10/09/2010

Um Diário caído do Céu

Ontem, quando cheguei a casa tinha o Diário de William Beckford em Portugal e Espanha à minha espera. Foi uma boa surpresa depois do cansaço do dia poder folhear o que aconteceu no dia 9 de Setembro de 1787, como se pudesse ter viajado no tempo. O Diário é um livro que narra os costumes da sociedade portuguesa do Antigo Regime vista por um estrangeiro, neste caso o escritor William Beckford.
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George Romney,
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Upton House, Warwickshire, Grã-Bretanha

Diário Português

Domingo, 9 de Setembro. Convento da Cortiça.

Nuvens e vapores sobre a planície, o Sol quase sempre oculto. Depois da missa, D. Pedro foi com Verdeil desenhar uma vista do convento. Eu pus-me a vaguear através das moitas que vestem as faces pedregosas de uma íngreme encosta. Heras à mistura com bagas e pervinca com as suas flores vermelhas. Tivemos um gordo jantar, mas a sobremesa foi real: grandes cestos da melhor fruta. O abade depois do repasto, parecia animado pelo espírito de contradição. Eu sentia-me contrariado e inquieto. D. Pedro* prestou-me pequenas atenções. Apetecia-me chorar. Que infeliz, que aflito eu me sentia, de um lado para o outro, a arrastar os pés. Todas as esperanças que ontem tinha alimentado se desvaneceram. Ao pôr do Sol trepei por entre as rochas musgosas para uma pequena rotunda coberta de alfazema. Ali fiquei, embalado pelo murmúrio das ondas que investiam contra a costa a pique. As nuvens caminhavam, vagarosamente, por cima das serras.

Diário de William Beckford em Portugal e Espanha, Lisboa: BNP, 2009, p.131 (Intr. Boyd Alexander, trad. João Gaspar Simões) 3ª edição.
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*O contexto mostra claramente que Beckford, muito deprimido, escreveu o contrário do que queria dizer e que D.Pedro (de Marialva) lhe tinha prestado "pouca atenção" (N.E)


Anna Shelest plays Mozart Sonata in B-flat K 281, Ist movement, Allegro

4 comentários:

  1. Que maravilha de livro. Gostava de o ler um dia.
    O Convento da Cortiça é o dos Capuchos (Sintra), não é? Um local magnífico. Não me lembrava que Beckford lá tinha estado.

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  2. Sim. fui lá há muitos anos, ainda muito jovem em passeio. Adorava ir lá agora com outra perspectiva.

    O livro é interessante só o comecei a ler agora. Ontem mais precisamente. Por isso, ainda não posso dizer muito sobre ele mas estou a deliciar-me.

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  3. Bem interessante! Ontem, como hoje, a natureza é refúgio e terapia para almas sensíveis.

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  4. R,
    De todo, a natureza alimenta-nos, delicia-nos e dá-nos energia quando precisamos.
    Bom sábado!

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