23/12/2010

Feliz Natal! "Ensinou-me a olhar para as coisas" (?)

Votos de FELIZ NATAL
para todos que amavelmente partilham as suas ideias
e me enriquecem!
x
Lucas Cranach, o Velho, pintor alemão, A Sagrada Família, 1509. Escolhi este tríptico por colocar a Sagrada Família numa vivência quotidiana como tantas outras famílias.
x

Städelaches Kunstinstitut. Frankfurt. Alemania.
(detalhe do volante direito: Duque João, o Resoluto, irmão do monarca abaixo assinalado, Frederico III)

(Detalhe volante esquerdo: Frederico, o Sábio, monarca da Saxónia)

No centro Maria vestida de azul e Santa Ana com o Menino. José encontra-se acocorado. No plano acima estão, não sei por que ordem(?) o Imperador Carlos V, o soberano Frederico, o Sábio e o duque João. (acrescentado17:30h) Vai chegar um Menino que dizem veio para salvar os homens. Creio que a sua beleza é capaz de o fazer... mas ainda não o encontrei. Um Menino que sabia o seu triste fim e não se revoltou.
Apesar das dúvidas utilizo Caeiro: "A mim ensinou-me tudo./Ensinou-me a olhar para as coisas./Aponta-me todas as coisas que há nas flores".

Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

Alberto Caeiro

George Michael - December Song (I Dreamed of Christmas)

15 comentários:

  1. Thanks a lot, Sandra!
    Gelukkig Niuewjaar! :)
    Bjs!

    ResponderEliminar
  2. Um feliz Natal para si também, ana. Que esta época e o novo ano se renovem de alegrias, esperança e concretizações almejadas.
    Um abraço e os votos de que também neste intercâmbio 2011 seja um ano fértil! :)

    ResponderEliminar
  3. R,
    Muito obrigada!
    Desejo também um Feliz Natal e uma Ano Novo cheio de projectos e boas surpresas! :)
    Abraço!

    ResponderEliminar
  4. Ana,
    Como sempre, uma postagem repleta de significado.
    Reforço os desejos dum Natal com luz e que 2011 corresponda à esperança da maioria.

    beijo :)

    ResponderEliminar
  5. AC,
    Muito obrigada! Desejo-lhe também um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de nova escrita com a sensibilidade que o caracteriza!
    Beijo!:)

    ResponderEliminar
  6. Para AC e todos. Julgo que já postei em tempos por isso deixo em comentário. Ouça,ouçam é lindo!
    Maria Betânia

    ResponderEliminar
  7. Muito belo o seu natal

    Tudo pelo melhor
    e que vivam os criativos

    Bj

    ResponderEliminar
  8. Obrigada, Mar Arável!

    Tudo pelo melhor são também os meus votos e com novos livros publicados!
    Bj

    ResponderEliminar
  9. Ana,
    também eu agradeço a partilha sempre rica, a simpatia e a sensibilidade.
    Espero que tenha um excelente Natal e que 2011 venha repleto daquilo que mais desejar.
    Um abraço!

    ResponderEliminar
  10. Por aqui, o Natal assinala-se com tempo, espaço e dignidade. Votos de um Natal muito feliz, Ana. :-)

    ResponderEliminar
  11. ★FELIZ*•˚° ★。 ° ˛˚˛★* •。* •。★* •。★*˚
    ° 。* •。˛˚*° 。˚*•★*NATAL★ 。*˚° 。 ° ˛˚*° 。˚*• °
    ° 。 ° ˛˚ _Π_____*。*˚° 。 ° ˛˚*˚° • 。 ° ˛˚*˚° • 。 ° ˛˚
    ˚ ˛ ˛•˚ */______ /\。˚ ˚ ° 。• ° ˛˚˚° 。 ° ˛˚˛˚˚° 。 ° ˛
    ˚ ˛˛ ˚ * |田田門 l l ˚˚˚° 。 ° ˛˚˛˚*.

    ResponderEliminar
  12. ☝(Oh! Não ficou tão bonito quanto eu esperava! ☹... A casinha ficou aos retalhos! Ehehehe! ☃)

    FELIZ NATAL, Ana! ☺

    NBJ

    ResponderEliminar
  13. Sara,
    Obrigada pelas suas palavras de simpatia e agradeço também a partilha enriquecedora.
    Que 2011 lhe traga o que mais deseja.:)

    Um abraço!

    Luísa,

    Muito obrigada pelo "tempo, espaço e dignidade" que é também o que eu encontro no seu belo espaço!
    Feliz Ano Novo! :)


    Virgínia,
    Muito obrigada pela sua * estrelinha e pelos seus votos,
    Bom Ano Novo! :)

    Nan Ban Jin,

    Foi linda a casinha que construiu: a mais, mais bela casa de Natal que recebi que foi uma verdadeira surpresa!
    Boas Festas e Feliz Ano Novo! *:)

    ResponderEliminar

Arquivo