[Peguei num pincel imaginário e esbocei um auto-retrato.]
Karel Appel, Homem entre Animais, 1949, Stedelijk Museum, Amesterdão
[O pássaro é o elemento primordial,]
[no conjunto entre os seres vivos...]
Cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos, in "Poemas" (cortesia de Citador)
Cansaços de tudo e de nadas.
ResponderEliminarCansaços de vazios e do seu contrário.
Cansaço do cansaço, do cansaço, do...
Ai, o nosso tão amado Álvaro de Campos!
Beijinho
Aninhasamiga
ResponderEliminarHoje sou eu que assino na nossa um texto intitulado Sermão do Lázaro. Aviso desde já que ele não deve ser lido por damas, meninas, solteiras, casadas ou viúvas, cavalheiros com menos de 98 anos e máximo 99, integrados na ordem democrática vigente, e com sólida formação moral e cívica. Aqui deixo um excerto.
Teodósio acordou rouco. Rouco? Rouquíssimo. E o sermão? Nisto meditava quando se dirigia à igreja paroquial e por isso disse com decibéis negativos ao sacristão Jaquim. Como iria ser? Ninguém o entenderia com aquele falar roufenho. Uma desgraça!
Qjs
Henrique
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NB – Este texto já saiu na Zorra da Boavista e no Ler, escrever e viver… Um homem não chega para tudo. Tende piedade…
Adorei o poema, que não conhecia... Bjns, bom sábado e bom descanso!
ResponderEliminarGostei muito de tudo.
ResponderEliminarHá dias assim, como diz Álvaro de Campos: um profundo e total cansaço. Mas felizmente, passam. Senão não conseguiríamos viver.
Gosto muito deste poema.
Um beijinho e bom fim-de-semana!
Bem tento fugir ao cansaço, mas ele é muito teimoso e vai tomando conta de mim...
ResponderEliminarComo o Àlvaro de Campos, não amo o infinito, não desejo o impossível e não sou dos que não querem nada.
Pelo contrário, ainda quero várias coisas, apesar do cansaço...
Curiosamente nunca fotografei nada do APPEL deste género, embora tenha fotografado vários quadros dele que tive em mãos.
Um beijo, ANA, e felicito-te novamente por esta excelente postagem.
GL,
ResponderEliminarObrigada.
Um beijinho. :))
Henrique,
Irei espreitar esse sermão, pois claro. :))
Beijinho.
Margarida,
Obrigada, um bom sábado e fim de semana!:))
Isabel,
Quando estamos de férias e se regressa ao trabalho, encontra-se muita informação que tem que se processar, é inevitável o cansaço.
Principalmente se temos que esperar algum tempo para se concretizar o trabalho. :))
Beijinho e obrigada.
João,
O seu cansaço é vencido pela sua perserverância e energia. É realmente um homem de valor. :))
Beijinho.
ResponderEliminarAna, confesso que voltei á sua postagem por mais de uma vez (três, eu creio), para absorver a mensagem subliminar que ela nos traz... "o auto-retrato, a descoberta da própria arte, o cansaço, a batalha..." Eu resumiria como Vida. Batalhas diárias, cansaço, a busca pelo próprio ser, auto-identificação, ou seja, Vida... Beijos, estive um tanto ausente, sei que muito perdi...
O quadro não faz nada o meu género, ana :(
ResponderEliminarBeijinho e votos de boa semana!
Há dias assim, em que só existe cansaço!!
ResponderEliminarDe nada em particular, mas cansaço generalizado de tudo! Da rotina...
Em que apetece partir...
Beijinhos.:))
Nem todos os Álvaros
ResponderEliminarse cansaram assim
Jane,
ResponderEliminarObrigada pelas suas palavras gentis.
O Fernando Pessoa dá sempre que pensar.
O meu cansaço era mais físico e por ter gasto horas em que pouco se progride.
Beijinho. :))
Pedro,
Assim se equilibra o mundo. :)
Gostei destas cores e do que apelidei de auto-retrato. :)
Beijinho.
Cláudia,
Neste caso não foi da rotina... :))
Beijinho especial. :))
Puma,
:)) Obrigada pela visita.
Abraço.
Este Pessoa mata-me! Está sempre a dizer coisas, a dizer coisas!
ResponderEliminarE acerta tantas vezes com o (meu) estado de espírito...
"O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço."
Também estou cansada, já disse! E fiquei aliviada... Este mundo cansa muito...
Bom trabalho. Obrigada pelo email a que ainda não respondi.
La noia, o tal cansaço, chi lo sa?
Não me apetece fazer nada. Hoje fui regar as plantas da Gui; uns 39 vasos (não, não são os 39 degraus do Hitchcok...!)
beijinhos
Regressado finalmente :( de férias, li este texto poético que aqui deixou, não ao som dos Magna Carta, mas do prelúdio e fuga de Bach e ... casou na perfeição.
ResponderEliminarNão que não goste dos Magna Carta, que, à época, ouvi até à exaustão, sendo um dos meus temas favoritos.
Mas Bach veio a propósito com Álvaro de Campos.
Ainda não comecei a trabalhar, como farei dentro muito em breve, mas já sinto cansaço, não do físico, mas daquele que rói lentamente, escondido ao olhar alheio e, por vezes, até mesmo ao meu
Manel