- É a vida que importa, nada senão a vida: o processo da descoberta - o processo eterno e constante (...), e não a própria descoberta.
Virginia Woolf, Noite e Dia ( 1919). Lisboa: Relógio d'Água, 2012 p.121.
Agradeço à Isabel que me ofereceu este livro.
A minha homenagem a Victor Hugo com a projecção do excerto do filme: Os Miseráveis, dirigido por Tom Hooper.
Um dos poucos corta-papéis que faz parte da minha colecção. Adquiri-o numa feira de velharias. Gosto particularmente dele por ser uma flor e ter um movimento súbtil. Julgo que será Arte Nova.
Já foi usado para cortar folhas de livros e algumas cartas, na era dos ebooks e da informação global que, apesar disso, não dispensam o papel e o correio.
Do quotidiano e da Arte eis o
Corta-papéis
"TODA A ARTE É DIZER QUALQUER COISA"
Outra nota ao acaso
Toda a Arte é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer coisa. Há duas formas de dizer - falar e estar calado. As artes que não são a literatura são as projecções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é a literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama. Quando se diz «poema sinfónico» fala-se exactamente, e não de um modo translato e fácil. O caso parece menos simples para as artes visuais, mas, se nos prepararmos com a consideração de que linhas, planos, volumes, cores, justaposições e contraposições são fenómenos verbais dados sem palavras, ou antes por hieróglifos espirituais, compreenderemos como compreender as artes visiais, compreenderemos como compreender as artes visuais, e, ainda que as não cheguemos a compreender ainda, teremos, ao menos, já em nosso poder o livro que contém a cifra e a alma que pode conter a decifração. Tanto basta até chegar o resto.
Álvaro de Campos, Sobre a Arte
1936
Fernando Pessoa, Textos de Crítica e de Intervenção. Lisboa: Ática, 1980, p. 279.
(1ª publ. in “Presença”, nº 48. Coimbra: Jul. 1936)
Um dia feliz é aquele em que nas memórias do mar se descobrem poemas como este de Gomes Leal: Senhora de Brabante.
Gratíssima a quem me falou nele.
Agradeço a todos a visita. Em breve regressarei. :))
A Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas, na sua mão macia e cintilante, de anéis de pedras finas preciosas a Senhora Duquesa de Brabante.
Numa cadeira de espaldar dourado, Escuta os galanteios dos barões. — É noite: e, sob o azul morno e calado, concebem os jasmins e os corações.
Recorda o senhor Bispo acções passadas. Falam damas de jóias e cetins. Tratam barões de festas e caçadas à moda goda: — aos toques dos clarins!
Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa vela seu rosto de um solene véu. — Ao luar, sobre os tanques chora a água... — Cantando, os rouxinóis lembram o céu...
Dizem as lendas que Satã vestido de uma armadura feita de um brilhante, ousou falar do seu amor florido à Senhora Duquesa de Brabante.
Dizem que o ouviram ao luar nas águas, mais louro do que o sol, marmóreo, e lindo, tirar de uma viola estranhas mágoas, pelas noites que os cravos vêm abrindo...
Dizem mais que na seda das varetas do seu leque ducal de mil matizes... Satã cantara as suas tranças pretas, — e os seus olhos mais fundos que as raízes!
Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa vela o seu rosto de um solene véu. — Ao luar, sobre os tanques chora a água... — Cantando, os rouxinóis lembram o céu...
O que é certo é que a pálida Senhora, a transcendente dama de Brabante, tem um filho horroroso... e de quem cora o pai, no escuro, passeando errante.
É um filho horroroso e jamais visto! — Raquítico, enfezado, excepcional, todo disforme, excêntrico, malquisto, — pêlos de fera, e uivos de animal!
Parece irmão dos cerdos ou dos ursos, aborto e horror da brava Natureza... — Em vão tentam barões, com mil discursos, desenrugar a fronte da Duquesa.
Sempre a Duquesa é triste. — Oculta mágoa vela seu rosto de um solene véu. — Ao luar, sobre os tanques chora a água... — Cantando, os rouxinóis lembram o céu...
Ora o monstro morreu. — Pelas arcadas do palácio retinem festas, hinos. Riem nobres, vilões, pelas estradas. O próprio pai se ri, ouvindo os sinos...
Riem-se os monges pelo claustro antigo. Riem-se vilões trigueiros das charruas. Riem-se os padres junto ao seu jazigo. Riem-se nobres e peões nas ruas.
Riem-se aias, barões, erguendo os braços. Riem, nos pátios, os truões também. Passeia o duque, rindo, nos terraços. — Só chora o monstro, em alto choro, a mãe!...
Só, sobre o esquife do disforme morto, chora, sem trégua, a mísera mulher. Chama os nomes mais ternos ao aborto... — Mesmo assim feio, a triste mãe o quer!
Só ela chora pelo morto!... A mágoa lhe arranca gritos que a ninguém mais deu! — Ao luar, sobre os tanques chora a água... — Cantando, os rouxinóis lembram o céu...
António Duarte Gomes Leal, in Antologia Poética, retirado do Citador
Do novo livro da minha amiga Graça, uma escolha para o Dia de Portugal (de Camões e das Comunidades Portuguesas):
os anjos também choram os anjos também choram mesmo nas manhãs mais sublimes quando o sol acorda lento e devagar as lágrimas dos anjos são risos e asas e brandura homens a digladiar-se festas e risos falsos quando os anjos adormecem são felizes e riem porque sonham com o Éden onde moram para sempre e deixam de ser anjos a afugentar monstros e lobisomens numa corrida desesperada de asas incansáveis mas se já não há deuses que importa o choro dos anjos a derramar-se para cá das nuvens e a fazer infelizes os homens que sentem as suas lágrimas
Graça Alves, Da Timidez dos Homens, Coimbra: Palimage, 2017, p.42.
Herman Hesse "A neblina" in A Sublime Arte de Envelhecer de Anselm Grün [monge beneditino] (Prefácio de Mons. Vitor Feytor Pinto). Prior Velho, Edições Paulinas, 2011 (3ª edição), p. 46.