03/03/2015

"O deserto é o tempo sem espaço" - Leituras

«- Quero fazer-te um pedido: se és poeta, não queres recitar para mim alguns dos teus versos?
O outro, que contemplava as chamas da fogueira, respondeu sem desviar a cara:
- Aqui está um poema feito durante a minha viagem.

O deserto é o tempo sem espaço.
O deserto é o vazio do mundo.
É uma jóia que espera resplandecer,
desde o princípio dos séculos.
Quando uma lágrima cai no chão seco,
a terra agradece com uma flor.

Houve um silêncio pesado. Rashid aclarou a garganta e declarou com todo o tacto de que era capaz (e que não era muito):
- Sem ofensa: no país de onde vieste as pessoas gostam desses versos? Consegues ganhar a vida com eles?
Ao ouvir isto, o poeta riu tanto que as suas faces ficaram molhadas de lágrimas. Respondeu:
- Já percebi não gostaste! Mas tens razão, eu não recito  poemas como este no país de onde venho... Enfim, não sejas tão severo: quando canto, é um pouco diferente. »

João Aguiar, O Homem Sem Nome. Lisboa: Asa, 1995, 
(7ª Edição), p. 17.                                                               Imagem cortesia do Google.
Agradeço à Cláudia Ribeiro que me encontrou este livro.

Danae Stratou, escultor, Alexandra Stratou, desenhadora industrial e Stella Constantinides, The Desert Breath, instalação no deserto do Egipto próximo de Hurghada, 1997, daqui


Desert-Breath-1Desert-Breath-2

16 comentários:

  1. Também agradeço à Cláudia por este odor !

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    1. A flor do deserto liberta fragrância.:)))
      Beijinho.

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  2. Não conheço o livro.
    Registo a sugestão.
    Beijinhos

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    1. Pedro,
      Foi um colega de trabalho que mo indicou e é fabuloso.
      Beijinho. :))

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  3. Deste autor li "A hora de Sertório" e a "Catedral Verde", agradáveis surpresas dum autor que me calhou na mão de forma desprevenida.
    Destaco o último, como uma obra que me tocou de mais próximo, porque o li numa altura em que ele me deu algumas respostas e estava em consonância com o que se passava comigo.
    Gostei muito que tivesse trazido aqui este autor.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Manuel,
      "Catedral Verde" é um título sugestivo. Irei procurar.
      João Aguiar foi uma excelente surpresa, vou ler mais livros dele.
      Uma boa semana e tenho muito gosto em encontrá-lo por aqui.
      Boa noite.:))

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    1. Margarida,
      Encantou-me o livro e a instalação no deserto que encontrei por ler este livro.
      Beijinho.:))

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    1. Cláudia,
      O meu colega disse-me que teria dificuldade em arranjar o livro mas para si não foi.
      Estou grata.
      Beijinho.:))

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  6. Apetece citar Omar Khayyam, que viveu o deserto:

    "Não te inquietes, a vida é como um suspiro.
    As cinzas de Djenchid e de Kai-Kobad volteiam
    na poeira vermelha que tolda o ar.
    O Universo é uma miragem, a vida é um sonho."

    Boa noite :)

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    1. Xilre,
      Que versos bonitos aqui deixou. Não conheço Omar Khayyam, irei pesquisar.
      Muito obrigada por esta mais-valia que me enriquece.:))
      Boa noite.

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  7. Quem oferece é com gosto, quem recebe agradece. Não é?
    Instalação espectacular.
    Não são lágrimas são jóias. Obrigado.

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  8. Agostinho,
    :)) "Não são lágrimas são jóias", gostei tanto da sua análise sobre a instalação.
    Boa noite.

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Sou uma fã incondicional de João Aguiar. Infelizmente, a Leya "matou" as obras do autor. Há livros que são impossíveis de encontrar sem reedição prevista.
    Tenho a obra quase toda (à excepção dos livros para adolescentes/jovens) e releio-a com prazer.

    Beijinhos, Ana. :)

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