30/08/2012

Disco de Vinil e Hugo Mãe

Do mais íntimo e profundo olhar é assim que defino a escrita de Valter Hugo Mãe. 
O romance: "O filho de mil homens".provoca um regresso ao sótão, às memórias recônditas de todo o ser humano. 
Imbuída neste espírito fui à arca de memórias procurar e, apesar das teias, encontrei num velho vinil o cantor que penetra no livro.

Peter Gabriel 

O livro começa com a história de Crisóstomo que pediu à natureza que lhe desse um filho.

[...] sentindo-se estranho mas aliviado, ouviu o mar de sempre, o vento muito ameno passando, e reparou outra vez em como o céu estava estrelado e as traineiras saíam. Tinha de seguir para trabalhar. Levantou-se, sacudiu a areia e quase se riu. Se era verdade que se sentia um homem só com metade de tudo, também era verdade que uma parte da sua dor ficara ali, como se um saco se esvaziasse. A areia haveria de a fazer deslizar até ao mar e o mar lavaria tudo. Acontecia assim porque, aos quarenta anos, o Crisóstomo assumiu a tristeza para reclamar a esperança.
A natureza, quieta a ser só inteligente e quieta, não disse nada, nem o Crisóstomo esperaria ouvir uma voz. A esperança era uma coisa muda e feita para ser um pouco secreta.
[...]
O homem que chegou aos quarenta anos sorriu, e pela primeira vez em toda a sua vida abraçou um colega de trabalho. O rapaz pequeno não soube o que pensar. Depois, enquanto preparavam as redes, o pescador perguntou-lhe se não gostava da escola, se não gostava de estudar. E o rapaz disse que sim, que até era bom a matemática. O pescador pensou que o seu filho seria uma raridade das boas, porque ninguém percebia de matemática, só os génios. O Crisóstomo, uns segundos antes de o dizer, pensou que aquele era o seu filho e pensou que o seu filho era um génio. E assim o pensaria de qualquer maneira, uma vez que amar fazia dessas grandezas. Amar era feito para ser uma demasia e uma maravilha.

Valter Hugo Mãe, O filho de mil homens. Carnaxide: Editora Objectiva, 2011, pp.20, 21, 22.

Na contracapa do livro vem uma "máxima" interessante que me chegou realçada pela mão amiga que me ofereceu o livro.
« ... para se ser feliz é preciso aceitar ser o que se pode, nunca deixando contudo de acreditar que é possível estar e ser sempre melhor. »
Obrigada!
Agradeço também a R que me despertou o interesse.

Estou a ler este livro com uma velocidade apreciável porque ele absorve todas as atenções. Usando uma metáfora: o livro assemelha-se a uma laranja perfumada que nos alicia e ao saboreá-la encontramos a agrura do citrino que depois se torna doce.

Apesar da canção: Book of  Love não estar no álbum fotografado, esta  música que Peter Gabriel cantou no filme Shall we dance? (2004) é a que melhor se associa ao livro. Foi escrita pelo compositor Stephin Merritt em 1999.

28/08/2012

"jogo de florir" - Maria Keil

Com o meu agradecimento a MR que me ofereceu estes belos postais com ilustrações de Maria Keil  para o livro de Irene Lisboa: Começa uma vida, 1ª edição 1940.

Maria Keil, ilustrações


Edição do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro e Maria Keil

«o amor das realidades simples domina-me, subjuga-me e talvez me enfraqueça»

in João Falco [Irene Lisboa], Começa uma vida,1940. Daqui.

Maria Keil nasceu em Silves a 9 de Agosto de 1914 e pereceu a 10 de Junho de 2012. Frequentou o Curso Preparatório da Escola de Belas Artes de Lisboa e depois o curso de pintura que não chegou a terminar.


Aqui é onde vivo agora e é quasi primavera. 
Vê-se. Antigamente, isto é, antes, as coisas deste lugar, 
as pedras, as plantas, os sons, tomavam-me como se de
passagem. 
Agora vivo aqui. Perceberam que vivo aqui. 
Viver num lugar obriga a certas atitudes conjugadas com 
esse lugar. 
Tenho que estar atenta. 

 Há aqui uma velha glicínia que se finge morta. Dos velhos troncos da glicínia espreitam-me uma infinidade de olhos e eu tenho que estar atenta. Eu sei que subitamente, julgando-me desprevenida, ela vai estalar de riso para me perturbar. Pela manha estará cheia de flores abertas, feliz por me ter enganado fingindo-se morta. Porque nunca vivi aqui antes e ela floriu para outros cada ano e eu não sei os seus costumes, nem sei como os outros para quem ela floriu antes aceitavam o seu jogo de florir e se ela se fingiu morta cada ano para eles como este ano se fingiu morta para mim, não sei se deva mostrar-lhe espanto. É uma velha glicínia... 

 Maria Keil, Árvores de Domingo, Livros Horizonte. Daqui

Homenagem do Município de Silves com música dos Cold Play


Ao Gilson agradeço ter-me dado a conhecer esta bela música tocada por Paola Requena: Sonata Heróica. 

25/08/2012

E que é afinal um rosto "belo"?

Audrey Hepburn em terras vizinhas de nuestros hermanos


E que é afinal um rosto "belo"? Que organização dos seus elementos se implica aí, para a beleza oscilar, passada uma raça diferente? A beleza de um rosto é a nossa criação, fundada no contacto ou participação dos elementos que o constituem.

Vergílio Ferreira, Arte Tempo,  edições rolim, sd.,  p. 12, (direção da coleção Eduardo Prado Coelho)

O meu agradecimento especial à Cláudia, da Livraria Lumière, que fez chegar este livro ao meu conhecimento!

"A música é celeste..."

"A música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição."
Aristóteles
(Retirado do Citador)

Na Casa da Música do Porto, obra do arquiteto Rem Koolhaas. 
Em companhia da Cláudia visitei este magnífico espaço. 
Trouxe livros e sorrisos amigos. Foi um dia em que apareceu a chuva mas não se sentiu. 
Obrigada Cláudia e Alexandra. :)
Casa da Música, Porto

Uma das perspetivas do poliedro de pedra, cimento, vidro, aço e madeira.


A sala Cor-de-Laranja

A Sala dos Azulejos, réplicas  (Viúva Lamego), destaque para o vidro duplo

A ex libris - sala com 1400 lugares, um open space com uma excelente acústica
Palco
Sala Roxa
Sala verde ou dos bicos

23/08/2012

In Memoriam - A.H. Oliveira Marques




«O livro era caro e raro. A não ser tratando-se de obras religiosas, como bíblias, missais, antifonários e demais livros de ofício, cuja necessidade e disseminação punha em movimento dezenas ou até centenas de tradutores, obras literárias de outra espécie conheciam “tiragens” de um, dois ou três exemplares. Mandava-se copiar o livro A ou o livro B porque o rei ou um grande senhor havia manifestado interesse em o possuir». 

A.H. Oliveira Marques,  A sociedade medieval portuguesa. Lisboa: Sá da Costa,1964, p.192. 

20/08/2012

histórias...

I am David, O Sonho da liberdade, é um filme  realizado por Paul Feig em 2003. Narra a viagem de um menino perdido nos campos de concentração da Bulgária, apos a II Guerra....
Um caminho, um susto, um sorriso - Sou o David-. 
Em Portugal o filme intitulou-se O Sonha da Liberdade, contudo, "Sou  o David", teria, na minha opinião, mais força.
O poder, o mal, 
ser, o bem,
a verdade...ser,
SER!

Histórias tristes acontecem e as boas noites continuam a amanhecer e a adormecer...


acordam, presenteiam a sua beleza e à noite adormecem, ao mesmo tempo que histórias tristes acontecem...




Boa noite!


18/08/2012

Para a Isabel

Para a Isabel com um desejo de um dia feliz. Parabéns! :)

Um dia passearemos na praia.
Ouviremos o grito sereno do mar
e com um sorriso apanharemos o búzio
que brilha na areia.

ana

Joaquín Sorolla, Paseo a orillas del mar, 1909
Museo Sorolla, Madrid;

PRAIA 
As ondas desenrolam os seus braços 
E brancas tombam de bruços. 

Sophia de Mello Breyner Andresen, In No Tempo Dividido



16/08/2012

Calor humano



Me only have one ambition, y'know. I only have one thing I really like to see happen. I like to see mankind live together - black, white, Chinese, everyone - that's all.
Bob Marley



 

14/08/2012

Saber

Johann Christoph Lischka(1650-1712), Santo Agostinho,1700



"Há pessoas que desejam saber só por saber, e isso é curiosidade; 
outras, para alcançarem fama, e isso é vaidade; 
outras, para enriquecerem com a sua ciência, e isso é um negócio torpe; 
outras, para serem edificadas, e isso é prudência; 
outras, para edificarem os outros, e isso é caridade"
Santo Agostinho de Hipona

Com a gentileza do google. 
   

11/08/2012

Sur la plage


"Sur la plage abandonnée 
Coquillage et crustacés 
Qui l'eût cru déplorent la perte de l'été
(...)

La madrague, Brigitte Bardot

09/08/2012

4 anos e Vergílio Ferreira

Na praia

Nos quatro anos de vida do blogue é a primeira vez que celebro o aniversário.
Tomei contacto com a blogosfera em 2008, depois de vir de Roma. A atitude com que principiei foi fugaz.
No início, o (In)Cultura funcionou como uma espécie de registo que possibilitava a gravação sem ocupar a memória do meu disco rígido.
A primeira visitante assídua foi a Margarida de Memórias e Imagens. Obrigada pelo estímulo e convivência! :)
Cabe-me agradecer a todos a passagem e as mais-valias que deixam.
Estou muitoooooo grataaaaa! :)))
ana

Nestas férias li um livro que me tocou imensamente: "cartas a Sandra" de Vergílio Ferreira. São cartas como o próprio título indica mas não são mera prosa, são, acima de tudo, um poema e hino ao amor.
O que é o amor?
Deixo esta imagem:

Tenho algumas fotografias tuas, mas o que procuro nelas não está lá. E é decerto por isso que raramente volto a vê-las. Porque tu  nunca foste real para eu te poder amar. E é essa irrealidade amada que estremece na minha comoção e no êxtase leve de te imaginar.

Vergílio Ferreira, Cartas a Sandra, Lisboa: Bertrand, 1999, p. 36


A partir de agora este blogue segue o novo acordo ortográfico. :(

06/08/2012

"Mão apressada". Leitura e Arte - Rainer Maria Rilke

Um livro que li estas férias : As Anotações de Malte Laurids Brigge, de Rainer Maria Rilke, intenso mas nem sempre fácil de digerir. É preciso delicadeza até para abrir um livro.




Acontecia que de livros, abertos por uma qualquer mão apressada e desajeitada, caíam pétalas de rosa que eram pisadas. *




Detalhe de uma das seis tapeçarias da Dama e o Unicórnio, século XV (c.1490), Museu Nacional da Idade Média, antiga abadia de Cluny, Paris.

Imagens retiradas daqui 


Não nos aproximamos, sem dar por isso, mais silenciosamente da tapeçaria seguinte logo que notamos que a figura feminina está como que absorta? Ela está a fazer uma grinalda, uma pequena coroa redonda de flores. Pensativa escolhe a cor do cravo seguinte na salva que a aia lhe estende, enquanto vai prendendo o anterior. Ao fundo sobre um banco, está um cesto de rosas intactas, que um macaco descobriu. Desta vez eram precisos mais cravos. O leão está alheado; mas o licorne, á direita, entende. Não tinha que haver música neste silêncio? Não estava ela presente mas contida? Grave e silenciosamente adornada aproximou-se (muito lentamente. Não achas?) do órgão portátil e toca, de pé, separada por tubos do órgão da aia que, do outro lado, manobra os foles. Nunca a senhora se apresentara tão bela. **


Rainer Maria Rilke,As Anotações de Malte Laurids Brigge, Lisboa: Relógio de D’ Água, 2003 (tradução e prefácio de Maria Teresa Dias Furtado), pp. *42 e **130-131.




A beleza das rosas é intemporal.

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