28/06/2012

Manual da Pintura e da Caligrafia

István Orosz

O Manual da Pintura e da Caligrafia de José Saramago é uma interessante abordagem ao jogo de espelhos barroco. A duplicidade entre o "eu" retratado e o "eu" real, ou como o pintor o vê, espanta o leitor. É um belo exercício entre a escrita e a pintura. É uma metáfora entre a realidade intrínseca do eu e o eu como deseja ser visto. A personagem principal chama-se S. O livro é uma viagem ao interior de nós mesmos, usando a linguagem comparativa entre a escrita e a pintura. Está a ser uma boa surpresa ler este livro.


O ilustrador húngaro, István Orosz, na mesma linha de Escher, aborda a realidade ilusória que liga tão bem, a meu ver, com o Manual de Saramago. Ou seja, é a simbiose perfeita entre o "eu interior e o "eu" retratado que se vê da janela.

Tenho dois retratos em dois cavaletes diferentes, cada um em sua sala, aberto o primeiro à naturalidade de quem entra, fechado o segundo no segredo da minha tentativa frustrada, e estas folhas de papel que são outra tentativa, para que vou de mãos nuas, sem tintas, nem pincéis, apenas com esta caligrafia, este fio negro que se enrola e desenrola, que se detém em pontos e vírgulas, que respira dentro de pequenas clareiras brancas e logo avança sinuosa, como se percorresse o labirinto de Creta ou os intestinos de S. (interessante: esta última comparação veio sem que eu a esperasse ou provocasse. Enquanto a primeira não passou de uma banal reminiscência clássica, a segunda, pelo insólito, dá-me algumas esperanças: na verdade, pouco significaria se eu dissesse que tento devassar o espírito, a alma, o coração, o cérebro de S. : as tripas são outra espécie de segredo.) E tal como já disse logo na primeira página, andarei de sala em sala, de cavalete em cavalete, mas sempre virei dar a esta pequena mesa, a esta luz, a esta caligrafia, a este fio que constantemente se parte e ato debaixo da caneta e que, não obstante, é a minha única possibilidade de salvação e de conhecimento.

José Saramago, Manual de Pintura e Caligrafia, Lisboa: Caminho, 2006 (6ª edição), p. 45-46.


9 comentários:

  1. Uma postagem que tem de despertar todo o interesse dos menos distraídos na Vida.

    Um beijo e os meus parabéns, ANA.

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  2. Ana, a ilustração está genial.
    Não tenho e nunca li esta obra de Saramago, mas acabei de ficar com imensa vontade... Graças a si!
    Que soube "pintar com palavras".
    Bem haja.

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  3. Achei a ilustração muito interessante. Não conhecia o nome do ilustrador.
    Do Saramago...já sabes a minha opinião, não sou propriamente uma fã.
    Beijinhos e bom fim-de-semana

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  4. Não tem jeito, Ana. Terei que buscar o livro de Saramago, que não conheço. Quero saber desse fio de Ariadne que se rompe e é atado debaixo da caneta.
    Obrigado. Grande abraço.
    Gilson.

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  5. João,
    Obrigada!
    beijinho. :)

    Cláudia,
    Obrigada. Estou a gostar muito do livro.
    Beijinhos. :)

    Isabel,
    A ilustração é fantástica e se procurares outros trabalhos dele vais gostar.
    Beijinhos. :)

    Gilson,
    Desejo então, que encontre o fio de Ariadne.
    Vai gostar.
    Um abraço!:)

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  6. Conforme já expliquei à MYRA, estou fora e não tenho aqui o teu e.mail.
    Vai ver o 11º comentário na CAPA do Flinpo, por favor.

    Um beijo.

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  7. João,
    Já vi. Não podia estar mais de acordo.
    Beijinho!:)

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  8. Interesso-me muito pelas questões de ligação entre a pintura e a literatura. Gostava de ler esse livro. Bjs!

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  9. Margarida,
    O livro +e muito interessante!
    Vai gostar da relação que Saramago faz.
    Beijinhos. :)

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