CASCATA
A criança sabe que a boneca não é real, e trata-a como real até chorá-la e se desgostar quando se parte. A arte da criança é a de irrealizar. Bendita essa idade errada da vida, quando se nega a vida por não haver sexo, quando se nega a realidade por brincar, tomando por reais a coisas que o não são!
Que eu seja volvido criança e o fique sempre, sem que me importem os valores que os homens dão às coisas nem as relações que os homens estabelecem entre elas. Eu, quando era pequeno, punha muitas vezes os soldados de chumbo de pernas para o ar... E há argumento algum, com jeitos lógicos para convencer, que me prove que os soldados reais não devem andar de cabeça para baixo?
A criança não dá mais valor ao ouro do que ao vidro. E na verdade, o ouro vale mais? — A criança acha obscuramente absurdos as paixões, as raivas, os receios que vê esculpidos em gestos adultos. E não são na verdade absurdos e vãos todos os nossos receios, e todos os nossos ódios, e todos os nossos amores?
Ó divina e absurda intuição infantil! Visão verdade das coisas, que nós vestimos de convenções no mais nu vê-las, que nos embrumamos de ideias nossas no mais directo olhá-las!
Será Deus uma criança muito grande? O universo inteiro não parece uma brincadeira, uma partida de criança travessa? Tão irreal, tão (...), tão (...)
Lancei-vos, rindo, esta ideia ao ar e vede como ao vê-la distante de mim de repente vejo o que de horrorosa ela é (Quem sabe se ela não contém a verdade?) E ela cai e quebra-se-me aos pés, em pó de horror e estilhaços de angústia...
Acordo para saber que existo...
Um grande tédio incerto gorgoleja erradamente fresco ao ouvido, pelas cascatas, cortiçada abaixo, lá ao fundo estúpido do jardim.
s.d
Bernardo Soares, Livro do Desassossego. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982, Vol.II. p. 441.
Oh, mas a boneca é real, o que ela não é é uma pessoa, mas é boneca. E a criança sabe que é boneca e não pessoa. Olá se sabe. O que ela gosta é de jogar ao faz de conta e pode ligar-se a ela como a uma pessoa. Mas não somos nós assim?! Se os perdemos, não choramos por vergonha. Ou porque em algum lugar deixámos as lágrimas. Mas a tristeza e a falta estão inteiras no espaço interior
ResponderEliminarBernardo Soares dá que pensar. A ária é muito bela.
Bea,
EliminarMuito atrasadamente porque tive umas fériazitas, muito obrigada. :))
Bom fim-de-semana.:))
Gostei muito da fotografia!
ResponderEliminarBeijinhos e boa semana:)
Isabel,
EliminarMuito atrasadamente porque tive umas fériazitas, muito obrigada. :))
Beijinhos e boas férias.:))
Muito feliz sua postagem hoje, Ana. Texto instigante, imagem perfeita, música maravilhosa. Obrigada, Beijos.
ResponderEliminarMuito obrigada, muito atrasadamente porque tive umas fériazitas. :))
EliminarBeijinho.:))
Pessoa e as suas introspeções...hoje não estou para análises, e embora perceba Pessoa, contraponho que gosto de jardins e não os acho nada estúpidos. São recantos que albergam a nossa alma sedenta de beleza, para a apaziguar.
ResponderEliminarGostei do canto e adorei a foto!
beijinhos
Quando se está triste vemos o que nos rodeia de alguma forma estúpida. Bernardo Soares era desassossegado. :))
EliminarGracinha,
Muito atrasadamente, muito obrigada. :))
Beijinhos.:))
Regressado de férias passo para deixar um beijinho
ResponderEliminarPedro
EliminarMuito atrasadamente, muito obrigada. Também tive umas fériazitas :))
Beijinhos.:))
Já tinha visto este número e verifiquei agora, mais que atrasadamente (termo que a Ana adoptou com graça), que o deixei em branco.
ResponderEliminarBjs.
Agostinho,
ResponderEliminarAgora deixou a tinta da sua pena. :))
Obrigada.
Um beijinho. :))