17/09/2015

Conselho

Não posso fechar os olhos, tapar os ouvidos e calar a minha boca: 
- Europa que tristeza o que vives...

Desabrochar ou fechar como uma concha?



CONSELHO

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és —
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

s. d.

Fernando Pessoa, Poesias (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995), p. 242.


21 comentários:

  1. Os pais fundadores não foi com esta Europa que sonharam, ana.
    Foi com algo muito diferente daquilo que agora vemos.
    Beijinhos

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  2. A erva tão pobre que nem tu a vês...
    Ora aí está questão :
    Chegam fugidos, mas não deixam de ser muçulmanos.
    Fiquei estarrecido com as manifestações que vi em Londres e em Paris. De uma violência extrema onde nem as polícias respectivas dominam.
    Confesso que não estou nada tranquilo...

    Um beijo, Ana.

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  3. Simbolicamente, podias ter incluído a do NOVO MUNDO, mas em sentido oposto.

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  4. Tremendo este nosso Pessoa! O que ele diz! "Faz o teu jardim igual aos outros...mas esconde o teu jardim -tu próprio, o "teu" eu- verdadeiro de toda a gente!

    Enfim, esta duplicidade da heteronímiia está em tudo nele... Mas escreve tão bem...

    "Faze canteiros como os que outros têm,
    Onde os olhares possam entrever
    O teu jardim como lho vais mostrar.
    Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém
    Deixa as flores que vêm do chão crescer
    E deixa as ervas naturais medrar.

    "Faze de ti um duplo ser guardado;
    E que ninguém, que veja e fite, possa
    Saber mais que um jardim de quem tu és —
    Um jardim ostensivo e reservado,
    Por trás do qual a flor nativa roça
    A erva tão pobre que nem tu a vês..."
    Bom começo de fim de semana. Tudo bem???

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    1. Pois escreve e é sempre tão ele próprio.

      Está tudo bem, um pouco mais de trabalho.
      Beijinho. :))

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  5. ~~~
    ~ O último poema de Pessoa...
    ~ Persiste a temática que cultivou - neste caso - dois carácteres,
    sendo um fictício...
    ~ O Poeta atravessava uma fase difícil e por muito que tentasse
    não conseguia esconder dos amigos a sua vida decadente...


    ~ Também a Europa vive uma situação de declínio semelhante...
    ~ É fácil ser caridoso, quando se tem os bolsos cheios...

    ~~~~~~ Beijinhos. ~~~~~~~~~~~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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    1. Majo,
      Tem razão quando à caridade. É sempre difícil mas temos que ser humanos.
      Beijinho. :))

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  6. Esta Europa?

    Um som de búzio nos ouvidos distantes

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  7. Nos tivemos em Pessoa o profeta. E como um cristo morreu...

    O movimento eterno interno
    na Terra toda
    faz-se segundo a vontade inquieta
    do homem
    obedecendo a um indeterminado
    e louco poder

    Depois de muito palmilhar
    não se cansou
    e atravessou o mar mil vezes
    e da europa velha abalou para
    um novo mundo
    e o movimento continua imparavel.

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  8. Fernando Pessoa, e a sua imortalidade.
    Poeta, profeta, visionário, lúcido, o Homem capaz de ver passados, e presentes, mas também futuros.

    "Europa que tristeza o que vives...", palavras suas, Ana, e que faço minhas.
    Não, não podemos fechar como a concha, é nosso dever desabrochar, a questão está em saber como.:(
    Beijinho

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    1. GL,
      Uma lástima tudo o que a Europa vive. Quem somos?
      Beijinho.:))

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  9. Muito preocupante o rumo que tudo leva na Europa e no Mundo!
    Não podemos nem devemos ficar indiferentes.
    Um beijinho, Ana.:)

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