15/03/2015

"E a única inocência é não pensar..."

Anthony van Dyck, Self Portrait With a Sunflower (after 1633)
Trinity College, Cambridge
Anthonyvandyckselfportrait.jpeg

II - O meu olhar é nítido como um girassol.

II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

8-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993), p. 24.


10 comentários:

  1. E há para aí tanto inocente, ana!! :))
    Beijinhos, boa semana

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  2. Respostas
    1. Obrigada, Margarida.
      É um retrato bem interessante.
      Beijinho.:))

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  3. Um posts de luxo: fotografia, pintura, poesia, música... engenho.
    Detive-me no parêntesis "pensar é estar doente dos olhos". Digo de outra forma: pensar é rever com os olhos que temos dentro da cabeça. Mas necessário será sempre ter olhos na cara.
    Uma boa noite, Ana.

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  4. Obrigada, Agostinho.
    Achei graça à sua descodificação.
    Uma boa noite. :))

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  5. O Poeta das sensações!... Verdadeiramente encantador. Pudéssemos não pensar e... então sim, uma flor seria sempre a surpresa suprema que é uma flor e não a imagem que temos dela, se a pensamos.

    Um beijo

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    1. Pois é Lídia.
      Associo este seu comentário a Almada Negreiros:" Uma Flor", um pedaço de prosa das mais belas que li.
      Beijinho.:))

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