24/04/2015

Diálogo com Manuel Poppe no seu aniversário


 António Roberto Caetano Santos, Veneza ao entardecer














Pede-me a amiga Ana que lhe diga se acho que Veneza é decadente. Ou triste.

Não posso achar Veneza nem decadente nem triste.
É uma cidade que conheço como nenhuma, que amo especialmente.

Em nenhum outro lugar vivi tão intensamente.

Num certo plano do meu ser, do meu espírito, alma. Sim, num certo recanto de mim próprio.
A minha primeira viagem a Veneza data de Setembro de 1973, durou uma semana e, de Veneza, ficou-me a Piazza de San Marco, o Rialto e... o Café Florian, onde passei horas a escrever o que me ia dentro –o meu sobressalto, a minha emoção.
Nunca imaginei que voltaria a Itália um ano depois e que por lá ficaria quinze anos. E que tantos dias, meses, anos, iria andar por Veneza.

Pio Semeghini, Burano - Mazzorbo, 1947*1
Nem o que o destino me reservava: encontros extraordinários dos quais deixo, mais ou menos veladamente, testemunho em O Pássaro de Vidro, Os Amantes Voluntários, A Mulher Nua e nos dois volumes de Crónicas Italianas.

Deu-me o destino um amigo como Aldo Zari, que me revelou a face mais escondida de Veneza, a tal venezia povera, as osterie, a gente à qual o turista não tem acesso, porque o veneziano é reservado e está farto de turistas até à ponta dos cabelos.
E facultou-me as pistas que eu segui sozinho.
Veneza é uma cidade viva. Em Veneza, quando o incauto a julga a dormir, acontecem histórias das mil e uma noites.
Umberto Moggioli Sera a Mazzorbo 1913 *2
Na outra Veneza.
E, aí, há o que há em todos os sítios vivos: alegrias, melancolias, tristezas, paixões e ódios.
Juntaria a Aldo Zari, Luciana Piai, Patrizia Bonato, Mirella, Giorgio Trentin, Veludo...
Juntaria as meninas que almoçaram comigo no Harry’s Bar, Paola e Monica, e que levaram um americano a virar-se para mim e a perguntar-me, sinceramente entusiasmado:
-“Onde foi desencantar essas duas figuras de Renoir?!”
Muito simples: no mundo maravilhosa de Veneza.                      Gino Rosso, Canale con vela  a Burano *3
Na fantástica laguna, onde, mais que a clássica ilha de Torcello, se destaca Burano das casas coloridas.
Os pintores de Burano!
Moggioli, Gino Rosso, Pio Semeghini, Luigi Scopinich... alguns nomes aqui ficam, para quem quiser saber deles.
Pintores da alegria! Tal qual Aldo Zari o é, quase sempre...

Veneza é um estado de alma.
Criador.



Luigi Scopinich, Natiura morta con vaso di margherite *4


A decadência existirá nos incapazes de reinventar o milagre veneziano.
Os mesmos que dirão –pobrezinhos!-: “Cheira mal”.
Quando saí de Itália, trazia comigo, a roer-me, a sangrar-me, a destruir-me... e a amparar-me, a música de Alessandro Marcello (ou de Benedetto Marcello), Anónimo Veneziano.
Aqui a deixo.

Acompanhou-me e há-de acompanhar por onde quer que eu ande.

Manuel Poppe daqui

Ao Manuel, parabéns. Muito obrigada pela viagem a Veneza e por me ter dado a conhecer estes pintores.

*1 link ; *2 link; *3link; *4 link

Papoilas amarelas - luz. :))


Pintura do vídeo de Pompeo Batoni, O Triunfo de Veneza, 1737. (Cortesia do youtube)

26 comentários:

  1. E eu ainda não conheço Veneza, ana
    Beijinhos, bfds

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    1. Pedro,
      Também não. Hei-de ir até lá.
      Beijinho.:))

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  2. Parabéns ao Manuel Poppe!
    Gostei muito do texto, devidamente acompanhado por belíssimas pinturas. Também conheci um pouco desta Veneza "off the beaten track"...
    Beijos

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    1. Obrigada, Maria.
      O texto do Manuel é fantástico.
      Beijinho para os dois.:))

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  3. ~ ~
    ~ Em 2013, tive uma sobrinha a fazer estágio de arquitectura paisagista
    - por mérito - em Veneza.
    ~ Sublinho, paisagista, o que diz muito em relação ao cuidado de manter
    aprazível a parte exterior do cosmopolita museu.


    Por um comentário feito no blogue da MJ, soube que MP era seu marido,
    Só ontem estive a pesquisar no «google», pelo que, tive a satisfação de
    verificar que se trata não só de uma esclarecida mente humanista, como
    de uma pessoa de notória humanidade.

    ~ ~ ~ Não tendo o prazer de o conhecer, mas pelos motivos que citei,
    ~~~~~~~~~~~~~~ junto as minhas congratulações,
    ~ ~ desejando-lhe longa vida plena de saúde, felicidade e sucesso.~ ~

    ~ ~ ~ ~ Beijinhos. ~ ~ ~ ~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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    1. Majo, venha ter comigo, no meu post Sobre o Risco... ou no FB! Obrigado pelas suas generosas palavras!

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    2. Obrigada, Majo.
      Se seguir o link vai ter a este texto no blogue do Manuel.
      Aos dois um beijinho. :))

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    3. Manuel,
      Uma vez mais um dia feliz e muitos anos de vida.
      Beijinho de parabéns. :))

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  4. Uma bela homenagem de amizade, Ana! Porque a tua sensibilidade é assim: generosa, aberta, delicada.
    Penso que o Manuel Poppe terá ficado muito feliz!

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    1. Obrigada, Maria João.
      Desejo que tenha ficado feliz. :))
      Beijinho. :))

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  5. Um diálogo magnífico, em que sobressai o encanto com que o Manuel fala de Veneza.
    Veneza faz-lhe o coração bater mais depressa...

    Parabéns ao Manuel pelo seu aniversário e Parabéns à Ana, pela forma magistral com que felicitou o Manuel.
    O meu agradecimento a ambos pela viagem...:))

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    1. Obrigada, Cláudia.
      O Manuel é que é o autor deste registo. :))
      Beijinho.:))

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    1. Margarida,
      Eu também. Não devemos perder a esperança, havemos de ir.
      Beijinhos.:))

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  7. Que belo diálogo que reli com tanto gosto, como leio ou releio tudo o que escreve o Manuel.
    Parabéns ao Manuel e que continue a maravilhar-nos com a sua escrita e parabéns para ti, Ana pelo belíssimo post:)

    Um beijinho ao Manuel e outro para ti:)

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    1. Obrigada, Isabel.
      Um beijinho e bom fim-de-semana. :))

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  8. Aninhasamiga & Manuel Poppamigo

    Veneza é... Veneza. Quando lá fui pela primeira vez fiquei um tanto aborrecido pois era o tempo da maré alta; mas, depois, fui lá mais vezes, tentando entender Veneza. Parecia-me que tinha alcançado o meu desiderato...

    Mas, agora, com este texto magnífico do Manuel Poppe tenho a certeza de que já eliminei a dúvida. Por isso, muito obrigado Poppamigo.

    E para ti minha querida Amiga só te posso dar - mais uma vez - os meus parabéns. Bela iniciativa e boa pergunta... e boa resposta...

    Qjs & abç

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    1. Amigo Henrique,
      Obrigada e um bom regresso a Lisboa.
      Beijinho. :))

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  9. Só agora pude aqui vir, Ana.
    Começas com uma pintura de
    António Roberto Caetano Santos, que ao primeiro olhar logo me encantou.
    Naturalmente que não conheço a Veneza que o Manuel Poppe sabe de cor.
    Mas que é bem diferente daquela que o vulgo turista traz na memória !
    O texto dele é singular, sem dúvida, e merecedor dos maiores encómios.
    Não tive tempo para ouvir todas as peças musicais.
    Fiquei-me pelo Adagio em dó menor, de Alessandro Marcello.
    Triste ( mas a condizer com as imagens do power point ). Quase um Requien, digo eu...
    O Adeus de Manuel Poppe a Veneza.

    Obrigado a ambos e ainda a tempo de dar os parabéns pelo aniversário.

    Um beijo, Ana querida.

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    1. Querido João,
      Obrigada por se ter juntado ao nosso diálogo.
      Também gostei muito da pintura de António Santos, se pudesse comprava-a.
      Beijinho. :))

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  10. Ainda que com atraso ficam os meus parabéns.
    Belo texto que nos mostra uma Veneza desmistificada, mas que não perde o seu encanto e fascínio. Por isso, o meu agradecimento a Manuel Poppe.

    Uma delícia, a pintura de Gino Rosso. E o vídeo, como classificar o vídeo? Uma maravilha, simplesmente!

    Voto de boa semana para ambos.:)
    Beijinhos.

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Ana

    Conheci Veneza como turista, no mês de Agosto e fui um daqueles milhares de turistas que enchem a cidade, qual carneirada. Não vivi lá nenhuma paixão extraordinária, nem conheci restaurantes, ruas ou pessoas que nunca se revelam aos turistas. No entanto, a cidade impressionou-me tanto, que sinto que nunca mais fui o mesmo. Julgo que é uma experiência estética única, em que aprendemos pelos sentidos a saber o que é belo.

    Talvez um dia, já na decadência da vida, possa eu viver nessa cidade única uma paixão derradeira, como na "Morte em Veneza" do Thomas Mann.

    um abraço

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