21/12/2014

CANTO DO HUMANO - Fiama e Montaigne

Nesta quadra que vivemos talvez possamos ser mais humanos.

Fiama Hasse Pais Brandão, fotografia do blogue Assírio e Alvim.                Michel Montaigne, cortesia do Google
   

CANTO DO HUMANO                     

O que me deu Montaigne? Deu-me o livro                                     Biblioteca de Montaigne (1571)
em que diz que nada me é estranho,                              Nas vigas do tecto estão máximas em grego    
quando o território seu de cada dia                      
era toda a geografia percorrida.
Em Paris nada lhe é estranho,
presumivelmente os gatos vesgos,
o lixo citadino  as valas expostas
para os moribundos das variadas pestes.
Todo o divino lhe tinha sido dado
a pouco e pouco pelas gerações
de antecessores filósofos, e Montaigne
sobraçando os livros contemplou o Nada
que não lhe era estranho. Pelos olhos
todo o devir visível lhe apareceu
talvez ainda tão carnalmente
como o meu olhar que me esvazia.

Antes de Montaigne os olhos viam
a cena do mundo como alheia
e a tudo e todos o grande Cordeiro
sustinha na sua compaixão.
Talvez o mito da cidade caótica
com os vapores de vício e luxúria
seja a última alucinação romântica
do imaginário público. Canto
os novos mensageiros herméticos
que nos unem pelo pensamento.
Aceito esta cidade humana
excessivamente trémula e imprecisa
que se espelha no Rio, que nunca pára
desde que lhe chamaram Tejo os poetas
loquazes que no-lo imaginaram.
Porém canto a doença que é a face                                    
completa da saúde e canto
a morte de Montaigne, à qual não foi alheio,
como ele decerto soube de antemão,
e a nossa que não é já necessária.
Que a morte novamente, as dores, fadigas
nos pertençam com os seus opostos,
como nos pertence o espaço interestelar
que nos estava simultâneo e aberto
sem que Montaigne ainda o soubesse.

31/12/93

Fiama Hasse Pais Brandão, Cantos do Canto. Lisboa: Relógio d'Água, 1995, p. 22-23.                                            Foto Wikipedia

Obrigada Cláudia por me ter arranjado o livro.




12 comentários:

  1. Boas Festas... e faça o favor de continuar a fazer-nos felizes

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  2. Continuo com Plug-in bloqueado...
    Não posso ouvir J.S. Bach...

    Um beijo e os meus parabéns pela tua vassoura !

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    1. Que pena João.
      Obrigada, soube por si e fui espreitar. Nunca pensei e fico contente pois claro.:))
      Beijinho.

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  3. Verdadeiramente humanos, não hipocritamente humanos. É triste, Ana, mas é assim.
    Beijinho

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    1. Uma poetisa mal conhecida do público mais jovem.
      Beijinho. :))

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  4. Parabéns por mais um prémio no Flinpo! Isto é soma e segue!
    Creio que já ouvi falar da poetisa, mas não sei onde...

    Um beijinho:)

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    1. Obrigada, Isabel.:))
      Já aqui a foquei há muito tempo.
      Beijinho.

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  5. Então parabéns, Ana.
    Este tecer em contratempo é de talentoso maestro, aliás maestrina. Fiama- Montaigne!!!
    E, ainda, boas! Todo o homem precisa de momentos como estes, de festas e boas. Bom Natal.

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    1. Bom Natal, Agostinho.
      Obrigada pelas suas amáveis palavras. :))

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  6. Ana, infelizmente não posso deixar de concordar com as palavras de GL... Quanta hipocrisia nesta quadra; quanta farsa!
    Cada vez gosto menos do Natal!

    Quanto a Fiama, poetisa de reconhecido mérito mas que conheço muito mal... culpa minha!

    Um beijinho.:))

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    1. Cláudia,
      Obrigada por me ter arranjado o livro. É difícil de encontrar.
      Apesar das tristezas que vivemos: a carestia, a falta de humanidade e a prepotência, nunca deixo de gostar do Natal.
      Beijinho. :))

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