23/01/2009

As Pirâmides da Capela Relicário de Santa Cruz


Capela Santuário de Relíquias de Santa Cruz, século XVIII

A atmosfera religiosa em crise era propensa à veneração dos santos e das suas relíquias. Era preciso evangelizar o povo, acabar com as heresias e fundamentar a fé cristã através das boas acções e através de ritos e símbolos da fé. Foi neste clima que o Mosteiro de Santa Cruz recebeu inúmeras relíquias. Para as organizar os monges adoptaram a seguinte sistemática: “A diversidade de Relicarios, que ha neste Sanctuario, he o motivo por que se dividem em Varias Classes: para que com facilidade se distinguirem Observando sempre uma huma ordem certa em numerar as Reliquias de cada hum para que vendo Somente os seus Loculamentos se conhecessem; ainda Sem lhe ler os Letreiros, o que não pode ser pella sua distancia. Dividem-se pois todos os Relicarios em Maiores, Menores, Piramides e Avulsos.”

Um dos altares da Capela Relicário de Santa Cruz

Elevada a extensão do rol das relíquias (mais de mil) apenas se descrevem algumas delas. A escolha recaiu nos relicários pirâmide, devido à sua riqueza artística.
As pirâmides relicário estão no santuário, situado no plano superior, ao nível dos antigos dormitórios. O santuário é uma capela, no seu interior de forma elíptica, construída no século XVIII, toda ela para ser um grande relicário e guardar condignamente as relíquias.

As pirâmides encerram, para além de uma simbologia metafísica, uma simbologia maçónica patente nos símbolos artísticos utilizados pelos pedreiros-livres que as construíram. A maçonaria, enquanto ordem e sociedade secreta fora dos limites das igrejas oficiais, procurava, com o propósito de ensinar o que é denominado de Mistérios, certos ensinamentos sobre coisas divinas, sobre a serenidade mental, sobre a natureza e o destino do homem. O símbolo triangular do cimo da pirâmide (espírito, Deus, o Supremo Arquitecto) e a base quadrangular de baixo (Terra, o material), indicam que a natureza do homem é uma combinação da alma e corpo. Podemos estabelecer uma analogia entre o baptismo e o rito iniciático do maçon. O santuário de Santa Cruz representava, com a sua abóbada, a esfera celeste iluminada pelas janelas, como que a lembrar que é da luz que se alimenta a razão e a espiritualidade da alma. O chão do santuário é axadrezado e, tal como na loja maçónica, simboliza a dupla questão do bem (branco, puro) e do mal (negro, maculado). Podemos relacionar este santuário com o templo maçónico. A filosofia iluminista imperava no reino e esta corrente estava intimamente ligada à maçonaria.

Neste santuário, onde reinava a morte do corpo, a sua carga espiritual permanecia na taumaturgia dos santos corpos. “A morte que a maçonaria alude é aquela morte-em-vida do lado degradado do homem, a que S. Paulo se referia quando declarava «eu morro diariamente»”. O sacrifício imposto pelas diferentes religiões era a prova por que deviam passar os homens para que a alma alcançasse a glória: origem simbólica dos rituais iniciáticos maçónicos. Deus era o Grande Arquitecto.

As Pirâmides guardam 870 relíquias de 589 Santos. Numa estatística sumária que, mesmo assim, permite avaliar o lugar de prestígio que o Mosteiro ocupava na Cristandade, podemos dizer que, entre os quase 600 Santos cujas relíquias se preservaram, figuravam 6 apóstolos (em sentido lato, incluindo São Paulo), 46 papas, 20 reis e rainhas canonizados, 54 bispos, 15 abades, 231 mártires e 57 virgens.

As inúmeras relíquias de Santa Cruz estão relatadas numa carta que escreveu da Universidade a um amigo Gaspar dos Reys Leyria, bacharel canonista, no século XVI: “Dizeis na vossa Carta que vos escreva miudamente as grandezas do dia da procissam das Reliquias, em que o Real Mosteyro de Santa Cruz mostrou ao mundo seu encerrado & ordinario zello nos serviços do Ceo...

Fontes e Bibliografia:
BGUC -
Manuscrito nº 2957 - Índice Universal das Santas Relíquias do Insigne Santuário de Santa Cruz Feito no anno de 1783.
OLIVEIRA MARQUES, A.H. de, - História da Maçonaria em Portugal Das Origens ao Triunfo, Lisboa: Editorial Presença, 1989, Vol I, pág.213 a 261.
WILMSHURST, W.L. - Maçonaria, Raízes e Segredos da sua História, Lisboa: Prefácio, 2002, pág.28- 29, 36; 45.

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