05/01/2014

Livros, deleite da alma - III, Júlio - Saúl Dias

Mais um livro natalício que me deleitou a alma:  Júlio - Saúl Dias o universo da invenção.
Júlio Maria Reis Pereira, na pintura, Júlio, na poesia Saúl Dias, transpôs para a escrita e a pintura o seu gosto pela beleza do amor e pela harmonia da música. Assim o afirmou, o seu irmão, José Régio: "os trabalhos de Júlio aproximam-se da poesia e da música (...) por aquilo em que poesia e música são Arte e são das mais puras realizações da Arte". (p.13*.)

Júlio, Velho Poeta Pintor, 1977 - Aguarela
Colecção de Humberto de Castro, Lisboa (fotografada a partir do livro)

As tardes inventei-as.

Fulgurantes umas, 
sonolentas outras,
quentes ou arrepiantes
e todas
geradoras de instantes
impossíveis...

Atiro o braço ao ar
e quero que ele prenda
uma estrela, um cometa,
o floco da renda
de mil Cassiopeias...

É dia e há luar...

As tardes inventei-as.

Saúl Dias, «Tardes Inventadas», in Obra poética, p. 243*.
(*Retirado do livro de Maria João Fernandes,  Júlio - Saúl Dias o universo da invenção. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1984, p. 58)

Para explicar as diferentes vertentes da sua arte Júlio usou uma expressão de Nietzsche: 
"Quando se ama o abismo é preciso ter asas". Tal afirmação levou-me a procurar a poesia do filósofo. Escolhi um poema que sem dúvida está ligado a Júlio e que eu vejo nas suas aguarelas e desenhos.

Declaração de Amor
(e o poeta cai na armadilha)

Ó maravilha! Voará ainda? 
Sobe e as suas asas não se mexem? 
Quem é então que o leva e faz subir? 
Que fim tem ele, caminho ou rédea, agora? 

Como a estrela e a eternidade 
Vive nas alturas de que se afasta a vida, 
Compassivo, mesmo para com a inveja... 
E quem o vê subir sobe também alto. 

Ó albatroz! Ó minha ave! 
Um desejo eterno me empurra para os cimos 
Pensei em ti e chorei. 
Chorei mais e mais... Sim, eu amo-te! 

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência" (citador)

Também não foi por acaso que escolhi a aguarela apresentada. Nela vejo o pintor, que carrega às costas um violino, a música, e a paixão com que pinta, e, embora não se veja na tela, o que vai resultar dessa pintura é o amor entre dois jovens, possivelmente, o amor que motivou toda a sua vida de artista e escritor.



Uma curta metragem de Manoel de Oliveira

11 comentários:

  1. Gostei muito deste post; muito interessante e completo.
    Esse, é um livro muito bonito!

    Um beijinho e bom domingo!

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  2. Bom dia, Ana! Belo livro, com lindos desenhos! Boa maneira de começar o ano: a ler, a ver belas imagens, enfim, seguir a arte.
    Beijinhos

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  3. A aguarela, pelo seu lirismo e leveza, fez-me lembrar algumas obras de Chagall, que admiro profundamente.
    Quanto ao registo da Apassionata por Daniel Barenboim, admira-me, pois estou mais habituado a este artista como maestro e fiquei perfeitamente ensimesmado na sua audição.
    Judeu de nascimento (eu também), sei que iniciou a sua vida como pianista, considerado bom na execução, mas atinge a perfeição como maestro, considerando-se que leva os executantes a darem o seu melhor.
    Este tipo de música existe em esferas às quais não temos/tenho acesso, e que só através de génios como Beethoven as podemos adivinhar ... não tenho nada contra estes intermediários, pelo contrário, fico imensamente feliz porque existem (e também invejoso, confesso com pena)!
    Manel

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  4. Obrigada, Isabel. Estou a gostar bastante. :))
    Beijinho.

    Obrigada, Maria João. A arte faz-nos bem e distancia-nos das coisas feias deste mundo.
    Beijinho.:))

    Manuel,
    Sabe que estive para fazer esse diálogo com Chagall?
    Mas depois como já tinha colocado o filósofo a falar com o poeta /pintor, achei que era muita informação.
    Julgo que também tenho uma costela judaica pela parte do meu avô paterno.
    Já pensou se não houvesse estes intermediários, perdíamos a música...
    Gostei da paixão com que o maestro tocou a Apassionatta.
    Conduzir os outros, neste contexto, é uma graça; todavia, um maestro é sempre um executante, na minha opinião.
    Tenho pena de não poder voar e assistir a um concerto destes, mas não sou rica. :))
    Obrigada pelo seu comentário. Gosto desta pequena partilha. :))
    Boa tarde!

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  5. Sente-se que tudo neste post foi escolhido criteriosamente.
    Boa literatura, boas ilustrações e igulmente boa música!
    Tudo ligado com mestria e sapiência!

    Beijinhos.:))

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  6. " Somente pela arte podemos sair de nós mesmos" diz Marcel Proust.

    Acredita-se quando ela é divulgada deste modo, sério e rigoroso.

    Um beijo

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  7. Cláudia,
    É uma querida. :))
    Caminha-se para aprender e aprender mais mas sapiência não. :))
    Obrigada.
    Beijinho.

    Lídia,
    Obrigada. Proust falava acertadamente. :))
    Beijinho. :))

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  8. Muito belo e interessante. Gostei sobretudo da aguarela. Eu, através do trabalho que ando a fazer, tenho-me cruzado com este poeta porque foi Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Sul. Uma figura bem interessante. Bjns!

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  9. As tardes inventei-as!

    simplesmente adorei isso.

    bjs e feliz dia dos reis.

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  10. Obrigada, Pedro.
    Beijinho. :))

    Margarida,
    Felicidades para o trabalho.
    Sim, li alguns dados biográficos e vi que se dedicou mais à pintura depois de se ter reformado.
    Beijinho. :))

    Amigas Vúrdons,
    Obrigada, também acho uma frase feliz.
    Beijinhos para todas.:))

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