No habrá una sola cosa que no sea una nube. Lo son las catedrales de vasta piedra y bíblicos cristales que el tiempo allanará. Lo es la Odisea, que cambia como el mar. Algo hay distinto cada vez que la abrimos. El reflejo de tu cara ya es otro en el espejo y el día es un dudoso laberinto. Somos los que se van. La numerosa nube que se deshace en el poniente es nuestra imagen. Incesantemente la rosa se convierte en otra rosa. Eres nube, eres mar, eres olvido. Eres también aquello que has perdido.
NUBES (II)
Por el aire andan plácidas montañas o cordilleras trágicas de sombra que oscurecen el día. Se las nombra nubes. Las formas suelen ser extrañas. Shakespeare observó una. Parecía un dragón. Esa nube de una tarde en su palabra resplandece y arde y la seguimos viendo todavía. Qué son las nubes? Una arquitetura del azar? Quizá Dios las necesita para la ejecución de Su infinita obra y son hilos de la trama oscura. Quizá la nube sea no menos vana que el hombre que la mira en mañana.
Seurat, La Tour Eiffel, ca. 1889, 24,1 x 15,2 cm Fine Arts Museums of San Francisco, Museum purchase, William H. Noble Bequest Fund (daqui)
Escuta, lenhador...
Todos os anos vejo as árvores desaparecerem. Pode dizer-se que voltam a ser plantadas, mas nunca se reencontram tantas como anteriormente e é sempre um número mínimo que volta a estender os seus jovens ramos em direcção ao sol ou que agita a sua cabeleira ao vento.
Paris é a única cidade onde se tratam assim as nossas irmãs árvores; nem Berlim nem Londres, para citar apenas cidades civilizadas, demonstram um tal desconhecimento da natureza. Todos os anos, sob os mais diversos pretextos, as nossas avenidas apresentam um desfile digno dos «infortúnios de guerra» e os mutilados expõem os seus cotos perante a indiferença dos automóveis, em grande medida responsáveis por esta desastrada exterminação. Se, como diz Aristóteles, as árvores são pessoas que sonham, o que pensará a árvore dos seus carrascos? Não quero fingir que lhe dou voz, porque ela tem a seu favor o silêncio dos amantes, as brincadeiras das crianças, as divagações dos solitários e um povo livre sem constrangimentos, ou seja, os pássaros.
Julien Green, Paris. [1983]( Tradução Carlos Vaz Marques) Lisboa: Tinta da China, 2008, p. 105.
Um livro que só agora li por razões várias e porque revisitei Paris nesta época natalícia há uns tempos atrás. Saudades de Paris? Talvez.
Em homenagem a mais uma partida do mundo da música:
Na realidade afigura-se mais lógico, mais fácil, e mesmo mais interessante, conhecermo-nos primeiro em Passado do que em Porvir, - já que ignoramos um e outro.
Mário de Sá-Carneiro, A Estranha Morte do Professor Antena. (Prefácio de Nuno Júdice). Sintra: Colares Editora, p. 26.
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O que é o presente? Algo que conhecemos e vemos como algo que não atingimos. O que é o passado? As memórias doces e amargas de algo que perdemos. O que é o porvir? Algo que almejamos como a melhor das utopias felicidade suprema... ana