Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
No dia 21 de Março celebrou-se o dia da poesia. O esquecimento é imperdoável. Porém, nunca é tarde para lembrar a poesia. Hoje, chegou até mim uma frase que achei poética, ouvi que havia quem vivesse de pagar promessas dos outros e, por isso, se chama o pagador de promessas, achei tão poético.
O Pagador de Promessas
O pagador de promessas
é um homem estranho,
cumpre o que o devedor não pode cumprir.
Paga o choro interior, a dívida espiritual,
o pacto do homem religioso.
O pagador de promessas
vive para anular a inquietude dos outros.
ana
Agradeço a quem me falou nesta personagem.
O AUTOR AOS SEUS VERSOS
Vós, que de meus extremos sois a história, Versos, por negro zoilo em vão roubados, Nascidos da Ternura, e restaurados Co pronto auxílio de fiel memória:
Da inveja conseguindo alta vitória Ide, meus versos, em Amor fiados, Que dele só dependem vossos fados, Que nele só demando a minha glória:
Não vos importe o público juízo; Da voz, que pelo mundo se derrama, Os vivas caprichosos não preciso.
Voai aos olhos, cuja luz me inflama; Tereis de Anarda aprovador sorriso, Um sorriso de Anarda é mais que a Fama.
Bocage ( retirado do banco de dados da Casa Fernando Pessoa)
Para além da curva da estrada Encontramos sempre uma barreira Talvez haja um poço, e talvez um castelo, vislumbro uma torre contra a utopia, E talvez apenas a continuação da estrada. Na continuação do caminho.
Não sei nem pergunto. Nele me embrenho. Enquanto vou na estrada antes da curva enquanto caminho, só olho em frente Só olho para a estrada antes da curva, para as árvores e o céu, Porque não posso ver senão a estrada antes da curva. Porque não adivinho o que há para lá De nada me serviria estar olhando para outro lado do caminho e que não vejo. E para aquilo que não vejo. Procuro não sentir mas sinto, Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. O passado/presente e não o futuro Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. Clepsidra tangível; Se há alguém para além da curva da estrada, não encontro quem caminhe Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. Para lá da montanha, Essa é que é a estrada para eles. o caminho para o cume Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. Chegarei lá? Por ora só sabemos que lá não estamos. Só sei e sinto o peso de estar aqui,
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva nesta encruzilhada do caminho onde Há a estrada sem curva nenhuma. as pedras magoam e o caminho desaparece.
Alberto Caeiro, s.d. 11-03-17 ana
Alberto Caeiro, “Poemas Inconjuntos”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994, p. 129.
Vestiu-se para um baile que não há. Sentou-se com suas últimas jóias. E olha para o lado, imóvel. Está vendo os salões que se acabaram, embala-se em valsas que não dançou, levemente sorri para um homem. O homem que não existiu. Se alguém lhe disser que sonha, levantará com desdém o arco das sobrancelhas, Pois jamais se viveu com tanta plenitude. Mas para falar de sua vida tem de abaixar as quase infantis pestanas, e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.
Para mim, estas janelas representam o quotidiano tranquilo, aquele que ninguém pode estragar. O silêncio, o livro aberto largado, os livros em cima da mesa, o gato, tudo é perfeito para que se retome o momento.
Pintura fotográfica? Talvez, mas é pintura.
No livro que comecei a ler sobre Amadeo de Souza-Cardozo de Mário Cláudio, intítulado Amadeo encontrei este trecho que inicia o livro:
A Casa é uma teoria volumétrica por entre a vegetação, maior do que todo o Mundo, impossível de arrumar. Por torres e telhados se levanta, paredes de cal alternando com panos de muralha... Mário Cláudio, Amadeo. Lisboa: Círculo de Leitores, 1984, p. 7.
O registo fez-me lembrar este jogo volumétrico cortado pelas janelas, também elas com volumetria própria...
É incrível mas regressamos sempre a Casa, a casa que nos formou, a casa que nos criou.
À minha avó que hoje faria anos e com a qual vivi uns tempos.
Recordações: há um ou outro vestígio do mar que guardamos mesmo no local que nos parece improvável.
Este búzio não o encontrei eu própria numa praia Mas na mediterrânica noite azul e preta Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais Rente aos mastros baloiçantes dos navios E comigo trouxe ressoar dos temporais
Porém nele não oiço Nem o marulho de Cós nem o de Egina Mas sim o cântico da longa vasta praia Atlântica e sagrada Onde para sempre a minha alma foi criada
Sophia de Mello Breyner, O Búzio de Cós e Outros Poemas, Editorial Caminho, 1999.
O mar tem tanto de belo como de cáustico:
atrai, encanta-nos, ofusca-nos.
No entanto, o seu sal pode queimar os incautos
sonhadores, crianças gigantes despojadas de sentido…
fazem do micro mundo um exagero perdendo a razão de ser.
Os que sentem e amam são tolos não sabem a proporção das escalas.
macro?...
micro?...
todo o universo se reduz a sentir alegria ou dor, grande ou pequena
do tamanho de um grão de areia ou de uma montanha vulcânica.