Charles Courtney Curran, Antes da Guerra, 1913
Por mão amiga recebi notícias de Irene Lisboa evocada por Luísa Dacosta e por Paula Morão. Obrigada Maria João do blogue "O Falcão de Jade".
Após a leitura das notícias, lembrei-me de duas mulheres mais novas, mas ainda assim contemporâneas, que se notabilizaram seguindo a mesma escrita intimista: Clarice Lispector (1920-1977) e Maria Ondina Braga (1932-2003).
Com estilos de vida diferentes, pertencendo a gerações diferentes, a vida destas três mulheres cruza-se através da palavra portuguesa: solidão.
Ter-se-ão conhecido?
Ter-se-ão conhecido?
Nada sei sobre uma possível ligação. O mais provável é nem se terem conhecido.
Todavia, em locais dispersos, com realidades peculiares, as três mulheres têm, a meu ver, algo em comum. O que me fez refletir que em cada canto do mundo, sem que as pessoas se apercebam, a fonte da vida é a mesma, as energias são iguais, os anseios são os mesmos, não importa a religião, o poder político ou o poder económico. Quero com isto dizer que as sombras são as mesmas, todos temos uma caverna e é dela que partimos para traçar os dias.
Todavia, em locais dispersos, com realidades peculiares, as três mulheres têm, a meu ver, algo em comum. O que me fez refletir que em cada canto do mundo, sem que as pessoas se apercebam, a fonte da vida é a mesma, as energias são iguais, os anseios são os mesmos, não importa a religião, o poder político ou o poder económico. Quero com isto dizer que as sombras são as mesmas, todos temos uma caverna e é dela que partimos para traçar os dias.
IRENE LISBOA
Irene Lisboa , com 24 anos, fotografia retirada do
Quinzenário Literário:Educação Feminina, 1 de Abril, 1913, nº I
«...Gostava de escrever com um fio de água.
um fio que nada traçasse
Fino e sem cor, medroso...»
Irene Lisboa
[Irene Lisboa]
Morreste em Novembro de 1958 e para mim tinhas nascido tão tarde! Só em 1956 - Lembras-te? Foi António Sérgio que nos apresentou, num concerto. (...) A natureza foi o teu espelho e exaltação. criaste-lhe uma alma, sentias a água a chorar, e o impossível corporizava-se, sob os teus olhos, na rapariga de pedra.
Luísa Dacosta, "Um Perfil e Uma Obra. Irene Lisboa in Vida mundial. Lisboa. Nº 1636 (16 Out. 1970), p. 41-52.
Segundo Paula Morão, Irene Lisboa no livro, o pouco e o muito, descreve a chuva violenta que cai lá fora ordenada em três linhas de fuga: o tema do isolamento (corolário da solidão); a metáfora da linguagem e a auto-análise, «eu que faço?», «eu que escrevo o quê?» e em «eu quem sou?».
Paula Mourão interliga a escritora com o intersecionismo modernista, nomeadamente, com Álvaro de Campos de "Tabacaria" pelo recurso comparativo e pelo tema da solidão; e no tema da chuva aproxima-a à "Chuva Oblíqua" ou de "Chove?" de Fernando Pessoa.; perfila-a na sombra de Cesário Verde de "Contrariedades"; e ainda, enquadra-a na escrita de Camilo Pessanha. Concluiu que era "interessante notar como em todos os casos se trata de poetas que estiveram à frente do seu tempo, suscitando problemas de avaliação crítica e de reconhecimento, como veio acontecer com Irene Lisboa".
Paula Morão, "Notas sobre o estilo de Irene Lisboa", Irene Lisboa: 1892-1958 [catálogo], pp.31-38, Lisboa: Biblioteca Nacional, 1992 .
CLARICE LISPECTOR
Carlos Scliarp (1920-2001), Retrato de Clarice Lispector, 1972. Daqui
Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva.
Clarice Lispector
ONDINA BRAGA
Clarice Lispector
ONDINA BRAGA
Maria Ondina Braga, Cortesia do Google
Chovia a potes. Muito pretendido, àquela hora, muito requisitado, o condutor: tlim-tlim! Grosseiro, o condutor? Dava-se-lhe um desconto. Pang-yau de manhã à noite a pedalar de costas curvadas, que ganhava o pobre que lhe sobrasse para cortesia? Elas pelo menos assim o entenderam, pulando uma atrás da outra para dentro do coche, rápidas, encharcadas, a abrigar-se, a enxugar o rosto molhado. Para onde quer ir?, perguntou então a professora da Escola Chinesa. Ora, para onde quero ir!... Num domingo de chuva em Macau tudo quanto se podia desejar era um sam-lun-ché, não era? Riram, radiantes, e não só por terem conseguido transporte como pelo encontro, pela convivência. Abotoavam as bandas do oleado que as cobria da cabeça aos pés. Diga-lhe que nos leve sem destino, queremos é matar o tempo!, propôs Ester. Sem destino? Xiao franzia o sobrolho. Não. Isso sem destino o homem não compreendia.
Maria Ondina Braga, Nocturno em Macau. Lisboa:Editorial Caminho, 1991.
Maria Ondina Braga, Nocturno em Macau. Lisboa:Editorial Caminho, 1991.
O vídeo clip é surreal e a meu ver comunga com a solidão, o fio condutor desta postagem
Maria Ondina...para mim uma NÃO CONHECIDA ( diferente de ser DESCONHECIDA ).
ResponderEliminarQuanto à SOLIDÃO :
Eu careço dela para tentar criar e julgo que sem algumas ocasiões de solidão poucos serão realmente criativos.
Belas escolhas fizeste, Ana. Estou muito grato por esses excertos da Irene Lisboa ( de quem não leio nada há séculos).
Um beijo.
Lindo, Clarice era assim mesmo, divina, sofrida e bela. Verdadeira.
ResponderEliminarConheci Irene Lisboa pela Falcão, mas vou atras de alguma coisa de Maria Ondina, da qual me apaixonei pelo que lí e ví aqui.
É sempre bom vir aqui aprender um pouco.
bjs grandes.
Tive o prazer de ler Nocturno de Maria ondina de Lisboa, fiquei fascinada, fiquei feliz de vê-la aqui.
ResponderEliminarLispector é sem precedentes para mim, leitura obrigatória.
Desculpe a ausência, mas as estradas estão cheias.
com carinho,
zerafim
Ana, excelentes textos, excelentes ilustrações e video. Bom domingo e um abraço!
ResponderEliminarJoão,
ResponderEliminarVai gostar de ler Maria Ondina, já uns três livros dela que me maravilharam.
Beijinho e obrigada! :)
Amigas Vurdóns,
Se colocarem o nome dela na parte da pesquisa leem mais uns excertos dela. Vão gostar.
9 beijinhos. :)))))))))
Zerafim,
Também tenho andado mais longe da blogosfera. Obrigada pela sua presença.
beijinho. :)
Manuel,
Muito obrigada pela sua visita que muito me apraz e pelo comentário.
Beijinho. :)
ResponderEliminarPergunto-me se haverá uma "escrita feminina" ou se a similitude de temas (neste e noutros casos) é só uma consequência da minúcia do olhar que caracteriza os homens e as mulheres das letras.
Maria Ondina Braga, escritora do mundo, natural da minha cidade - Braga.
Um beijo
João queria dizer que li uns três...
ResponderEliminar:)
Amigas Vurdons,
Onde está leem é lêem. :)
Lídia,
Muito obrigada pela sua visita. Não sou expert no assunto. A minha postagem é o resultado de leituras e do gosto pela mesma.
Quanto à "escrita feminina", sim, julgo que existe. Todavia, há similitudes nos temas, na forma da escrita, como foca Paula Morão que coloca a escrita de Irene Lisboa dentro de um leque de escritores da mesma época. Há um toque feminino nas escritoras que tenho lido, o que acho maravilhoso. Não acha?
Um beijo. :)
É curioso que, à excepção de Yourcenar e Agatha Chistrie, entre nós Sophia, raramente se fala de escritoras.
ResponderEliminarExcelente iniciativa a sua!!
Beijinho e votos de boa semana!
Como três mulheres diferentes, de gerações diferentes, têm tanto em comum. E, apesar de supostamente nunca se terem conhecido, é impressionante como os seus caminhos se cruzam.
ResponderEliminarCurioso e interessante o post.
De Maria Ondina Braga nunca li nenhum livro. Dos que leu, qual me sugere?
Beijinhos.:))
Gostei muito do teu post, Ana.
ResponderEliminarPenso que a solidão, a alegria, a tristeza, o espanto...enfim, serão comuns a todos independentemente de...
Afinal porque somos todos seres humanos.
Senti-lo será comum. Escrevê-lo e escrevê-lo com alma, só alguns têm essa capacidade, como por exemplo estas três mulheres.
Um beijinho e boa semana
Pedro,
ResponderEliminarObrigada.
Beijinho e boa semana! :)
Cláudia,
É uma resposta difícil. No entanto aconselho o "Nocturno em Macau", é muito interessante viajar com ela. Gostei muito de "Estátua de Sal"...
Beijinho. :)
Isabel,
Ainda não consigo comentar no teu e nos blogues com as letrinhas. É um horror pois é uma forma de partilha e de dizermos bom dia. :(
Obrigada e boa semana para ti.
Beijinhos. :)
Muito interessante porque mulheres muito diversas do "habitual" do seu tempo. Independentes, verdadeiras e lutando. As duas primeiras admiro-as muito, A Maria Ondina Braga não conheço bem. Sei que era uma viajante...
ResponderEliminarbelo post (ainda bem que a ajudei um pouco...)
Importante é falar delas, há mais...
beijinhos
Maria João,
ResponderEliminarMuito obrigada pelos artigos que enviou e que me fizeram pensar.
Maria Ondina Braga é uma escritora interessante, já li romances e contos e gostei muito.
Andou pelo Oriente e África, vai gostar. Viajou como a MJ.
Beijinho. :)
Só para confirmar que a Maria Ondina (de quem sou familiar) e a Clarice Lispector se conheceram, trocaram livros e uma (solitária) admiração mútua.
ResponderEliminarluis soares barbosa
Só para confirmar que a Maria Ondina (de quem sou familiar) e a Clarice Lispector se conheceram, trocaram livros e uma (solitária) admiração mútua.
ResponderEliminarluis soares barbosa