22/07/2017

"estúpido do jardim"





CASCATA

A criança sabe que a boneca não é real, e trata-a como real até chorá-la e se desgostar quando se parte. A arte da criança é a de irrealizar. Bendita essa idade errada da vida, quando se nega a vida por não haver sexo, quando se nega a realidade por brincar, tomando por reais a coisas que o não são!
Que eu seja volvido criança e o fique sempre, sem que me importem os valores que os homens dão às coisas nem as relações que os homens estabelecem entre elas. Eu, quando era pequeno, punha muitas vezes os soldados de chumbo de pernas para o ar... E há argumento algum, com jeitos lógicos para convencer, que me prove que os soldados reais não devem andar de cabeça para baixo?
A criança não dá mais valor ao ouro do que ao vidro. E na verdade, o ouro vale mais? — A criança acha obscuramente absurdos as paixões, as raivas, os receios que vê esculpidos em gestos adultos. E não são na verdade absurdos e vãos todos os nossos receios, e todos os nossos ódios, e todos os nossos amores?
Ó divina e absurda intuição infantil! Visão verdade das coisas, que nós vestimos de convenções no mais nu vê-las, que nos embrumamos de ideias nossas no mais directo olhá-las!
Será Deus uma criança muito grande? O universo inteiro não parece uma brincadeira, uma partida de criança travessa? Tão irreal, tão (...), tão (...)
Lancei-vos, rindo, esta ideia ao ar e vede como ao vê-la distante de mim de repente vejo o que de horrorosa ela é (Quem sabe se ela não contém a verdade?) E ela cai e quebra-se-me aos pés, em pó de horror e estilhaços de angústia...
Acordo para saber que existo...
Um grande tédio incerto gorgoleja erradamente fresco ao ouvido, pelas cascatas, cortiçada abaixo, lá ao fundo estúpido do jardim.

s.d

Bernardo Soares, Livro do Desassossego.  (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982, Vol.II. p. 441.


15/07/2017

A luz - "em sonho"

O que se procura é a luz!

Sagrada Família, Barcelona



A inacção consola de tudo.    [Será?]


A inacção consola de tudo. Não agir dá-nos tudo. Imaginar é tudo, desde que não tenda para agir. Ninguém pode ser rei do mundo senão em sonho. E cada um de nós, se deveras se conhece, quer ser rei do mundo.
Não ser, pensando, é o trono. Não querer, desejando, é a coroa. Temos o que abdicamos, porque o conservamos, sonhando, intacto eternamente à luz do sol que não há, ou da lua que não pode haver.

s.d.


Bernardo Soares, Livro do Desassossego. Vol.I,(Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990. p.221.


11/07/2017

A Rose, is a Rose...

Egon Schiele, Mãe e filho,1914; 
Viena, Áustria - coleção privada
https://biblioklept.org/2015/05/10/mother-and-child-egon-schiele/



Mãe, diz-me, sabes onde estás agora?
-Senhor, habito a espessa cordilheira,
já ninguém me vê nos olhos da concha,
entre corpos... obscuros e... efémeros,
ou entre colmeias brancas e tardias
o silêncio, eterna...mente o puro silêncio,
o vácuo da minha alma enxerga-se
entre corpos... raízes... ninguém me vê,
o silêncio... nos olhos... habi...to a neve
onde edifico o meu... rosto... senhor...!

João Rasteiro, A Rose, is a Rose is a Rose et coetera.  Edições Sem Nome, 2017, p.44.

Este livro de poesia de João Rasteiro é a história, em poema, de sua mãe quando adoeceu com alzheimer.
O título foi inspirado num poema de Herberto Helder.

Obrigada, João Rasteiro.


08/07/2017

Encalhado no jardim


Encalhado no jardim



O músico é o ordenador do caos dos seus sentimentos e emoções.
Fernando Lopes-Graça

Maria do Carmo Vieira, A Arte, Mestra da Vida, reflexões sobre a escola e o gosto pela leitura. Quimera, 2009p. 73


05/07/2017

Símbolos

Pelourinho de Ourém, século XV, símbolo do poder local



Símbolos,

Sobre o quadrado
 e o fuste octogonal
ergue-se a majestática
coroa aberta com remate em pinha .

Folhas de acanto,
flor de Lis,
adornam a paisagem,
cenário de vales e planaltos,
montanhas verdejantes:
símbolo de esperança.

Esperança num futuro melhor
brindado num copo de vidro.
Dioniso adormeceu,
em seu lugar acordou Apolo.

ana


Uma canção que pensava não conhecer... mas conheço.:))

03/07/2017

A Arte Mestra da Vida

Deixamos a nossa arte escrita para guia da experiêcia dos 
vindouros, e encaminhamento plausível
das suas emoções. É a arte, e não a história, que é a mestra da vida.

Fernando Pessoa*

Sabemos por experiência, que toda a prendizagem requer a harmonia entre passado, presente e futuro, implicando uma estreita relação entre ensinar e aprender. (...) O pintor francês Jea-François Millet, por exemplo, abordou essa relação, de forma expressivamente maternal, acentuando o papel feminino no gesto poético de ensinar - Lição de Tricotar - que não precisa de agradecimento, tão naturalmente é pertença da humanidade.

Maria do Carmo Vieira, A Arte, Mestra da Vida, reflexões sobre a escola e o gosto pela leitura. Quimera, 2009, p.30.  * p. 29

Jean-François Millet, Lição de Tricotar,  c.1854,
Museum of Fine Arts, Boston


Imagem retirada  do site do museu:
http://www.mfa.org/collections/object/knitting-lesson-31290


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