odiendos, como os que ocorreram em Paris, muito menos aqueles que permanecem na sombra a manipular as mentes e a ser instrumentos de tráfico de armas e de petróleo que engordam pornograficamente sem o mínimo remorso pela morte e desgraça alheias.
    Li estes dias que os EUA vão fornecer à Arábia Saudita 1,29 mil milhões de euros de bombas inteligentes!!! Para quê? Para se destabilizar um novo país? uma nova Síria? O Irão?
    Assustador! A Europa anda completamente à deriva e, pelo que vemos, está a ser e continuará a ser invadida por avalanches de refugiados do Médio Oriente e de África e com os hunos a viverem, mais ou menos dissimulados, nas nossas cidades.

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