05/01/2019

Saudades...

Saudades dos passeios pelos canais..., Amesterdão





...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto morto das águas.
Um som suave de rio largo, uma indecisa frescura aquática, uma saudade audível, oculta, um amarelo morto de movimento.

Leves, leves as sombras calmas.

A noite era cheia daquelas pequenas nuvens muito brancas, que se destacam umas das outras. Vista através de uma ou outra delas, a Lua tinha em seu torno um halo azul, castanho e amarelo, com uns tons supostos de verde-vivo. Entre as árvores o céu era dum azul-negro profundíssimo, longínquo, irrevogável. As estrelas viam-se ora através das nuvens, ora, muito longe, mas entre elas. Uma saudade de coisas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em reencarnações antigas, olhos nossos, no corpo físico, houvesse visto, este luar sobre florestas longínquas, quando selvática ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memória em Deus ao contrário, no futuro das suas reencarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas duas luas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.
s.d.



Bernardo Soares, Livro do Desassossego. Vol.I, (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990, p. 82.



13 comentários:

  1. Nunca andei nos canais de Amesterdão...
    Ao lado e a pé.
    Tenho uns de lá, mas não tão bonitos como estes.

    Bem jogado, Ana !

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  2. Bernardo Soares usa termos e sentidos tão polivalentes e múltiplos que me é o mais impenetrável dos heterónimos. Leio-o como quem depara com contas raras e desconhecidas.
    Gosto bastante do contratenor Philippe Jaroussky, e esta ária, de sugestiva tristeza, é especialmente bonita e melódica. Obrigada.
    Bom Dia:)

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  3. A minha filha Mariana gostou tanto de Amesterdão que é para lá que quer ir estudar.
    Beijos, Bom Ano

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  4. Jacques Brel.
    Algas labirínticas humidades.
    Tamanquinhas para ler paisagens Bernadossoireeinas.

    Bj.

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