*
Pela mão amiga de Maria Emília Matos e Silva [a quem agradeço] chegou-me o texto que apresento e que é digno de ser lido e relido. Enquanto bebia o meu chá, na presença de Wenceslau de Moraes, retive-me no texto de Júlio Isidro, nele revi as minhas ideias...
«NÃO, NÃO ESTOU VELHO!!!!!!
NÃO SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO PARA JÁ SABER TUDO!
Passaram 40 anos de um sonho chamado Abril. E lembro-me do texto de Jorge de Sena…. Não quero morrer sem ver a cor da liberdade. Passaram quatro décadas e de súbito os
portugueses ficam a saber, em espanto, que são responsáveis de uma crise e que a têm que pagar…. civilizadamente, ordenadamente, no respeito das regras da democracia, com manifestações próprias das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o seu elevado espírito cívico, no sofrer e ….calar.
Sou dos que acreditam na invenção desta crise.
Um “directório” algures decidiu que as classes médias estavam a viver acima da média. E de repente verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros…. a dívida soberana entrou no nosso vocabulário e invadiu o dia a dia.
Serviu para despedir, cortar salários, regalias/direitos do chamado Estado Social e o valor do trabalho foi diminuído, embora um nosso ministro tenha dito decerto por lapso, que “o trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de Auschwitz.
Parece que alguém anda à procura de uma solução que se espera não seja final.
Os homens nascem com direito à felicidade e não apenas à estrita e restrita sobrevivência.
Foi perante o espanto dos portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o Estado que se comprometia devolver o investimento de uma vida de trabalho.Mas, daqui a 20 anos isto resolve-se.
Agora, os velhos atónitos, repartem o dinheiro entre os medicamentos e a comida.
E ainda tem que dar para ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível.
A Igreja e tantas instituições de solidariedade fazem diariamente o miagre da multiplicação dos pães.
Morrem mais velhos em solidão, dão por eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos de sair de casa, suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, maridos, mulheres e filhos mancham-se de sangue , 5% dos sem abrigo têm cursos superiores, consta que há cursos superiores de geração espontânea, mas 81.000 licenciados estão desempregados.
Milhares de alunos saem das universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que muitos desistem de estudar para procurar trabalho.
Há 200.000 novos emigrantes, e o filme “Gaiola Dourada” faz um milhão de espectadores.
Há terras do interior, sem centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros.
Há carros topo de gama para sortear e auto-estradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a boçalidade.
Há 50.000 trabalhadores rurais que abandonaram os campos, mas há as grandes vitórias da venda de dívida pública a taxas muito mais altas do que outros países intervencionados.
Há romances de ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em bem...estar para ambas as partes.
Aumentam as mortes por problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos os americanos. Também ele tem um sonho…
Há a privatização de empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a ser lucrativas. Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem?
E há a saída à irlandesa quando eu preferia uma…à francesa.
Há muita gente a opinar, alguns escondidos com o rabo de fora.
E aprendemos neologismos como “inconseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário do que está escrito no dicionário.
Mas há os penalties escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e muito discutidos, e muita conversa, muita conversa e nós, distraídos.
E agora, já quase todos sabemos que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária. Surrealista…
Mas há os meninos que têm que ir à escola nas férias para ter pequeno- almoço e almoço.
E as mães que vão ao banco…. alimentar contra a fome , envergonhadamente , matar a fome dos seus meninos.
É por estes meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20 anos, pelos velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com a desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade.»
**
Júlio Isidro link
* Wenceslau de Moraes, O Culto do Chá. KOBE, Typographia do "Kobe Herald", gravuras de Gotô Seikôdô, 1905 (Illustrações de Yoshiaki), p. 21.
Edição Fac-simile Comemoração dos 500 anos da Biblioteca da Universidade de Coimbra, 2014.
Tenho umas três edições diferentes deste livrinho. Apesar disso adquiri este fac-simile.
** O Chá da avó, um dos serviços mais utilizados. Fábrica de Sacavém, Assinado Gilman [ou Gilman & Companhia] :)
Conhecia o texto.
ResponderEliminarÉ excelente!!
Beijinho e votos de boa semana!
Também já li o texto e é muito bom.
ResponderEliminarAs chávenas de chá são uma maravilha.
Bjns!
"...NÃO SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO PARA JÁ SABER TUDO!"
ResponderEliminarUma bofetada de luva branca para certa gente.
Quanto ao chá... aromático, perfeito com Wenceslau de Morais.
Quanta verdade nas palavras de Júlio Isidro!
ResponderEliminarMas segundo alguns ilustres, vamos no bom caminho!
O livro de Wenceslau de Moraes é magnífico... ilustrado maravilhosamente!
Bonito post!
Um beijinho.:))
Obrigada, Pedro!
ResponderEliminarBeijinho e boa semana.:))
Margarida,
Obrigada, estão tão velhinhas.
Adorei o texto.:))
Beijinho.
Agostinho,
Também acho que é uma luva branca.
Bom dia. :))
Cláudia,
Obrigada. Acho que não ando com imaginação nenhuma.
Preciso de respirar.:))
Beijinho.
ResponderEliminarUm texto que dói, de tão real!...
Obrigada.
Um beijo
Nem todos os velhos
ResponderEliminarsão jovens com experiência
Bjs
ResponderEliminarAna,
levei o texto par as "searas". Espero que não se importe, mas penso que o mesmo deve ser lido e relido, conforme diz.
Um beijo
Lídia,
ResponderEliminarSó posso ficar contente com a sua iniciativa.
Beijinho. :))
Mar Arável,
My God... tocou com ironia no centro do problema.
Abraço!:))
O texto refere o que penso e o que dou conta nesta sociedade onde este primeiro ministro de "faz de conta" insiste que está tudo bem e que já passámos à retoma ... só se for a retoma dele, pois cheira-lhe a eleições próximas!
ResponderEliminarContinuo deprimido e com vontade de dar cabo daquilo a que os políticos determinaram que era a política
Manel
Manuel,
ResponderEliminarFoi precisamente por estar farta destes políticos governantes que publiquei este texto.
Decidi colocá-lo a tomar um chá atendendo ao duplo sentido da palavra.
Obrigada pela presença.
Boa tarde. :))
Ana
O testemunho de Júlio Isidro é de uma lucidez plena de dignidade.
ResponderEliminarObrigado, Ana, pela partilha.
Beijo :)
AC,
ResponderEliminarNós precisamos de dignidade e de alguém que fale bem alto as injustiças que se estão a cometer.
Beijinho. :))