António Roberto Caetano Santos, Veneza ao entardecer

Pede-me a amiga Ana que lhe diga se acho que Veneza é decadente. Ou triste.
Não posso achar Veneza nem decadente nem triste.
É uma cidade que conheço como nenhuma, que amo especialmente.
Em nenhum outro lugar vivi tão intensamente.
Num certo plano do meu ser, do meu espírito, alma. Sim, num certo recanto de mim próprio.
A minha primeira viagem a Veneza data de Setembro de 1973, durou uma semana e, de Veneza, ficou-me a Piazza de San Marco, o Rialto e... o Café Florian, onde passei horas a escrever o que me ia dentro –o meu sobressalto, a minha emoção.
Nunca imaginei que voltaria a Itália um ano depois e que por lá ficaria quinze anos. E que tantos dias, meses, anos, iria andar por Veneza.
Pio Semeghini, Burano - Mazzorbo, 1947*1

Deu-me o destino um amigo como Aldo Zari, que me revelou a face mais escondida de Veneza, a tal venezia povera, as osterie, a gente à qual o turista não tem acesso, porque o veneziano é reservado e está farto de turistas até à ponta dos cabelos.
E facultou-me as pistas que eu segui sozinho.
Veneza é uma cidade viva. Em Veneza, quando o incauto a julga a dormir, acontecem histórias das mil e uma noites.
Umberto Moggioli Sera a Mazzorbo 1913 *2
E, aí, há o que há em todos os sítios vivos: alegrias, melancolias, tristezas, paixões e ódios.
Juntaria a Aldo Zari, Luciana Piai, Patrizia Bonato, Mirella, Giorgio Trentin, Veludo...
Juntaria as meninas que almoçaram comigo no Harry’s Bar, Paola e Monica, e que levaram um americano a virar-se para mim e a perguntar-me, sinceramente entusiasmado:
-“Onde foi desencantar essas duas figuras de Renoir?!”
Muito simples: no mundo maravilhosa de Veneza. Gino Rosso, Canale con vela a Burano *3
Na fantástica laguna, onde, mais que a clássica ilha de Torcello, se destaca Burano das casas coloridas.
Os pintores de Burano!
Moggioli, Gino Rosso, Pio Semeghini, Luigi Scopinich... alguns nomes aqui ficam, para quem quiser saber deles.
Pintores da alegria! Tal qual Aldo Zari o é, quase sempre...
Veneza é um estado de alma.
Criador.

A decadência existirá nos incapazes de reinventar o milagre veneziano.
Os mesmos que dirão –pobrezinhos!-: “Cheira mal”.
Quando saí de Itália, trazia comigo, a roer-me, a sangrar-me, a destruir-me... e a amparar-me, a música de Alessandro Marcello (ou de Benedetto Marcello), Anónimo Veneziano.
Aqui a deixo.
Acompanhou-me e há-de acompanhar por onde quer que eu ande.
Manuel Poppe daqui
Ao Manuel, parabéns. Muito obrigada pela viagem a Veneza e por me ter dado a conhecer estes pintores.
Papoilas amarelas - luz. :))
Pintura do vídeo de Pompeo Batoni, O Triunfo de Veneza, 1737. (Cortesia do youtube)