05/04/2014

A Flor, Redacções da Guidinha

Um regresso ao passado devido à nostálgica chuva persistente. 
Guidinha, um nome que me é caro. Assim se regista esta homenagem a Luís de Sttau Monteiro que nasceu a 3 de Abril de 1926 e faleceu a 23 de Julho de 1993. Foi escritor, jornalista e dramaturgo. Tinha um notável sentido de humor.

Redacções da Guidinha, ilustração de Luís Osório
A Flor
As flores não se comem e é por isso que elas não têm medo de crescer nos caminhos e nos parques porque se as flores fossem de comer já havia grémio das flores e outras coisas iguais e vai de vez em quando a gente ficava a vê-las por um óculo como acontece ao bacalhau que não é flor e que se come mas as flores têm graça porque não se comem mas bebem-se quando a Vovó começa a falar alto ao jantar e a dizer mal de um senhor que se chama Kaiser e que parece que já morreu mas ela não acredita e diz que a culpa de tudo é dele a minha Mãe dá-lhe chá de flor de laranjeira e manda-a para a cama e às vezes não é preciso chamar o doutor mas às vezes é aqui ao lado mora uma senhora chamada D. Lisabete que tem flores num caixote à janela e rega-as todos os dias com uma cafeteira que comprou com tampas de detergente e mais cinco escudos que é o preço da cafeteira mesmo para quem não tem tampas de detergente e a água cai por um buraquinho que há no caixote em cima das pessoas que passam na rua e elas ficam danadas e gritam cá para cima a mandar a D Lisabete fazer chichi para casa do Diabo o que é muito mal criado e indecente porque a D. Lisabete faz muito pouco chichi porque tem uma doença coitadinha que se chama retenção e às vezes tem de ir fazer ao médico mas não se pode falar nisso porque eu uma vez vi-a chegar a casa e perguntei-lhe se ela tinha feito uma boa chicha no médico que sabe tão bem e ia levando com uma galheta sabe-se lá porquê o que também tem graça nas flores são os bilhetes que vêm com elas uma vez um rapaz que trabalha na florista da esquina trouxe um ramo à menina Odette e no meio havia um bilhete que dizia aqui vão amores-perfeitos para celebrar um amor-perfeito mas é mentira que lá em casa  da menina Odette não estavam a celebrar nada...

Luís de Sttau Monteiro, Redacções da Guidinha. (Ilustradas por Luís Osório) Lisboa: Ática, 1971, p. 127-128.
(Crónicas publicadas no Diário de Lisboa entre 1969 e 1970)

10 comentários:

  1. Que engraçado! Mas as flores comem-se... Bjns e bom sábado!

    ResponderEliminar
  2. Não conhecia as aventuras da Guidinha.
    O Te Deum é dedicado à Guidinha ou ao Sttau Monteiro?

    ResponderEliminar
  3. Obrigada, Margarida.:))
    Provavelmente nos anos 60 e 70 não se comeriam flores em Portugal.
    Beijinho. :))

    Agostinho,
    As Redacções da Guidinha são muito engraçadas, sem pontuação, sem nada.
    O Te Deum é em louvor do autor das crónicas tão engraçadas. Já não as lia desde a minha juventude.:))
    Boa noite!

    ResponderEliminar
  4. Tenho recordações muito antigas da Guidinha. Recordo-me de os meus pais lerem os textos da Guidinha em voz alta e era uma risota pegada.

    Mais tarde, já em adulto, fui viver para um bairro entre a Graça e Alfama e na vizinhança, as histórias que se assistiam da janela, eram tal e qual aquelas que Guidinha contava, porque a menina Guidinha vivia na Graça, um bairro popular.

    Guidinha tornou-se quase um adjectivo. Dizemos muitas vezes. Fulano ou fulana, escreve mal, não coloca, pontuação, parece a Guidinha a escrever.

    Julgo que o Sttau Monteiro alcançou uma espécie de imortalidade com a menina Guidinha

    ResponderEliminar
  5. Tenho recordações muito antigas da Guidinha. Recordo-me de os meus pais lerem os textos da Guidinha em voz alta e era uma risota pegada.

    Mais tarde, já em adulto, fui viver para um bairro entre a Graça e Alfama e na vizinhança, as histórias que se assistiam da janela, eram tal e qual aquelas que Guidinha contava, porque a menina Guidinha vivia na Graça, um bairro popular.

    Guidinha tornou-se quase um adjectivo. Dizemos muitas vezes. Fulano ou fulana, escreve mal, não coloca, pontuação, parece a Guidinha a escrever.

    Julgo que o Sttau Monteiro alcançou uma espécie de imortalidade com a menina Guidinha

    ResponderEliminar
  6. Luís,
    Este livro, que é a colectânea das crónicas, é muito engraçado. Também acho delicioso ter encontrado um retrato destas histórias.
    Bom Domingo!:))

    ResponderEliminar
  7. O que eu me divertia com as histórias da Guidinha!
    O mais hilariante é que eu pensava que existia uma menina Guidinha. Hoje, que moro relativamente próximo deste bairro da Graça, entendo o que Sttau Monteiro queria descrever, pois continua a ser um bairro com uma vida algo original e muito sua.
    Esta composição de Lully traz-me à ideia as "Symphonies pour les soupers du roy" de Delalande.
    Uma época de ouro para a música de corte francesa.
    Manel

    ResponderEliminar
  8. Manuel,
    Vou ouvir "Symphonies pour les soupers du roy" de Delalande. Obrigada pela sugestão.
    Quanto à Guidinha, ela é deliciosa e entra no espírito do Bairro.
    Boa noite!:))

    ResponderEliminar
  9. ana,
    Por incrivrel que pareça não conheço as histórias da Guidinha. Este excerto suscitou-me imensa curiosidade.
    Continuação de uma boa noite.:)

    ResponderEliminar
  10. GL,
    Então aconselho-a a ler. Vai achar as redacções deliciosas pois Sttau Monteiro entra no espírito do povo português que bem conheceu.
    Beijinho. :))

    ResponderEliminar

Arquivo