(Poderia arrumar em prosa a poesia deste conto.
Apeteceu-me alinhar em verso a prosa dele)
O meu gato está velho,
tem dezoito anos.
Deixou a um canto
há muito
o seu novelo de trapos.
Ele tem frio,
tem frio nas suas luvas brancas.
Luvas brancas, sim, luvas brancas,
porque ele é fidalgo
o meu gato.
Mas agora está cansado e velho,
tem dezoito anos.
Ali está, a um canto,
o seu novelo de trapos.
O ratão clássico da fábula
é agora único
e todo-poderoso
senhor das águas-furtadas.
Já lá vai o tempo
-só de lembrar estremece-
em que temia a luva branca
(luva branca de fidalgo,
não esqueçais)
do meu gato.
O meu gato tem frio,
frio nas suas luvas brancas.
A custo pulou para a cadeira
onde costuma dormir a tarde inteira
e lá ficou que tempos
a filosofar.
Porque o meu gato
está velho
e com velhice
tornou-se filósofo.
Pensa muito, creio bem,
no calor de um raio de sol,
do sol que ele outrora desprezava
quando corria
-que ridículo!-
atrás do novelo de farrapos.
O deus do meu gato é o sol.
Porque pensaram também os homens
que o sol é que era Deus?
Deixai o sol ser o deus dos gatos
e procurai
o deus que aquece as almas.
O sol é o deus do meu gato,
mas às vezes,
quando não há sol,
ele põe-se a filosofar
sobre o calor
dos meu joelhos...
e assaltam-no então
tão sérias dúvidas!
O meu gato
está velho
filósofo
tem dezoito anos
e frio nas suas luvas brancas.
Veio ter comigo.
Digo-lhe:
"Pede a um raio de sol
que te aqueça".
Há um fio de sol,
um pobre doirado fio de sol
que coa pelo vidro partido
e vai cair
num degrau da escada.
Ali se enroscou
o meu gato.
Mas, quando o raio de sol
fugiu,
veio a correr
pedir calor
aos meus Joelhos.
Fernando Campos
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